terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Assembleia de SP enfrenta impasse após suspensão de bônus natalino, FSP


SÃO PAULO
No segundo revés imposto à Assembleia Legislativa de São Paulo em pouco mais de uma semana, a Justiça decidiu suspender nesta segunda-feira (16) o bônus natalino de R$ 3.100 aos servidores da Casa.
O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) já havia expedido, no dia 6 deste mês, decisão que paralisou a tramitação no Legislativo da reforma da Previdência proposta pelo governador João Doria (PSDB).
Como noticiou a coluna Mônica Bergamo, a juíza Gilsa Elena Rios acatou nesta segunda pedido de liminar sobre o abono, em ação pública protocolada pelo advogado Rubens Gatti Nunes, ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre).
O fato de o dinheiro já ter sido repassado aos servidores cria um impasse.
Deputados no plenário da Alesp em 3.dez.19
Deputados no plenário da Assembleia de São Paulo - Carol Jacob - 3.dez.19/Divulgação Alesp
Para o autor da ação, “o correto no caso é a devolução do bônus". "O valor teria que ser descontado na folha dos meses seguintes, sob pena de responsabilização do presidente [Cauê Macris, do PSDB]".
Segundo Nunes, o tucano pode ser responsabilizado pelo valor pago, por meio de questionamento via TCE (Tribunal de Contas do Estado) ou eventual ação civil de improbidade administrativa.
"A origem do pagamento carece de base legal. Esse valor terá que ser ressarcido aos cofres públicos, seja pelos funcionários, seja pelo presidente", afirma o advogado.
A magistrada suspendeu o ato da Assembleia que concedeu a gratificação de fim de ano a cada um dos seus 3.266 funcionários. O gasto total chega a R$ 10 milhões.
O pagamento estava previsto para sexta-feira (13), o que de fato ocorreu, segundo a assessoria de imprensa da Casa. A ação do MBL foi distribuída no TJ-SP nesse mesmo dia.
A Assembleia, presidida pelo tucano aliado de Doria, informou que o valor poderia ser pago porque os recursos disponíveis no Orçamento foram economizados e havia sobra no caixa.
A sequência de decisões judiciais negativas foi vista na cúpula da Casa como excesso de interferência de um Poder em outro. A interpretação é a de que se abriu margem para que qualquer medida do Legislativo seja contestada e derrubada de agora em diante.
O ato nº 44 da mesa diretora, publicado no dia 28 de novembro deste ano, autorizou que o auxílio-alimentação de dezembro fosse acrescido de R$ 3.100. Nos outro meses, o valor é de R$ 631,14.
Na decisão judicial, a magistrada afirmou que a concessão do benefício contrariou o regimento interno da Assembleia, com "indício da violação à legalidade da norma".
Segundo ela, não há informação de que o ato "tenha sido editado após parecer da Comissão de Finanças e votado em plenário, o que evidencia a presença de vício de legalidade".
A juíza disse ainda haver "indício de desvio de finalidade, pois a mesa diretora atribuiu o pagamento excepcional na rubrica auxílio-alimentação, que possui caráter de reembolso, não incidindo sobre o valor o Imposto de Renda e a contribuição previdenciária".
A Casa confirmou em nota que o abono foi depositado para o funcionalismo antes da expedição da liminar e disse que "fica à disposição da Justiça para quaisquer informações que sejam necessárias".
Na semana passada, quando o jornal O Estado de S. Paulo revelou a aprovação do pagamento, a Assembleia afirmou que o abono é pago aos funcionalismo desde 2005, "sempre no mês de dezembro, dentro do vale-alimentação, por ato administrativo da mesa diretora, nos termos da lei".
O benefício poderia ser concedido se houvesse disponibilidade de recursos orçamentários, condição que estava preenchida, segundo o Legislativo.
A expectativa, de acordo com comunicado da Assembleia, é que ao fim do exercício de 2019 sejam economizados R$ 88 milhões, que serão devolvidos aos cofres públicos.
Procurado via assessoria, Cauê não se manifestou sobre possíveis desdobramentos.
Em meio à crise institucional com o Judiciário, o tucano tem evitado se indispor publicamente com a magistratura. Nos bastidores da Casa, a impressão é a de que as intervenções criam desgaste e enfraquecem o papel do Legislativo.
Segundo Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, há jurisprudência no sentido de que não cabe ao servidor que recebe remuneração indevida devolver o valor, se a causa foi erro da administração pública.
Ele diz que os desdobramentos do caso ainda terão que ser analisados, porque há pontos controversos. Afirma, no entanto, concordar com a decisão judicial que considerou o pagamento indevido.
"A medida da mesa diretora é claramente abusiva, na medida em que não considera avaliação de desempenho, cumprimento de metas ou alguma medida do tipo que justifique qualquer tipo de bonificação adicional", diz o representante da organização.
"Essa medida é pouco transparente, já que os critérios para determinar os valores não foram estabelecidos de antemão, nem passaram por discussão com os deputados estaduais, que são os representantes da população do estado."
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) afirmou na sexta-feira (13) que abriria um procedimento sobre o caso. Segundo o órgão, o ato da mesa diretora da Assembleia estava "sob análise jurídica".
A instituição não informou se houve andamento na apuração. Na decisão desta segunda, a Justiça determinou que o MP-SP seja intimado e entre no caso.
No caso da reforma da Previdência, a suspensão da tramitação do projeto foi decidida inicialmente pelo TJ-SP e confirmada seis dias depois pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
A ação foi impetrada pelo deputado estadual Emidio de Souza (PT-SP), que é crítico à reforma e faz oposição a Doria.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, rejeitou na quinta-feira (12) um pedido de liminar protocolado pelo Legislativo, que contestava a decisão estadual.
Toffoli intimou o tribunal paulista e Emidio a prestarem informações em um prazo de cinco dias. Até esta segunda (16), o caso continuava indefinido.
A análise do texto pelos deputados foi invalidada pelo desembargador do TJ-SP Alex Zilenovski sob o argumento de que a designação do relator do projeto descumpriu ritos internos.
Cauê disse em nota ter recebido a decisão "com perplexidade" e afirmou que o desembargador havia decidido "a respeito de um tema exclusivo de competência do Poder Legislativo, previsto em regimento interno".
A Casa apresentou recurso no âmbito estadual, mas Zilenovski manteve a liminar por mais 15 dias. Contrariada, a Assembleia recorreu então ao presidente do STF.
Com o imbróglio, a aprovação da Previdência ainda neste ano, como pretendia Doria, ficou ameaçada.
Como mostrou o Painel, líderes da oposição e até membros da base do governo já admitem que a votação das mudanças no sistema estadual de aposentadorias deve ficar para 2020.
O novo calendário criaria dificuldades extras para o tucano: favoreceria a organização de protestos das entidades de classe e poderia ser prejudicado pela proximidade das eleições municipais.

Mais de 1.200 entidades religiosas devem R$ 460 milhões à União, FSP

Desse total, 23 igrejas devem mais de R$ 1 milhão cada uma; maior devedora é a Internacional da Graça de Deus, com R$ 127 milhões

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Bruno Fonseca, da Agência Pública
SÃO PAULO
Quase meio bilhão de reais —essa é a quantia que entidades religiosas devem à Receita Federal. O levantamento, realizado pela Agência Pública por meio da Lei de Acesso à Informação, revela que 1.283 organizações religiosas devem R$ 460 milhões ao governo. Desse total, 23 igrejas possuem dívidas de mais de R$ 1 milhão cada uma.
 
A maior devedora é a neopentecostal Internacional da Graça de Deus. A igreja deve, sozinha, mais de R$ 127 milhões, segundo valores apurados pela Receita em agosto deste ano.
O valor representa mais de um quarto de todas as dívidas de entidades religiosas com a União. E a dívida da igreja vem aumentando: era de R$ 85,3 milhões em 2018, segundo reportagem da Folha.
O pastor R. R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, participa de culto no Anhangabaú, centro de São Paulo
O pastor R. R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, participa de culto no Anhangabaú, centro de São Paulo - Rivaldo Gomes - 30.mar.13Folhapress
O fundador da Internacional, o missionário Romildo Ribeiro Soares, reuniu-se com o presidente Jair Bolsonaro ao menos duas vezes neste ano: em agosto e em novembro.
No primeiro dos encontros, estavam presentes o então secretário da Receita, Marcos Cintra, e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na data, o presidente defendeu simplificar a prestação de contas de entidades religiosas e disse querer "fazer justiça para os pastores". Nos dois encontros, Bolsonaro recebeu também o filho de R. R. Soares, o deputado David Soares (DEM-SP).
 
A maior parte da dívida da Internacional é previdenciária, isto é, de valores não pagos sobre a folha de pagamento dos seus funcionários. E, segundo decisões recentes da Justiça, os próprios pastores podem ser incluídos nesse grupo de funcionários sobre os quais a igreja deve impostos.
 
A segunda entidade religiosa que mais deve à Receita também é evangélica e neopentecostal: a Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada pelo apóstolo Valdemiro Santiago —outro ex-pastor da Igreja Universal, assim como Soares.
A Mundial deve mais de R$ 83 milhões à Receita. Desse total, R$ 5,7 milhões são apenas de contribuições não pagas de FGTS pela organização.
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A terceira maior devedora é a católica Sociedade Vicente Pallotti, com sede em Santa Maria (RS). A entidade deve mais de R$ 61 milhões à União, sendo R$ 59 milhões de contribuições previdenciárias.
A reportagem procurou todas as entidades mencionadas, que não responderam até a publicação deste texto.
Igrejas e organizações evangélicas são a maioria entre as entidades religiosas que devem à Receita —elas representam mais de 87% do total. Em seguida, vêm grupos católicos, com cerca de 6%.
A dívida das entidades evangélicas também é maior: juntas, elas devem mais de R$ 368 milhões, cerca de 80% do total em dívidas. As católicas reúnem cerca de 18% do valor devido.
 
Assim como ocorre com a Internacional da Graça de Deus, a maior parte das dívidas das entidades religiosas com a Receita é previdenciária: mais de 82% do que devem as organizações se refere a valores não pagos em relação aos seus funcionários, como a contribuição ao INSS.
Isso coloca as igrejas em um padrão diferente das dívidas de empresas não religiosas, nas quais a maior parte é de débitos não previdenciários, como o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Apesar das dívidas, a arrecadação das instituições religiosas vem crescendo ano após ano. Segundo dados obtidos pela Pública, também por meio da Lei de Acesso à Informação, a arrecadação dessas entidades bateu R$ 674 milhões em 2018.
Em dez anos, a quantidade de dinheiro que as igrejas arrecadaram cresceu cerca de 40%, já corrigida a inflação no período.
 
A principal fonte de renda das entidades religiosas no país tem sido a doação de particulares e transferências governamentais, como, por exemplo, contratos para comunidades terapêuticas e obras de assistência social.
Segundo o jornal O Globo, em 2019 o governo federal destinou R$ 153,7 milhões a centros terapêuticos religiosos.
De acordo com dados da Receita, de 2006 a 2016 mais da metade do que as igrejas arrecadaram veio dessas duas fontes —a Receita não especificou quanto provém de cada origem.
Além das doações e contratos com o governo, as entidades religiosas têm ganhado dinheiro com a venda de bens e serviços e aplicações financeiras.
Este texto publicado pela Folha é uma versão editada com exclusividade pela Agência Pública para o jornal. A reportagem também será publicada em apublica.org.