sábado, 4 de janeiro de 2020

Botando as manguinhas de fora, Alvaro Costa e Silva, FSP

O 'putsch' do miliciano contra a Porta dos Fundos

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Foi praticamente a estreia no jornalismo de Justino Martins, que mais tarde se transformaria na alma da revista Manchete em seu período de maior prestígio. Foca, mas atrevido, no início dos anos 40, Justino por conta própria mandou de Porto Alegre, via correios, uma reportagem para Diretrizes, publicação mensal dirigida no Rio por Samuel Wainer. O texto, intitulado "Como Era Verde o Meu Brasil", contava a história do integralismo.
Até aí nada demais, se o repórter, com faro e olho certeiros, não sugerisse que o movimento fascista fundado por Plínio Salgado em 1932 estava longe de ter sido extinto, mesmo com toda a repressão do governo Getúlio Vargas. Em 1938, três dezenas de camisas verdes, armados de fuzis e metralhadoras, assaltaram o palácio presidencial a tiros. O putsch direitista foi contido, mas deu a Vargas o pretexto para asfixiar de vez as liberdades democráticas. 
Justino Martins tinha razão. Mais de 80 anos depois, os integralistas ainda não desistiram. Estavam nas catacumbas, mas voltaram à esfera pública desde que o lema "Deus, Pátria e Família" foi usado para divulgar o partido que o presidente Bolsonaro pretende chamar de seu, a Aliança pelo Brasil.
Recentemente, um advogado ligado ao movimento foi nomeado assessor especial da ministra Damares.
Na década de 1930, a Ação Integralista quis substituir o Papai Noel pelo Vovô Índio, que se vestia "com penas de todas as cores de passarinhos". Estilo que não combina com a longa folha criminal de Eduardo Fauzi, suspeito de atacar com coquetéis molotov a Porta dos Fundos na véspera de Natal.
​Fauzi tem ligação com milícias e —surpresa!— com grupos integralistas. Pode estar envolvido no tráfico de mulheres para a Europa. No domingo (29) deu um perdido na polícia e tranquilamente fugiu para a Rússia. O que terá acontecido ao país para essa gente botar as manguinhas verdes de fora?
 
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Visionários, Maia Paula, FSP

Alguns personagens históricos tiveram a capacidade de pautar suas ações por visões de mundo mais amplas que a de seus contemporâneos.
Gandhi, por exemplo, estabeleceu parâmetros extremamente avançados na luta pela independência da Índia e, como resultado, o movimento de não violência ativa (ahimsa) liderado por ele foi vitorioso em seu objetivo de tirar o país da condição de colônia britânica.
Uma das características mais marcantes da personalidade de Gandhi foi sua clareza de raciocínio.
Enquanto a Inglaterra usava como instrumento de dominação a comercialização de tecidos, ele propunha o retorno ao hábito de fiar suas próprias vestimentas e sua "moda" acaba atingindo em cheio o alvo.
Estátua de Mahatma Gandhi durante um eclipse solar, em Chennai, na Índia - P. Ravikumar/Reuters
Além de permitir ao povo indiano acesso à produção de suas roupas, ainda fez com que aquela forma rústica de se vestir ganhasse proporções simbólicas, com repercussão na vida prática e subjetiva de seu povo.
Para que esse tipo de lucidez possa acontecer é fundamental que o fluxo de pensamentos esteja a salvo da confusão provocada pelos ruídos dos comportamentos pautados pela violência. Uma mente revolta torna-se incapaz de se manifestar e até de observar os fatos com clareza.
A imagem de um mar batido é perfeita para elucidar esse conceito: ao abrirmos os olhos debaixo da água num dia de mar bravio, mal conseguimos ver a um palmo de distância, enquanto num mar calmo é possível apreciar a beleza de peixinhos coloridos nadando em distâncias consideráveis ou atentar para presença de um tubarão que se aproxima a tempo de evitar o ataque.
Da mesma forma, uma mente tranquila proporciona clareza de visão, enquanto uma mente tumultuada nos deixa cegos, incapazes de fazer uso de nossa inteligência estratégica.
Sem dúvida, no Brasil hoje, podemos eleger mentes assim para guiar nosso destino. Os visionários existem, precisamos apenas diminuir os ruídos para que eles ganhem visibilidade e possam ser ouvidos.


Maria Paula Fidalgo
Psicóloga, mestre em processos de desenvolvimento humano e saúde pela Universidade de Brasília, Embaixadora da Paz, atriz e escritora

Hélio Schwartsman Beleza espúria, FSP

Para o cérebro, beleza pode dizer algo sobre o caráter de uma pessoa

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Se há um consenso social dos tempos modernos, é o de que a discriminação em razão de raça, gênero, orientação sexual ou características fenotípicas é condenável. Estou de acordo com esse consenso, mas, quando esmiuçamos os dados, a única certeza que emerge é que as coisas são mais complicadas do que parecem.
Examinemos o caso das pessoas bonitas. A vantagem de que elas gozam é significativa. Há trabalhos mostrando que gente atraente tende a ganhar mais, receber melhores avaliações na escola e no trabalho, vencer mais eleições e até a relatar maiores níveis de satisfação com a vida (felicidade). Mesmo quando pisam na bola e vão a julgamento, os bonitos têm maiores chances de ser inocentados.
O fenômeno, conhecido como "prêmio da beleza", pode ser quantificado. O economista Daniel Hamermesh estimou que, nos EUA, pessoas cuja aparência é considerada acima da média conseguem salários de 10% a 15% maiores que os de seus pares menos afortunados. É uma diferença comparável à verificada, sempre nos EUA, entre pessoas de diferentes gêneros ou de diferentes raças.
A vencedora do Miss Brasil 2019, do Sindicato Nacional Pró-Beleza, a amazonense Juliana Malveira
A vencedora do Miss Brasil 2019, do Sindicato Nacional Pró-Beleza, a amazonense Juliana Malveira - Divulgação
E as coisas ficam ainda piores. Exceto talvez por situações muito específicas, como a contratação de atletas para provas de 100 metros, nenhuma diferença de desempenho relevante decorre de o candidato ser branco ou negro. Mas o mesmo não se aplica à beleza, já que há pesquisas mostrando que gente atraente tende a ter melhor desempenho em áreas como vendas e relações públicas, sem mencionar carreiras artísticas.
Não sei como minorar essa discriminação, se é que isso é possível, mas tenho um suspeito. A culpa é de nosso córtex orbitofrontal medial, que está envolvido tanto na avaliação da beleza de uma face quanto na da virtude de comportamentos. Isso significa que, para o cérebro, as curvas do rosto dizem algo sobre o caráter de uma pessoa. Convencê-lo de que essa relação é espúria não é fácil.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".