domingo, 22 de dezembro de 2019

Com grande apoio da elite e apatia geral, Bolsonaro só deve temer a si mesmo, FSP

Difícil imaginar que escândalos levem elite econômica a abandonar o presidente

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Os capitães da indústria gostam da administração do capitão da extrema direita, Jair Bolsonaro, também presidente da República e da filhocracia. Para 60% dos empresários industriais, o governo é “ótimo/bom”; para 7%, “ruim/péssimo”.
É o que diz levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria) com 1.914 empresas do ramo, feito em dezembro. Para a população em geral, o governo é “ótimo/bom” para 29% dos entrevistados pelo Ibope, em pesquisa também encomendada pela CNI. Para 38%, o governo Bolsonaro é “ruim/péssimo”.
As pesquisas foram feitas antes de Flávio Bolsonaro ter sido acusado de comandar uma organização criminosa. Segundo a Promotoria, a gangue contratava funcionários fantasmas e desviava dinheiro da Assembleia Legislativa do Rio em benefício do filho 01, que lavava ou compartilhava o tutu de chocolate com milicianos, foragidos da Justiça, assassinos e agregados.
Um desses apaniguados era Fabrício Queiroz, durante décadas amigo e faz-tudo de Bolsonaro pai, como se sabe. As acusações também eram bem sabidas fazia mais de ano, embora faltasse o colorido sórdido do caleidoscópio das investigações. Os desmandos e as tentativas de mandonismo do presidente, entre outras extravagâncias autoritárias, também são mui bem sabidas, faz muito mais tempo.
No entanto e a propósito, como se dizia, o governo Bolsonaro é tido como “ótimo/bom” por 60% dos empresários industriais. No mercado financeiro, levava a nota “ótimo/bom” de 45% dos “gestores, traders e economistas de fundos de investimentos e instituições financeiras” entrevistados em modesta pesquisa da XP Investimentos, de outubro.
A opinião do pessoal da finança é volátil como o preço de uma ação cheia de mumunhas, de empresa quase falida ou à beira de privatização. Em janeiro, Bolsonaro levava 86% de “ótimo/bom” e 1% de “ruim/péssimo”. Em maio, quando o PIB parecia derreter, esses porta-vozes de “o mercado” davam 43% de “ruim/péssimo” e 14% de “ótimo/bom”. Ainda assim, os financistas e seus empregados mais compram do que vendem Bolsonaro.
De acordo com a conveniência, o Congresso pode se servir do bolo de rolos dos Bolsonaro para dar-lhe uma prensa. Mas os parlamentares são caçadores conscientes. Só matam em caso de necessidade estrita.
É verdade que outros miasmas podem emanar da fossa destampada de 01 e Queiroz. Sabe-se lá se o presidente pode sair comprovadamente empesteado do caso. De qualquer modo, vai fazer diferença, ao menos na opinião do “bloco no poder”?
Os donos do dinheiro parecem contentes mesmo com a economia ainda crescendo a 1% ao ano. Em particular, estão felizes de não pagar mais impostos, com o gasto contido do governo, com reformas trabalhistas e com a perspectiva de mais alguma outra mudança. Em geral, estão felizes com o abatimento da esquerda, real, imaginária ou potencial, nas ruas ou nos partidos.
Caso a economia cresça 2% e estrangeiros voltem para a Bolsa, para mais algumas aquisições e fusões ou qualquer outro choro de dinheiro, por que ficariam menos felizes? Caso estejam satisfeitos, por que o Congresso faria movimentos mais bruscos em relação a Bolsonaro?
Não faria, a não ser que o povo em massa estivesse irado. Não está. É improvável que fique mais irado em 2020, dada a perspectiva de melhora suave na economia e, de quebra, de inexistência de oposição e projeto alternativo.
Por enquanto, Bolsonaro nada tem a temer a não ser a si mesmo.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).