segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Celso Rocha de Barros A Fiesp é fascista?, FSP

Bolsonarismo de Skaf amarra elite de SP ao que há de mais imundo na política

  • 88
Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) está trabalhando pela organização do partido de Bolsonaro no estado. É uma vergonha para a indústria brasileira e para São Paulo.
Associando-se ao bolsonarismo, Skaf está amarrando a elite do estado mais dinâmico do Brasil ao que há de mais imundo e atrasado na tradição política brasileira. 
O presidente da República, Jair Bolsonaro, acompanhado de Paulo Skaf - Isac Nóbrega/PR
A vanguarda de nosso empresariado defende o torturador Brilhante Ustra, que introduzia ratos nas vaginas das presas? A locomotiva da nação dá graças a Deus porque Pinochet matou o pai de Michelle Bachelet? 
Há planos para projetar uma placa rasgada com o nome de Marielle Franco na fachada da sede na Paulista? As milícias de Rio das Pedras poderão se filiar à Fiesp? 
A elite paulista, que já financiou a Semana de Arte Moderna de 1922, a USP e o Masp, agora patrocinará a doença mental de Olavo de Carvalho? Os empreendedores bandeirantes defendem o negacionismo climático? Aliás, que modelo de empreendedorismo os federados de Skaf pretendem oferecer aos jovens paulistas, a startup “Escritório do Crime”? 
Os cidadãos brasileiros a quem o país permitiu ter mais dinheiro apoiam um novo AI-5, entusiasmam-se com os ataques ao STF, defendem a guerra de Bolsonaro contra a imprensa livre? A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo será a defensora do atraso e do coronelismo, do preconceito e do obscurantismo, da mais torpe e abjeta depravação autoritária?
Ao redor do mundo, segmentos econômicos que não se mostraram capazes de competir globalmente se aliaram ao populismo autoritário. Se o empresariado paulista seguir Skaf no bolsonarismo, terá também assinado sua desistência. 
Talvez a indústria brasileira, em franco declínio, abrace o bolsonarismo como os antigos mineiros do norte da Inglaterra abraçaram o brexit. Vale lembrar, o bolsonarismo se distingue de outros autoritarismos da mesma safra pelo apoio que tem nas elites. 
Se os industriais paulistas não protestarem contra Bolsonaro na qualidade de industriais, poderiam ao menos protestar na qualidade de paulistas. 
Bolsonaro venceu em São Paulo, mas representa o contrário da visão que São Paulo já foi. Bolsonaro acha que desenvolvimento é plantar em cada vez mais terras e explorar cada vez mais minas. É o exato contrário do tipo de atividade econômica moderna e intensiva em conhecimento em que São Paulo é líder. 
São Paulo é suas universidades, é o centro da ciência nacional, é a Fapesp. Bolsonaro é censura ao Inpe, guerra às universidades e negacionismo climático. São Paulo foi o berço dos dois melhores partidos que o Brasil já teve, PT e PSDB. Bolsonaro é uma infecção oportunista nascida das crises dos dois. São Paulo é um dos poucos estados em que dois grandes jornais sobreviveram. Bolsonaro pretende estrangulá-los financeiramente e substituí-los pelo jornalismo puxa-saco muito comum nas regiões mais pobres. 
Ainda resta a esperança de que Skaf não seja representativo da indústria paulista como um todo. Matéria de Bruna Narcizo publicada nesta Folha em 3 de janeiro mostrou que há industriais insatisfeitos com os movimentos recentes do presidente da Fiesp. Tomara que sejam muitos e que estejam insatisfeitos pelo motivo certo.

Luiz Felipe Pondé China e o fetiche da democracia, FSP

Trocamos facilmente liberdade por estabilidade

  • 21
Anos atrás, li um artigo de um sociólogo chinês que afirmava considerar interessante o culto à democracia no Ocidente. Apesar de partilhar com meus conterrâneos ocidentais a crença de que a democracia é, de longe, o menos ruim dos regimes conhecidos (por limitar o poder e não porque exista alguma forma de sabedoria popular), com todas suas mazelas, achei interessante um sociólogo fazer esse julgamento. 
É óbvio que, em alguns séculos, talvez a democracia tenha passado, e nossos descendentes julguem peculiar nossa fé num sistema altamente volátil e comparem essa nossa fé à antiga fé de se ler presságios nas vísceras dos animais: tão irracional quanto. 
China é o grande desafio histórico do mundo contemporâneo. Não me refiro tanto aos jovens chineses que frequentam universidades e seus professores: esses são a mesma coisa no mundo inteiro, uma elite chique, acostumada a privilégios, que no fundo tem nojinho de gente pobre e ignorante.
ilustração
Ilustração de Ricardo Cammarota para a coluna de Luiz Felipe Pondé de 6.jan.2020 - Ricardo Cammarota
Refiro-me à população comum, que não fez universidade, ou se o fez, o fez apenas com objetivos técnicos de sobrevivência. Tive a chance, recentemente, de falar com pessoas assim na China e de entender um pouco alguns meandros desse gigante econômico, que poderá pôr em dúvida a relação, supostamente considerada como essencial, entre sociedade de mercado (e o enriquecimento em larga escala que ela gera) e democracia liberal.
Umas das coisas que mais me chama a atenção nesse estrato da população, com quem você pode conversar se não considerar gente “comum” um asno —como o fazem, corriqueiramente, os membros da minha tribo— é um certo desinteresse profundo pela ideia de democracia.
Ouvi de uma mulher de cerca de 30 anos, cujo marido acabou de abrir um pequeno restaurante num shopping chique tipo JK Iguatemi em Pequim, que estão trabalhando como loucos para fazer dar certo, que não querem a vida inquieta e infeliz que seus irmãos de Hong Kong têm. Manifestações nas ruas, interrupção do cotidiano e insegurança. Segundo ela, a vida na China é tranquila, feliz e segura. 
A comparação com Hong Kong é significativa se lembrarmos que a região vive instabilidade há meses.
A ideia que trocamos facilmente liberdade por estabilidade é fato. O amor à democracia é um fetiche.
Mesmo a liberdade de expressão é mais sentida como valor por certas profissões apenas, e mesmo elas (professores, jornalistas, intelectuais em geral), ao longo de século 20, se revelaram bem fogosas quanto a compactuar com formas não democráticas de governo. Basta ter uma ideologia e um emprego que justifiquem a parceria.
O brilhante historiador Tony Judt, no seu livro “Past Imperfect: French Intellectuals, 1944-1956”, University of California Press, 1992, e no seu monumental “Postwar: A History of Europe Since 1945”, Penguin, 2006, diz que todos os sistemas totalitários no século 20 precisaram de apoio de intelectuais, jornalistas, professores, artistas e acadêmicos, à direita e à esquerda. 
Enfim, acreditar que esses profissionais garantem, com certeza, a democracia, é uma ilusão. O que se viu no século 20 foi muitos deles apoiarem regimes totalitários, à direita e à esquerda.
Suspeito, às vezes, que democracia seja, antes de tudo, um estilo de vida. Política no espaço público como entendemos (debates, disputas, polêmicas) inexiste no seio da população comum na China. E não parece fazer falta. É como se política fosse pra profissionais gestores. O cidadão comum cuida da sua vida. Política é algo que se você ou eu nos metermos, atrapalha.
Quanto ao controle das vidas, esse é tecnológico. A China é uma República de Platão com alta tecnologia.
Todo o avançado sistema de tecnologia da informação serve à população e, ao mesmo tempo, serve para tornar as vidas “visíveis” para o Estado. Lá, Estado e mercado são a mesma coisa.
O desafio que a China nos coloca é se de fato a democracia é fundamental para se viver materialmente bem. Homens e mulheres tendem a optar pela segurança material em detrimento de formas mais “abstratas” de bem-estar.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

A Bolha entre nós, Ruy Castro , FSP

Um organismo sem olhos, estômago ou cérebro. Onde você já viu um parecido?

  • 8
Um amigo me mandou um artigo sobre um organismo até há pouco desconhecido e que vem intrigando a ciência. É o “Physarum polycephalum”, um primo em segundo grau das amebas e cujo nome, para quem matou aquela aula de latim, significa “mofo de muitas cabeças”. A classificação é instigante, mas enganadora. Não se trata de um fungo, nem animal ou planta, embora às vezes lembre um ou outro. E, mesmo já definido como inofensivo, está sendo chamado de A Bolha, numa referência a um filme Z de 1958, “A Bolha Assassina”, com o ainda anônimo Steve McQueen.
A Bolha —o organismo, não o filme— tem como habitat lugares úmidos e meio pantanosos, onde haja decomposição de cascas e folhas de árvores. É do que se compõe sua dieta, mas ela não se queixa. Algo dentro dela lhe ensina a descobrir esse alimento e se mover na direção dele, à razão de um centímetro por hora —velocidade quase olímpica, considerando-se que A Bolha não tem olhos, estômago e muito menos cérebro. 
Mas tem outras características. Quando se aproxima de uma colega, por exemplo, dá-se uma espécie de fusão e o “conhecimento” de uma passa para a outra. Como A Bolha não tem cérebro, isso acontece de maneira acrítica —uma herda tudo que a outra “sabe” e sai repetindo pelo brejo como uma bobalhona, sem pensar e sem discutir. E, ah, sim, A Bolha tem nada menos que 720 opções sexuais para se reproduzir, o que a torna uma das maiores enciclopédias desse assunto na natureza.
No nosso próprio brejo, temos um equivalente aproximado desses organismos. São os seguidores de Bolsonaro. Eles também parecem não ter olhos, estômago ou cérebro, considerando-se as informações de que se alimentam e que saem repetindo acrítica e abobalhadamente, cegos para os fatos que insistem em desmentir as versões.
Só diferem nas 720 opções sexuais. Eles também as têm, mas não assumem.
Physarum polycephalum sobre um tronco
O Physarum polycephalum sobre um tronco - Reprodução
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.