terça-feira, 17 de dezembro de 2019

OPINIÃO Expressa a opinião do autor do texto REINALDO AZEVEDO Há 30 anos, estamos presos aos embates do segundo turno de 1989, FSP

Direita reacionária que muitos julgavam enterrada com o impeachment de Collor volta ao poder pelas mãos da Lava Jato e de Moro

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Parece que foi ontem, mas faz 30 anos nesta terça-feira (17). Tantos foram os eventos posteriores que poderiam ser 300. E, no entanto, de algum modo, estamos presos àqueles mesmos embates, reféns de atrasos opostos, porém combinados, que se esforçam para nos condenar à rabeira do mundo.
Vejam o desastre protagonizado por Ricardo Salles na COP 25 se querem uma dimensão da estupidez passadista no presente.
 
No dia 17 de dezembro de 1989, Lula teve a sorte de ser derrotado por Collor na primeira eleição direta para a Presidência depois do golpe de 1964. No segundo turno, 53,03% a 46,97% dos votos válidos: seis pontos percentuais de diferença —em certo sentido, três.
 
Sorte da derrota? Em 10 de agosto de 2010, o petista foi inequívoco: “Hoje eu agradeço a Deus por não ter ganho em 1989, porque eu era muito novo, muito mais radical do que eu era em 2002 e, portanto, eu poderia ter feito bobagem. Não bobagem porque eu quisesse fazer, mas pela impetuosidade, pela pressa de fazer as coisas”.
A Globo manipulou a edição do segundo debate. Mário Amato havia ameaçado o país com a diáspora de 800 mil empresários. Collor apelou à abjeção ao levar à propaganda eleitoral uma ex-namorada de Lula. É aborrecidamente óbvio, mas tenho de dizer: a vontade do eleitorado está sempre sujeita às vicissitudes da realidade, onde campeia também a mentira. É preciso enfrentá-la. E punir o que for crime.
 
A dita “herança maldita” que a gestão Lula colou a FHC para demonizar a única força que julgava potencialmente capaz de vencer o petismo não foi uma tentativa de manipulação mais honesta do que todas aquelas de que o PT foi alvo. O partido cometeu o erro de achar que o tucanismo era uma espécie de limite possível do que chamava “direita”.
E houve naquele dezembro de 1989 o evento que entra como um emblema do passado que não quer passar. No dia 11 de dezembro, uma turma ligada ao MIR, grupo de extrema esquerda chileno, sequestrou o empresário Abílio Diniz. A polícia chegou aos criminosos e libertou o refém no dia 16, véspera da eleição.
 
No domingo, 17, com os eleitores caminhando para as urnas, lá estava a manchete de página do Estadão: “Fleury diz ter encontrado material do PT”. E, de fato, havia peças de propaganda de rua do partido com a turma. Um dos criminosos tinha uma agenda com os respectivos telefones de Eduardo Suplicy e Eduardo Greenhalgh. Alguma evidência de vínculo entre os sequestradores e o PT? Nenhuma! A imprensa cumpriu o seu papel: noticiou.
 
Pouco mais de três pontos percentuais do total dos votos válidos que estariam reservados a Lula mudaram rigorosamente de lado e disseram um “Ah, então vou de Collor”? Não se conta a história que não houve ou que não pode ser contada porque teria de escarafunchar milhões de subjetividades, mas é pouco provável.
O Lula “radical”, como se definiu, de 1989 nunca venceu. O PT que governou por 13 anos chegou a formar a aliança mais ampla pós-redemocratização a um custo —vai aqui matéria para polêmica— que pode ter rendido cadeia ao mais importante líder popular da história do país.
 
Trinta anos depois, a direita reacionária, liberticida e intolerante que muitos julgavam ter sido enterrada com o impeachment de Collor volta ao poder pelas mãos da Lava Jato e de Sergio Moro, que, não obstante, não teriam prosperado sem a fabulosa corrupção que lhes permitiu corroer instituições e destruir empresas sob o pretexto de moralizar o país.
Alguns liberais, mais uma vez, pegam carona na saga dos dinossauros na esperança de emplacar o que entendem ser a modernidade. Em 1989, o apresentador de televisão contra os extremos era Silvio Santos. Não chegou a disputar.
 
Volto ao Lula de 2010, que caminhava para a consagração ao fim de seu segundo mandato e estava prestes a fazer sua sucessora. A autocrítica no triunfo é filha da euforia; na derrota, é mãe da melancolia e, eventualmente, do ressentimento. Na vitória, as gerações mortas instruem o cérebro dos vivos, como fez com o do petista há nove anos; na derrota, podem oprimi-lo como um pesadelo.
 
Aí é preciso acordar.

'Sola de sapato' e estratégia nas redes são chaves para campanha eleitoral barata, FSP

Para especialistas, aumento do fundo eleitoral desincentiva políticos a enxugar gastos e arrecadar com apoiadores

SÃO PAULO
Em meio à discussão no Congresso sobre o uso de recursos públicos no financiamento eleitoral, estratégias como formação de base de voluntários, utilização inteligente das redes sociais e mobilização nas ruas podem ser a chave para campanhas mais enxutas e eficientes, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Nesta semana, o Legislativo deve definir o valor a ser repassado para o fundo público que financiará campanhas em 2020. O projeto inicial dos deputados era destinar R$ 3,8 bilhões para o fundão, mas, após pressão, a quantia deve ser reduzida para R$ 2 bilhões.
Em 2018, último ano eleitoral, foram distribuídos cerca de R$ 1,7 bilhão.
Plenário da Câmara dos Deputados - Luis Macedo / Câmara dos Deputados
De acordo com quatro especialistas ouvidos pela reportagem, o aumento do fundo pode desincentivar os candidatos a procurarem soluções para baratear as campanhas e a arrecadar doações de pessoas físicas junto a sua base eleitoral, o que reforça a participação popular na esfera política.
Campanhas mais baratas e com gastos racionais, dizem, são importantes para reduzir o efeito do poder aquisitivo no resultado final da eleição e melhoram o processo de representação na democracia. 
Congressistas que apoiam o aumento do fundão argumentam que as eleições municipais têm mais candidatos que as gerais e demandam mais recursos. Nos pleitos municipais, contudo, os gastos tendem a ser menores, já que as campanhas são locais e não há custos com viagens pelo estado ou pelo país.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal proibiu as doações de empresas, o que já passou a valer nas eleições municipais de 2016.
Naquele ano, os candidatos tiveram três formas de financiamento: podiam usar parte das verbas do fundo partidário, financiar a própria campanha ou recolher doações entre pessoas físicas. O fundo eleitoral só surgiu nas eleições de 2018.
Em 2016, entre recursos públicos e privados, foram arrecadados R$ 3,8 bilhões, em valores atualizados. A quantia é a mesma que, hoje, congressistas querem destinar ao fundo eleitoral.
A expansão exacerbada do fundo, diz Téo Benjamin, sócio-fundador da Bando, empresa de consultoria em financiamento coletivo, desequilibra a disputa e desincentiva os candidatos a arrecadarem em suas bases.
Ele foi consultor da campanha de Marcelo Freixo (PSOL) à Prefeitura do Rio em 2016, que bateu o recorde de doações naquele ano, com quase R$ 1,5 milhão arrecadados na internet. 
Benjamin defende o financiamento coletivo como uma forma de participação política e diz que é preciso equilibrar os valores do fundo público para que mais políticos busquem captar recursos em sua base de apoio.
“É legal estimular que as pessoas físicas comecem a apoiar as campanhas que elas acreditam. Em 2016, todos os candidatos arrecadaram em torno de R$ 3 milhões [com campanhas na internet]. Em 2018, R$ 30 milhões. Aumentou, só que existiu um fundo eleitoral de R$ 2 bilhões. No contexto geral das eleições, o financiamento coletivo não faz diferença”, diz.
Para o cientista político Felipe Nunes, que pesquisa comunicação política e estratégias eleitorais e é professor do RenovaBR —curso privado que capacita potenciais candidatos de diferentes partidos— e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), uma das maneiras de ser eficaz e econômico é começar o trabalho cedo e mobilizar voluntários.
Ele afirma que as redes sociais podem ser um ponto de partida, mas que é preciso um uso inteligente, entendendo que cada uma tem seu perfil e diferentes formas de atrair seguidores.
Outra frente crucial, segundo Nunes, é o bom e velho corpo a corpo, principalmente nos pleitos municipais, como o de 2020.
"Mesmo com a capilaridade das redes e a facilidade que o mecanismo digital deu às campanhas, construir uma comunidade de seguidores é fundamental. Isso só é feito no dia a dia, com o encontro, o abraço, o convencimento."
Por essa lógica, saem de cena os cabos eleitorais pagos, que pediam voto por obrigação, e entram os eleitores reais, que, por convicção, têm mais chances de conquistar outros apoios.
Citando o exemplo do hoje presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o especialista diz que tende a sair na frente quem apostar em uma campanha contínua, estruturada com antecedência. "Em 2018, quem fez campanha o tempo inteiro e mobilizou eleitores organicamente se deu bem." 
A dica dele para quem vai concorrer em 2020 é começar já e gastar sola de sapato. Assim, quando a hora chegar, o gasto com propaganda tende a ser menor. 
A receita adotada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) para sair vitorioso em sua primeira campanha eleitoral, em 2018, incluiu parte da fórmula sugerida por Nunes.
Alessandro, que foi participante do RenovaBR, foi eleito senador com uma receita de R$ 102,5 mil, considerada baixa para eleições majoritárias, mesmo em um estado pequeno, com 1,5 milhão de eleitores. 
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) - Jane de Araújo/Agência Senado
Para efeito de comparação, o gasto médio de um deputado eleito em 2018 foi R$ 1,1 milhão.
Delegado da Polícia Civil, Alessandro diz que fez um trabalho baseado em divulgação de conteúdo via redes sociais, sobretudo WhatsApp, campanha de rua e aparições na mídia tradicional. 
Para isso, foi fundamental a rede de apoiadores que criou em torno de si —que incluía desde frentista de posto até líder de manifestações contra a corrupção. No auge, ele contabilizou 2.000 voluntários, que enxergava como "sócios da campanha".
A ação nas redes era amplificada, diz ele, pelos atos de rua. "Nada substitui falar com as pessoas. E o rádio ainda tem muita penetração. Dei o máximo de entrevistas que consegui."
Um dos maiores gastos com campanhas atualmente, segundo o cientista político Hilton Cesario Fernandes, é com a produção de vídeos: locação de cenário, equipamentos e equipe qualificada para edição.
O setor, porém, é justamente um dos que mais passou por transformações na esteira das mudanças tecnológicas.
Hoje, explica o especialista em pesquisas de opinião, o público não se incomoda tanto com vídeos caseiros, lives com cenários simples ou vídeos feitos pelo próprio político, que faz as vezes de cinegrafista com o celular.
“Um vídeo simples feito pelo celular é palpável para o eleitor hoje, porque ele está acostumado a assistir diversas personalidades que gravam vídeos na internet com uma qualidade mais simples. Não adianta querer usar a linguagem da televisão em outro meio”, afirma.