domingo, 5 de janeiro de 2020

Nenhum dos 7.766 servidores expulsos desde 2003 saiu por mau desempenho, FSP

SÃO PAULO
O governo federal já expulsou 7.766 servidores públicos estatutários desde 2003. Nenhum deles por insuficiência de desempenho, hipótese prevista na Constituição há mais de 20 anos, mas que nunca foi regulamentada.

Os dados são da CGU (Controladoria-Geral da União), que divulga registros a partir daquela data, atualizados até novembro de 2019. O número corresponde a 0,5% do quadro atual de servidores civis.
Quase dois terços das expulsões (65%) se referem a casos de corrupção. Outras 25% estão relacionadas a abandono, inassiduidade ou acumulação ilegal de cargos.

As hipóteses para demissão de servidores federais estão previstas na Lei 8.112, de 1990.
Entre aquelas que mais se aproximam do desempenho insuficiente na função está a desídia, que significa indolência, ociosidade, preguiça, negligência ou descuido na execução de um serviço, segundo o dicionário Houaiss. Desde 2003, foram 223 expulsões (3% do total) por esse motivo. Nos últimos três anos, foram 56 (um quarto do total).

A CGU afirma, no entanto, que a demissão por insuficiência de desempenho, se regulamentada, provavelmente decorrerá do resultado de avaliações de desempenho ou de instrumento semelhante. A conduta desidiosa, por outro lado, independe de qualquer avaliação, mas sim de conduta específica do servidor.

“Nesse sentido, um servidor que possui um excelente desempenho, conforme o caso, pode ser demitido em razão de conduta desidiosa”, afirma a controladoria.
Sede da CGU, em Brasília, órgão que sistematiza as demissões no serviço público federal - Bruno Rocha /Fotoarena/Folhapress

Em 1998, o Congresso aprovou a reforma administrativa do ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que previa demissão por excesso de quadros (rejeitada pelos parlamentares) e por insuficiência de desempenho.

Essa segunda hipótese foi aprovada e está na Constituição há mais de 20 anos, mas nunca foi regulamentada, o que impede sua aplicação.

Em julho deste ano, um projeto de lei nesse sentido, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e aguarda votação em plenário.

O governo federal tem prometido apresentar uma proposta de reforma administrativa que incluiria, por exemplo, regras para avaliação de desempenho dos servidores e contratação de concursados sem estabilidade. Para algumas carreiras, como aquelas ligadas à área de fiscalização, parte dessas novas regras não seria aplicada.

Na lista dos órgãos com mais demissões, no entanto, estão aqueles que possuem em seus quadros servidores com essas atribuições.

De acordo com a CGU, os órgãos federais com maior número de servidores expulsos são INSS (1.897), Ministério da Educação (1.437), Ministério da Saúde (792), Polícia Rodoviária Federal (605), Receita Federal (520) e Polícia Federal (416).

Juntos, respondem por 73% das expulsões desde 2003.

Esses números se referem apenas a servidores públicos estatutários, mas há também dados para funcionários contratados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Segundo a CGU, desde 2003, foram expulsos 8.915 celetistas de empresas federais, com destaque para Banco do Brasil (3.683), Correios (2.550) e Caixa Econômica Federal (1.443).

A Petrobras, estatal cujos casos de corrupção se destacaram nos últimos anos no âmbito da Operação Lava Jato, teve 180 funcionários celetistas expulsos desde 2003, número inferior ao da Casa da Moeda (238) e igual ao do Banco da Amazônia (180).

No caso dos celetistas, não há informações sobre quantos tiveram a demissão relacionada a casos de corrupção, exceto no caso de cinco pessoas que ocupavam algum cargo em comissão na Administração Direta e, por isso, foram submetidos a procedimento administrativo disciplinar.
O professor da FGV Direito SP Mário Engler, que já atuou no serviço público como procurador no estado de São Paulo, afirma que há uma exigência muito grande para que uma pessoa possa ingressar no serviço público, mas faltam instrumentos para avaliar o desempenho posterior dos servidores, tanto para premiar quanto para punir.
 
Engler defende uma reforma administrativa que regulamente a questão, mas de maneira objetiva, para evitar que a avaliação seja utilizada com finalidade política.
“Você tem esse dilema na administração pública. Há uma falta de incentivos, para os bons desempenhos, e de instrumentos que permitam efetuar desligamentos sem que seja por conta de uma falta que caracterize prática criminosa”, afirma o professor da FGV.
“A desídia é uma infração disciplinar. A insuficiência não tem uma carga de ilícito.”
Ainda de acordo com a CGU, cerca de 10% dos servidores públicos e celetistas expulsos foram reintegrados por decisão de tribunais superiores, por motivos como desproporcionalidade entre conduta e punição ou prescrição, entre outros.
A instituição informa que alterou profundamente a sua forma de apuração disciplinar neste ano.
“Agora, antes da instauração do processo é feito um significativo esforço investigativo que seja capaz de viabilizar o maior e melhor quantitativo de prova possível para o processo a ser instaurado. Esse esforço investigativo é estruturado em uma ferramenta chamada matriz de responsabilização”, diz a CGU.
Estudo divulgado pelo Banco Mundial em outubro deste ano também sugere, entre outras medidas para melhorar a prestação do serviço público, a aplicação efetiva de avaliação de desempenho para progressão de carreira.
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FSP EDUARDO LEITE O desafio da ponderação

Os estados brasileiros vivem desafios que não são apenas de natureza administrativa. Recentemente, o processo de debate e votação das propostas de um amplo conjunto de medidas de ajuste fiscal no Rio Grande do Sul, a Reforma RS, confirmou uma face da política que merece reflexão: como o agente público consegue oferecer respostas racionais de gestão em meio a tanta tensão ideológica?
Desde o início da apreciação da Reforma RS, o nosso governo se colocou à disposição de um diálogo franco em relação às medidas que estavam sendo propostas para a superação da aguda crise fiscal do estado, reorganizando carreiras e aplicando regras previdenciárias já aprovadas em âmbito nacional. Obviamente, não se pretendia a adesão automática, mas também não se imaginava que prevaleceriam tantas posições extremadas.
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O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), em entrevista em Porto Alegre - Marcos Nagelstein - 11.out.19/Folhapress
A ponderação nem sempre prevaleceu, apesar do êxito da negociação final que levou à aprovação de novas alíquotas previdenciárias que tornam o sistema mais sustentável e justo. A verdade é que é muito difícil propor iniciativas conciliatórias e ser um político de centro, atualmente, não só no Rio Grande do Sul como no Brasil. 
A incompreensão vem de todos os lados, precipitada por uma ânsia maniqueísta de querer simplificar e catalogar comportamentos, muitas vezes na velocidade empobrecedora das redes sociais.
Tanta pressa gera reações esquizofrênicas. Vejam bem: em busca do equilíbrio fiscal, estamos reduzindo o custo da máquina fazendo a reforma do estado, e recebemos o ataque dos sindicatos: “Cobrem os sonegadores!”. E nós estamos cobrando. Entre as medidas que adotamos, os números demonstram que, em 2019, mais do que dobramos as operações de fiscalização em relação a 2018. Aperta-se o cerco contra sonegadores de ICMS, e movimentos como o MBL reagem: “Tem é que reduzir o peso da máquina, empresário não é bandido!” E nós estamos reformando o setor público, justamente para, com a redução do custo do governo, poder reduzir impostos e tornar o ambiente de negócios mais amigável ao investimento.
Acredito que a melhor forma de conter a histeria, nesse contexto, é a convicção. A sociedade cobra dos seus políticos a entrega dos melhores resultados para o todo. Por isso a política, em uma democracia, é instrumento de moderação, exercendo a função mediadora para que seja alcançado o interesse público, sem desprezar o barulho de grupos menores, mas sabendo ouvir e interpretar o silêncio da maioria.
O sentido de resultado coletivo, focado no amparo, no incentivo e na oferta de serviços à maioria, está por trás do argumento político que usamos, inclusive, para sustentar o nosso projeto de redesenho da despesa pública com o funcionalismo, a Reforma RS: não é contra ninguém, é a favor de todos, justamente como preconiza a verdadeira democracia.
A posição que entendo ser esperada de um ocupante de cargo do Executivo é a de propor uma agenda de transformação. O governo não é o prefeito, o governador ou presidente de um lado do balcão e, do outro, a sociedade. Não vivemos em um regime autoritário. O governante apenas propõe a agenda e, como é próprio da democracia, precisa ter habilidade e serenidade para assumir as interferências da sociedade na pauta pretendida.
Desde o início, nosso governo posicionou-se com energia para superar ideias fixas —e isso não significa ausência de convicção, mas respeito e “permeabilidade” às posições divergentes. Apresentamos um caminho de construção coletiva, seguindo o propósito do consenso estratégico, que expressa uma síntese da sociedade gaúcha. 
Os governantes brasileiros têm pela frente uma tarefa que também é de temperamento: precisamos, todos, de equilíbrio e moderação, para contornar os ataques fáceis da simplificação. Nosso governo no Rio Grande do Sul busca apresentar-se dessa maneira, perseguindo o ideal de evitar opções excludentes, apostando em escolhas inclusivas.
Eduardo Leite
Governador do Rio Grande do Sul (PSDB) e ex-prefeito de Pelotas (2013-16)
TENDÊNCIAS / DEBATES

Desserviço público, FSP

Mais de duas décadas atrás, em 1998, aprovou-se com estardalhaço uma reforma administrativa que enfrentava o tabu da estabilidade dos servidores públicos no emprego. Muito pouco mudou de concreto desde então, como se sabe hoje.
Como noticiou a Folha, dados da Controladoria-Geral da União (CGU) dão conta de que 7.766 profissionais estatutários foram demitidos do Executivo federal de 2003 a novembro de 2019. Trata-se, pois, de evento excepcional, dado que administração direta, autarquias e fundações abrigam hoje 610 mil funcionários civis ativos.
Mais que isso, nenhum desses raros desligamentos ocorreu devido a desempenho insatisfatório na função —hipótese introduzida pela emenda constitucional de 1998, mas nunca regulamentada.
Todos se deram por justa causa, conforme possibilidades já existentes antes da reforma administrativa. Em praticamente dois terços dos casos (65,9%), por envolvimento em corrupção; no restante, por abandono, inassiduidade, negligência e outras faltas graves.
Pode ser motivo de algum alento que ao menos tais situações extremas não estejam protegidas pela estabilidade. Para efeitos de gestão da máquina do Estado, entretanto, trata-se de quase nada.
Não se discute que parte dos servidores precise de salvaguardas para exercer com independência suas tarefas. Policiais, auditores e magistrados, entre outros exemplos, devem estar protegidos de represálias oriundas do poder político.
Mas, com o alcance exagerado em vigor no serviço público brasileiro, as garantias de permanência no emprego atuam como estímulo poderoso à improdutividade de funcionários —além de obstáculo ao remanejamento de quadros e à redefinição de prioridades.
Cumpre desfazer o mito, em boa parte alimentado pelas corporações estatais, de que a revisão da estabilidade significará demissões em massa e o desmonte de órgãos e programas de governo. Os dados não indicam que exista um número excessivo de servidores no país.
Segundo o IBGE, há 11,7 milhões de empregados no setor público como um todo, ou 11% da força de trabalho nacional, proporção que está longe das maiores do mundo. Os gastos excessivos com o funcionalismo —estes, sim, uma anomalia global— devem-se a privilégios salariais e previdenciários.
As distorções nas aposentadorias, ao menos, já foram minimizadas nos casos de novos funcionários. Reformas das condições de carreira, embora politicamente difíceis, serão inevitáveis nos próximos anos, devido à exaustão do Orçamento e ao impacto da evolução tecnológica sobre a gestão.
Não basta mudar leis, contudo. Mais importante até é deixar para trás vícios corporativistas que incluem a complacência com os improdutivos e incompetentes.