terça-feira, 17 de dezembro de 2019

30 anos depois, o que pensa Fernando Collor da eleição de 89?, OESP

Entrevista com
Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República
Paulo Beraldo e Vinicius Passarelli, O Estado de S.Paulo
17 de dezembro de 2019 | 08h00
Trinta anos depois de uma das eleições mais disputadas da história do Brasil, Fernando Collor de Mello, eleito após vencer Luiz Inácio Lula da Silva, olha para trás e consegue enxergar semelhanças, ainda que poucas, com o momento político atual.
Na avaliação do hoje senador Collor (PROS-AL), o que lhe atribuiu a vitória foi ter feito uma campanha inovadora ao usar a linguagem da televisão para transmitir uma mensagem de abertura comercial, de modernização, de diminuição do Estado e, sobretudo, de mudanças. “Eu vi que havia um espaço vazio que poderia ser preenchido exatamente com essa mensagem de mudança”, afirma.
Fernando Collor e a eleição de 89
O senador Fernando Collor (PROS-AL) deixa o Senado após reunião em seu gabinete Foto: Dida Sampaio/Estadão - 22/01/19
Collor foi eleito no segundo turno, em 17 de dezembro de 1989, com 35 milhões de votos, contra 31 milhões de Lula – em 1992, ele renunciaria em meio a um processo de impeachment.
O ex-presidente afirma que uma das semelhanças entre aquele pleito e o de 2018 é a maneira de como levar a mensagem à população. Em 89, a novidade foi o uso da televisão, enquanto as redes sociais marcaram a eleição que deu a vitória a Jair Bolsonaro.
“O fato de eu ter sabido me utilizar desse meio para comunicar ao eleitorado as minhas propostas e os projetos é que se identifica um pouco com a campanha de 2018, só que o meio de comunicação, o instrumento, ao invés de ser a televisão, foi a mídia social. Em 2018, por saber utilizar o potencial da mídia social, o novo presidente foi eleito”, afirma.
Para Collor, o País saiu polarizado das eleições de 2018 e a postura de Bolsonaro “agrava” a divisão. “O papel dele (Bolsonaro) como chefe da nação brasileira é de reconciliar a sociedade brasileira, e não agravar a divisão que se estabeleceu a partir da eleição que o elegeu”, afirma. O ex-presidente prevê problemas para Bolsonaro pela maneira que ele lida com o Congresso. “Foge um pouco da lógica do que pode dar certo”.
Abaixo, leia os principais trechos da entrevista:

A vitória na eleição de 1989

Atribuo a vitória ao fato de que houve uma perfeita sintonia entre a minha mensagem, o meu projeto, e as expectativas de uma sociedade em rápida transformação tanto no plano mundial quanto no plano nacional. Essa interação foi fundamental para que o projeto de mudanças proposto por mim fosse aprovado pelos eleitores. 

A campanha

Foi uma campanha inovadora em todos os sentidos, do conteúdo ao formato. Tratávamos de temas como a questão da privatização, da abertura comercial. Foi uma mensagem muito eficiente, inteligível e facilmente entendida pela população que, no final, teve de optar por um projeto de mudança que havia sido muito bem assimilado pelo conteúdo e pela forma com que foi transmitido. 

Os debates na televisão em 1989

Havia muito mais liberdade. Na medida em que o tempo foi avançando, os debates foram sendo cada vez mais sofisticados pelo excesso de regras, de parâmetros. Perderam muito em autenticidade. Como o 1.º debate presidencial depois de 29 anos foi aquele, não havia cultura de como os debates poderiam se processar no rádio e na televisão. Os temas eram colocados de forma mais clara e a participação de todos os candidatos também era mais propícia a um juízo que a população faria. No segundo turno, chegaram dois programas antípodas, o que um falava A, o outro falava Z. Depois, nas campanhas posteriores, há muito pouca diferença, sobretudo no segundo turno.
Fernando Collor e a eleição de 89
Fernando Collor  e Luiz Inácio Lula da Silva durante debate no segundo turno da eleição de 89 Foto: Flávio Canalonga/Estadão

As semelhanças entre a eleição de 1989 e 2018

A semelhança que vejo é na utilização de meios de comunicação como um instrumento de fazer chegar à população a mensagem de cada um dos candidatos. Em 1989, tínhamos um grande instrumento que, embora não fosse inteiramente, sua utilização no processo era nova, a televisão. O fato de eu ter sabido me utilizar desse meio para comunicar ao eleitorado as minhas propostas e os projetos é que se identifica um pouco com a campanha de 2018, só que o meio de comunicação, o instrumento, ao invés de ser a televisão, foi a mídia social. Em 2018, por saber utilizar o potencial da mídia social, o novo presidente foi eleito. Mas gostaria de dizer que há mais diferenças do que eventuais semelhanças entre as duas campanhas e as duas personalidades. 

Os erros na campanha e na relação com o Congresso

Na campanha, os erros são praticados muito em função das paixões que estão desencadeadas. E no calor de uma campanha muitos exageros e excessos são cometidos. Isso é próprio de um processo eleitoral em qualquer país do mundo. Já em relação aos equívocos que eu tenha cometido no governo, acho que o principal foi não ter me preocupado como eu deveria com a construção de uma base parlamentar de apoio ao meu governo e às medidas que eu estava enviando ao Congresso Nacional. Embora tenha tido apoio do Congresso para todas as medidas que encaminhei, não consegui construir essa base de apoio que concedesse a solidariedade do Congresso ao presidente da República em um momento de necessidade. 
Fernando Collor e a eleição de 89
Fernando Collor de Mello recebe a faixa presidencial de José Sarney Foto: Ana Carolina Fernandes/Estadão

Presidencialismo é a nova carroça

Considero o presidencialismo a carroça do sistema político brasileiro, sobretudo esse presidencialismo de coalizão, que faz com que as relações político-institucionais se deturpem com muita facilidade. Ele traz no seu bojo a incerteza e o vírus da ingovernabilidade. A cada seis meses, assistimos uma crise instalada. E a cada crise sofre o País, a administração, as incertezas se agravam, o sistema econômico fica prejudicado. O parlamentarismo, ao contrário, traz no seu bojo a estabilidade. Quando um governo cai, devido à administração profissionalizada, temos o retrato de um país que continua funcionando, independente de não ter o primeiro ministro escolhido pela casa legislativa. É o sistema mais apropriado, moderno e adequado. 

Novo partido de Bolsonaro

Vai trazer mais problema. O presidente da República tinha a seu dispor um partido político com 53 parlamentares, a segunda maior bancada. Foge um pouco à minha lógica como um presidente que tem uma base já estruturada de 53 deputados, base em torno da qual ele poderia iniciar a construção de um bloco majoritário que lhe garantisse o apoio parlamentar necessário para governar, abre mão desse partido para se lançar no inesperado. Pela frente ele tem a criação de um novo partido em um ano de eleições municipais em que vai começar do zero, contando com alguns dissidentes dentro do PSL que manifestaram o desejo de ir para essa nova agremiação. Mas é uma nova agremiação que nasce sem fundo eleitoral, sem fundo partidário, sem ter o que oferecer aos deputados que queiram se integrar. Isso gera instabilidade política, gera insegurança. De acordo com o que o futuro venha a nos mostrar, vai causar a ele uma série de dificuldades ainda maiores na construção de uma base parlamentar que ele ainda não possui. 

Polarização após eleições de 2018

O Brasil saiu muito dividido nas últimas eleições. A polarização foi muito grande e se aprofundou ainda mais depois da eleição porque o presidente talvez ainda não tenha entendido que o papel dele como chefe da nação brasileira é de reconciliar a sociedade, e não agravar a divisão que se estabeleceu a partir da eleição que o elegeu. Depois da eleição, cabe ao vitorioso estender as mãos para que essa reconciliação traga um “animus” dentre os contendores que permita haver um diálogo, uma busca de um certo consenso, para que o governo possa caminhar com mais facilidade, os investidores ficarem mais confiantes em relação ao futuro do País e para que a família brasileira se reconcilie, o que hoje não está existindo. Esse é um ponto que o presidente da República deve se preocupar bastante: a reconciliação da nação brasileira. 

O método de Bolsonaro de governar

É uma hipótese. Mas foge um pouco à lógica do que pode dar certo. Qual seria essa lógica? Falar para um porcentual do eleitorado, entre 15% e 20%, que é o núcleo duro de seu apoio. É muito perigoso porque exclui dessa equação quase 80% da população brasileira que, eventualmente, tenha até algum tipo de simpatia, que ficou demonstrada na eleição dele em 2018, porque os votos foram dados a ele, pelo que ele pregava, falava, defendia, mas uma grande parcela foi de eleitores que não queriam uma volta do PT ao poder. Então esse eleitorado que votou nele em função de não querer o PT é um eleitorado que talvez não esteja entendendo e aceitando muito bem essas mensagens radicais, que ele anuncia a cada vez em que ele se depara com um grupo de pessoas, seja na saída do Alvorada, seja nas efemérides das quais ele participa. Não é uma mensagem de apaziguamento, de pacificação, é uma mensagem sempre no sentido de aumentar as diferenças, de aumentar esse enorme abismo que existe hoje entre aqueles que estão a favor do governo e aqueles que estão contra o governo. Isso não colabora com a governabilidade, não colabora com a pacificação da sociedade brasileira.

Boris e Fidel - JOÃO PEREIRA COUTINHO, FSP



FOLHA DE SP - 17/02

Tradicionalismo combinado a progressismo é ameaça que a esquerda enfrenta

1. Como vencer Donald Trump em 2020? A pergunta inquieta os espíritos progressistas, que vão perdendo a fé no processo de impeachment.

Além disso, olhando para os candidatos à indicação democrata, o cenário é desolador (para dizer o mínimo). Será que a ciência pode ajudar?

Talvez. No New York Times, os cientistas políticos Christopher Ellis e James Stimson partilharam os resultados de uma experiência ideológica.

Basicamente, criaram um candidato fictício —Scott Miller— e depois confrontaram os inquiridos com duas versões desse mesmo candidato.

Na versão mais moderada, o nosso Scott defendia posições economicamente progressistas (aumento do salário mínimo, seguro de saúde mais abrangente para a população etc.) e valores tipicamente “liberais” (justiça social, solidariedade, tolerância etc.).

Na versão mais extremada, Scott Miller era ainda mais progressista em matéria econômica —mas, em termos de valores, defendia posições mais “conservadoras” (patriotismo, família, o sonho americano etc.). Moral da história?

Um candidato democrata que seja progressista em economia e conservador em valores é aquele que tem mais sucesso junto dos eleitores.

Mas onde está esse candidato?

A minha resposta aos autores é simples: do outro lado do Atlântico. No Reino Unido, para sermos precisos, e com uma vitória fresca para mostrar.

O nome é Boris Johnson e, nas análises sobre o bicho, tudo é resumido à questão do brexit: ao batalhar por ele, Boris foi premiado pelos britânicos que já estavam cansados dessa interminável novela.

Existe uma parte de verdade nisso. Mas não é toda a verdade. Olhando para Boris e para o seu programa eleitoral, ele quase encarna as qualidades fundamentais do imaginário Scott Miller.

Sim, os valores conservadores estão lá. Mas Boris também abandonou, pelo menos na retórica, os últimos resquícios neoliberais do partido conservador, prometendo um ponto final nas políticas de austeridade, maior atenção às classes trabalhadoras e ao precarizado e um investimento generoso nos serviços públicos.

Não é de espantar que bastiões tradicionalmente trabalhistas no norte do país tenham comprado o “conservadorismo social” de Boris Johnson, decidindo a eleição a seu favor.

Saber se Boris vai cumprir o que promete, eis a dúvida que fica para o futuro. Mas, no presente, esta combinação de tradicionalismo com progressismo é a maior ameaça eleitoral que a esquerda contemporânea enfrenta.

2. Passei anos procurando o filme “Cuba e o Cameraman”. A literatura crítica era elogiosa e a minha curiosidade crescia com os aplausos.

Felizmente, a Netflix escutou as minhas preces. É um documento soberbo —e documento é a palavra. Durante cinco décadas, o jornalista Jon Alpert foi visitando e filmando a ilha de Fidel, traçando a sua evolução pela vida do povo cubano.

No início, tudo é promessa —e Jon Alpert, ele próprio um idealista da revolução, vê em Cuba tudo aquilo que deseja para o seu estado de Nova York. Educação grátis, saúde para todos, habitação idem. O paraíso na Terra.

É essa identificação ideológica que o leva a conhecer Fidel, a viajar com ele em 1979 para os Estados Unidos quando o ditador discursou na ONU e até a conhecer os seus hábitos mais cotidianos.

Fidel, por quem tenho simpatia nula, revela nas conversas e nos gestos um sentido de humor bastante atípico entre ditadores. Mas depois chega 1989. O Muro de Berlim cai. A União Soviética segue ladeira abaixo. E o paraíso, que nunca verdadeiramente existiu, mostra as suas garras.

As prateleiras dos supermercados enchem-se de pó. As famílias amontoam-se em cubículos imundos. Os hospitais são açougues, com instrumentos médicos medievais e fármacos inexistentes.

Só o mercado negro permite aos cubanos uma vida ligeiramente acima da sobrevivência. Aos cubanos que não conseguem fugir, entenda-se.

Mais: quando o dinheiro soviético desaparece, o estado de natureza se instala. Fome, pilhagem, destruição —a natureza humana como ela é em plena selva.

A tudo isso, os cubanos respondem com um estoicismo que chega a ser cômico —e o filme é, primeiro que tudo, uma homenagem a esse povo admirável.

Se existe algum defeito no documentário, ele só chega no final, quando Jon Alpert consegue uma última conversa com o nonagenário Fidel. Não sabemos do que falam, a câmera fica à porta.

Mas a admiração que Jon Alpert ainda sente pelo “símbolo” da revolução é indisfarçável.

Há doenças que não têm cura.

João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Órgão do Ministério da Justiça é acusado de direcionar licitação para alugar prédio de luxo. OESP


Caso que envolve o Departamento Penitenciário Nacional será investigado pelo TCU

Patrik Camporez, O Estado de S.Paulo
17 de dezembro de 2019 | 11h00
Atualizado 17 de dezembro de 2019 | 15h13
BRASÍLIA - O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), subordinado ao Ministério da Justiça e responsável pelo Sistema Penitenciário Federal, é alvo de denúncia por um suposto direcionamento de licitação realizada para alugar um prédio de luxo, em Brasília. O caso será investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O Depen argumenta, no edital, que precisa de um novo prédio para abrigar os novos servidores que serão contratados nos próximos cinco anos.
Edifício Portinari
A organização Contas Abertas sustenta que o Depen lançou um chamamento público contendo especificações que, na prática, somente um único prédio de luxo de Brasília, o Portinari, teria condições de cumprir Foto: Gabriela Biló / Estadão
denúncia de direcionamento de licitação foi apresentada à corte pela ONG Contas Abertas. Ela foi entregue na última quinta-feira, 12, ao presidente do TCU, José Mucio Monteiro Filho. O relator sorteado para o caso foi o ministro Raimundo Carreiro. A organização Contas Abertas sustenta que o Depen lançou um chamamento público contendo especificações que, na prática, somente um único prédio de luxo de Brasília, o Portinari, localizado no Plano Piloto da capital federal, teria condições de cumprir.
Procurado pela reportagem, o ministério não explicou os trechos do edital que, segundo a Contas Abertas, sinalizam direcionamento de licitação para o Edifício Portinari. A assessoria do MJ informou que o Depen não recebeu nenhuma denúncia formal de órgão de controle ou da ONG Contas Abertas.
Segundo a nota, outros imóveis, além do Edifício Portinari, foram visitados por três das cinco áreas técnicas do Depen. “Tais visitas foram realizadas por servidores de carreira do Depen de, ao menos, três áreas distintas”.
O documento do Contas Abertas lista pelo menos 13 exigências do edital que, segundo a ONG, comprovariam o suposto direcionamento da licitação, tais como: sistema de reaproveitamento de águas pluviais, sistema fotovoltaico, sistemas de reúso de água, elevadores com sistema de antecipação de chamadas, selos de eficiência energética e integração de todos os sistemas de segurança eletrônica.
Edifício Portinari
A reportagem esteve no edifício Portinari e apurou que representantes do Depen e do Ministério da Justiça fizeram visitas recentes “para conhecer” o local Foto: Gabriela Biló / Estadão
Segundo a Contas Abertas, o chamamento foi preparado para atender exclusivamente ao Portinari. “A fixação de requisitos sujeitos à pontuação para fins de classificação de propostas que pré-selecionam um único imóvel para a futura contratação destoa dos princípios da isonomia e impessoalidade, de modo que a roupagem dada ao ‘edital de chamamento público’ mascara o real propósito de selecionar um imóvel já escolhido e pré-definido. O edifício Portinari é o único a conseguir a pontuação máxima possível, donde resulta o claro direcionamento da escolha do imóvel”, diz a denúncia.
O Depen gasta, atualmente, cerca de R$ 200 mil por mês de aluguel. A expectativa do setor imobiliário é de que o novo imóvel custará aos cofres pelo menos o dobro do valor (R$ 400 mil por mês). Na denúncia obtida pelo Estado, consta que “o referido imóvel intitula-se o ‘mais sustentável do Centro-Oeste’ e é o único imóvel disponível em Brasília que consegue atender a totalidade dos requisitos do edital”.
O Depen informa que recebeu 12 propostas no Chamamento Público e que nove endereços foram vistoriados. “No Portinari, 3 das 5 equipes já realizaram visitas e o Depen informa que não houve visita do Ministro (Sérgio Moro) no Edifício Portinari”.  O objetivo dessas visitas, segundo a assessoria do Ministério, é analisar, “com critérios objetivos”, se a proposta atende aos requisitos do edital.
“Após análises sobre segurança, instalações, localização e demais critérios do edital, as áreas técnicas produzirão relatórios contendo informações para subsidiar o resultado final. O imóvel deverá atender às especificações constantes no edital e seus anexos”.
A assessoria disse ainda que o Chamamento Público é “uma mera prospecção de mercado” e tem objetivo de conhecer as opções de mercado disponíveis. “Ao final da prospecção não haverá contratação imediata ou automática. Sendo assim, não há de se falar em um vencedor, mas de propostas analisadas. A contratação, se ocorrer, será realizada em processo específico, em que todas as legislações pertinentes serão seguidas”.
O prazo para que imóveis se candidatem para sediar o Depen foi prorrogado e acaba no dia 13 de janeiro do ano que vem.

Contradições

A reportagem esteve no edifício Portinari e apurou, com funcionários da administração do prédio, que representantes do Depen e do Ministério da Justiça fizeram visitas recentes “para conhecer” o local. A ONG Contas Abertas entende que este é mais um indício de que a mudança do Depen para o Portinari estaria sendo preparada antes mesmo de o edital ser encerrado.
Edifício Portinari
O corretor de imóveis que representa o Portinari negou que qualquer visita tenha sido feita ao prédio Foto: Gabriela Biló / Estadão
Corretor de imóveis que representa o Portinari, Juba Neres negou, no entanto, por telefone, que qualquer visita tenha sido feita ao prédio. “No nosso prédio não foi feita visita nenhuma. Não tem nenhuma chance disso ser verídico. Quem faz as visitas é nossa empresa, e não tem nenhuma chance disso ter acontecido”, afirmou.
Ainda segundo o corretor, mesmo depois que a proposta foi apresentada ao Depen, ninguém do Ministério da Justiça teria aparecido por lá. “Não houve nenhuma visita antes da publicação e nem mesmo durante o processo. Te garanto”, ressaltou.
O MJ desmentiu o corretor e confirmou, assim como apurou a reportagem, que funcionários da Pasta estiveram no edifício Portinari. A assessoria de imprensa argumentou, no entanto, que outros imóveis inscritos no edital foram visitados pela equipe técnica do Depen. “O objetivo da visita é analisar, com critérios objetivos, se a proposta atende aos requisitos do Edital N.º 1/2019”.
Gil Castelo Branco
O fundador da Contas Abertas, Gil Castelo Branco, destaca que nem sequer os edifícios onde estão sediados o Ministério da Justiça, a Presidência de República e demais ministérios atendem às exigências requeridas Foto: Gabriela Biló / Estadão
O ministério não informou se todos os prédios que ofereceram propostas foram visitados, de modo que nenhum fosse privilegiado. Por meio de nota, o ministério informou, ainda, que o chamamento público é “uma mera prospecção de mercado e tem objetivo de conhecer as opções de mercado disponíveis”. Ao final da prospecção, completa a nota, não haverá contratação imediata ou automática. “A contratação, se ocorrer, será realizada em processo específico, em que todas as legislações pertinentes serão seguidas.”
Sobre um possível direcionamento de licitação, o corretor responsável pelo Portinari diz que o prédio é de propriedade de um conjunto de sócios (dentre eles a Delta Engenharia, citada diversas vezes na Operação Lava Jato). Ele negou saber de qualquer irregularidade no processo e justificou que tomou conhecimento do chamamento público por meio de publicação oficial.
“Da minha parte, eu vi o anúncio no Diário Oficial, preparei a proposta para atender aquele anúncio e protocolei lá na hora e no dia que estava previsto no edital. E daí para frente, estou aguardando para ver se a minha proposta tem alguma chance de ser aprovada dentre as outras que eles receberam. Aí é uma avaliação técnica do órgão, de acordo com os critérios técnicos definidos no edital”, diz.
Edifício Portinari
Sobre um possível direcionamento de licitação, o corretor responsável pelo Portinari diz que o prédio é de propriedade de um conjunto de sócios Foto: Gabriela Biló / Estadão
O edital prevê alugar um imóvel com área privativa útil de aproximadamente 5.695 m² na cidade de Brasília. O texto foi lançado no dia 23 de outubro de 2019. O Depen afirma que pretende abrir 175 novos postos de trabalho, passando dos atuais 377 para 552 funcionários (46% de acréscimo).
Referência no País por denunciar situações de má aplicação do dinheiro público, a Contas Abertas chama a atenção para o fato de o edital apontar para a necessidade de um prédio “ultramoderno, com elevado grau de sustentabilidade, extremamente tecnológico e altamente certificado, para abrigar as atividades administrativas”.
A esse respeito, o fundador da Contas Abertas, Gil Castelo Branco, destaca que nem sequer os edifícios onde estão sediados o Ministério da Justiça, a Presidência de República e demais ministérios atendem às exigências requeridas. “Para o órgão que administra presídios em deplorável situação de conservação, as características exigidas no chamamento público são acintosas”, afirma.
A ONG reforça que o aumento do quadro de funcionários, usado como justificativa para o novo aluguel ocorrerá, possivelmente, em até cinco anos. Segundo a Contas Abertas, isso tornará contestável o processo, já que a locação do imóvel vai gerar potencial aumento de despesas a partir do 2020. Além disso, acrescenta a denúncia, a previsão do Depen é de que as futuras contratações sejam focadas em agentes penitenciários, servidores que não atuarão nas sedes administrativas do órgão e, por isso, não justificariam a necessidade de um prédio maior.
Na última sexta-feira, 13, o Ministério da Justiça emitiu um comunicado informando que prorrogaria, por mais 30 dias, o prazo para envio de propostas de empresas interessadas em participar do processo. Isso aconteceu no mesmo dia em que a denúncia da Contas Abertas começou a ser analisada no TCU e um dia após o Estado ir ao prédio Portinari atrás de informações para a reportagem.  A assessoria de imprensa da pasta, no entanto, negou que a prorrogação do edital tivesse qualquer relação com a apuração da reportagem ou com a investigação no TCU.
Correções
17/12/2019 | 12h13
Versão anterior do texto informava que o aluguel poderia passar de R$ 100 mil para R$ 200 mil. O correto é de R$ 200 mil para R$ 400 mil