terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Bolsonaro apequena a Presidência, FSP

Defeito primordial do mandatário é a falta de comprometimento com a democracia

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Discordo da avaliação do secretário de Comunicação Social da Presidência, Fábio Wajngarten, expressa em artigo publicado na segunda (2). O editorial da Folha “Fantasia de imperador” não desrespeitou a figura institucional do presidente da República; é Jair Bolsonaro quem apequena o posto.
Seu defeito primordial é a falta de comprometimento com a democracia, que fez questão de expressar antes, durante e depois da campanha que o sagrou presidente. É meio assustador que os brasileiros tenham escolhido para liderá-los um sujeito que defendeu a tortura e o fuzilamento de adversários, mas esse é um efeito adverso possível da soberania popular. Temos de viver com isso.
O presidente Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira/Folhapress
 
Ao defeito primordial somam-se vários outros. Bolsonaro parece incapaz de distinguir entre o público e o privado, comportando-se como se a Presidência fosse uma extensão de sua casa e não um Poder da República, limitado por outros Poderes, por princípios constitucionais e por leis. Embora não chegue a ser surpreendente, é chocante a forma como ele instrumentaliza o cargo para desferir ataques a desafetos políticos e à imprensa. 
Bolsonaro não passa nem no teste da urbanidade mínima. Presidentes já fizeram e disseram coisas grosseiras ao longo de nossa história republicana, mas nenhum havia divulgado imagens escatológicas nem insultado pública e gratuitamente outros chefes de Estado e até uma primeira-dama.
Mais grave, Jair Bolsonaro não demonstra nenhum apego à verdade factual. Ele não hesita em difundir mentiras, desde que sirvam a suas confabulações ideológicas, como vimos em quase tudo o que disse sobre a Amazônia.
Respeito se conquista. Bolsonaro não o conquistou. Ao contrário, a forma como se comporta na condição de primeiro mandatário do país resulta, ao menos para mim, numa certa vergonha de ser brasileiro. O consolo é que ele, a exemplo de outros que o antecederam, passará.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Um ano perdido para o emprego, OESP

Com 12,4 milhões de desocupados, o equivalente a 11,6% da força de trabalho, as condições de emprego no trimestre móvel encerrado em outubro foram muito parecidas com as de um ano antes, quando o deputado Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. O quadro piorou depois da posse, embora empresários tenham proclamado otimismo em relação ao novo governo. O primeiro ano de mandato foi marcado por baixa atividade, severa escassez de vagas e aumento da informalidade e da ocupação precária. Os desempregados chegaram a 13,2 milhões no período de fevereiro a abril, e a partir daí o número declinou lentamente. No trimestre da eleição, em 2018, 12,3 milhões de trabalhadores caçavam qualquer oportunidade. A taxa de desemprego passou de 11,7% para 11,6% em um ano, uma variação estatística insignificante, enquanto aumentou o número absoluto dos trabalhadores e famílias em situação ruim. São dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Não se tratou, obviamente, de um triste caso de mera fatalidade. Durante mais de um semestre o governo do presidente Jair Bolsonaro nada fez para atenuar com alguma rapidez os piores problemas de muitos milhões de trabalhadores.
A grande realização nesse período foi o encaminhamento da reforma da Previdência, iniciativa essencial para o futuro do País, mas insuficiente para dar impulso imediato aos negócios e à contratação de pessoal. Mesmo os dados positivos acumulados no ano ficam bem menos bonitos quando examinados com cuidado. O escasso aumento da ocupação resultou principalmente de contratações informais - sem registro em carteira - e da expansão da atividade por conta própria, em grande parte por meio de trabalhos precários e de baixo rendimento.
No setor privado, os 11,9 milhões de empregados sem carteira assinada constituíram um recorde. Número recorde foi também o dos trabalhadores por conta própria, 24,4 milhões. Já no trimestre encerrado em setembro dados sobre essas categorias haviam chamado a atenção. No caso da ocupação por conta própria, a interpretação mais otimista envolve a repetição de uma pergunta já formulada mais de uma vez: há um surto de empreendedorismo no Brasil?
A resposta mais prudente apontaria um fenômeno muito distinto e bem prosaico: muita gente, cansada de esperar a melhora no mercado, resolveu fazer qualquer coisa para sobreviver e manter os dependentes.
Parte dessas pessoas provavelmente abandonará o negócio próprio se aparecer uma chance de contratação. Outra parcela se disporá a manter a nova ocupação, talvez mais compensadora do que a já experimentada relação de emprego. Esse grupo, sim, poderá descobrir-se, talvez de forma surpreendente, com uma vocação empreendedora. Por enquanto, é arriscado dizer como ficará o quadro das atividades quando a oferta de vagas se tornar menos precária.
Mas o desemprego, a contratação informal e o recorde da ocupação por conta própria mostram só uma parte de um quadro ainda muito sombrio. Somando-se 12,4 milhões de desocupados, 7 milhões de subocupados com insuficiência de horas de trabalho e 4,6 milhões de desalentados, chega-se a um total de 24 milhões de pessoas em condições muito ruins - por falta de ocupação ou de ânimo para continuar procurando emprego. No trimestre móvel terminado em setembro, esse conjunto era formado por 24,2 milhões de trabalhadores.
Os técnicos do IBGE propõem outra conta, adicionando aos desocupados, subocupados e desalentados um contingente de força de trabalho potencial. Esse contingente inclui pessoas fora do mercado, mas em condições de trabalhar, se o quadro se tornar mais favorável. Essa conta leva a um total de 27,1 milhões de pessoas subutilizadas. O número é 3,5% menor que o do trimestre móvel de maio a julho, mas igual ao de um ano antes. Também nesse caso houve um retorno às condições observadas na época da eleição.
Como naquele tempo, há alguma expectativa, agora, de alguma dinamização dos negócios e do emprego. Falta ver se o governo se tornou mais preocupado com crescimento e emprego, prioridades de quem precisa garantir a sobrevivência da família. Uma resposta positiva terá de envolver algo mais que a expansão econômica de 2% prevista para 2020.

Presidente da Biblioteca Nacional associa Caetano Veloso ao analfabetismo, FSP

SÃO PAULO
Não é simples descobrir o que Rafael Nogueira pensa sobre o universo do livro e da literatura.
Escolhido nesta segunda-feira (2) pelo governo de Jair Bolsonaro como novo presidente da Biblioteca Nacional, Nogueira fala em seus vídeos no YouTube e em suas redes sociais sobre José Bonifácio, a saída do presidente do PSL, supostas fraudes nas urnas eletrônicas e passa adiante as palavras de Olavo de Carvalho, de quem o autointitulado "aspirante a filósofo" se diz aluno.
À frente agora de uma das principais instituições culturais do país, com acervo de livros que remonta à chegada da família real ao Brasil, em 1808, ele traz raras reflexões sobre livros e literatura em suas redes. Ao buscar esses termos em seu perfil no Twitter, que conta com 40 mil seguidores, os resultados são poucos.
Um deles é uma mensagem de 2011: "Cadê nossa literatura? Quem é o herdeiro atual de Machado de Assis? Cadê a nossa filosofia? Espero que o legado de Olavo de Carvalho resolva..."
Outro é de 2010: " A justificação dos crimes alheios pela pobreza, constante em nossa literatura e cinema, é uma mentira insultuosa aos pobres honrados."
No ano passado, ele se queixou de perder livros em sua biblioteca: "Não aguento mais perder livros na minha biblioteca. O problema de ter muitos é que, se não estiverem muito bem organizados, quando você quer um livro e não o acha, pensa até em comprar outro para não ter que persegui-lo por todos os cantos, estantes e móveis."
Procurado para comentar o seu projeto à frente da Biblioteca, Nogueira preferiu não dar entrevista e disse que só falaria com a reportagem depois de tomar posse. 
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Se é pouco conhecido do mercado editorial, o novo presidente da instituição mostra em suas redes sociais ser mais próximo do universo da música. 
Em 2017, Nogueira associou Caetano Veloso, Legião Urbana e Gabriel O Pensador ao analfabetismo. "Livros didáticos estão cheios de músicas de Caetano Veloso, Gabriel O Pensador, Legião Urbana. Depois não sabem por que está todo mundo analfabeto", escreveu
Já neste ano, ele lamentou a morte do músico André Matos. Vocalista de bandas como Angra e Shaman, Matos morreu aos 47 anos após uma parada cardíaca.
Nogueira conta que começou a fazer aulas de canto após escutar o músico, tratado como seu vocalista favorito. Ele também se disse fã de Angra e de Shaman —no Twitter, o novo presidente da Biblioteca Nacional diz que o melhor show de sua vida foi a gravação do DVD desta última banda.
Além da música, ele também se mostra atento ao audiovisual. Nogueira é próximo da produtora Brasil Paralelo, que se firmou como referência na difusão de ideias de direita no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.
No seu canal no YouTube, ele incentiva seus seguidores a apoiarem o financiamento coletivo do filme "A Última Cruzada". A obra, prevista para o ano que vem, promete mostrar eventos que teriam sido negligenciados pela historiografia de esquerda.
Além disso, em outro de seus vídeos, ele passa nove minutos atacando um crítico da produtora, a quem define como "um careca que parece uma barriga de chope depilada falando".
Nogueira assume a Biblioteca Nacional no lugar no lugar de Helena Severo, que colocou o cargo à disposição na sexta-feira (29), em uma carta enviada ao secretário de Cultura, Roberto Alvim. "Essa é uma instituição bicentenária com mais de 400 servidores. Qualquer governo tem o direito de trocar cargos de confiança a qualquer momento. Mas não concordo com a forma como isso tem se dado", disse ela à Folha.
Graduado em filosofia e em direito e com mestrado em educação em faculdades de Santos (SP), Nogueira também é professor e já deu aulas particulares de humanidades e de redação para o Enem.
Ele também está à frente do Ciclo de Estudos Clássicos, projeto pelo qual dá palestras em diferentes cidades sobre temas como Independência e Primeiro Reinado, fundação dos Estados Unidos e livros de Olavo de Carvalho.
Seguidor de Carvalho, Nogueira esteva nos últimos dias em Portugal por causa do Colóquio Olavo de Carvalho. Já cotado para assumir a Biblioteca Nacional, ele visitou durante a viagem a Biblioteca Nacional portuguesa, em Lisboa.
Além de Nogueira, o governo Bolsonaro nomeou também nesta segunda (2) o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), seguindo uma reforma volumosa no quadro da Secretaria Especial da Cultura e órgãos subordinados à subpasta do Ministério do Turismo, hoje sob comando do dramaturgo e diretor Roberto Alvim.