quarta-feira, 8 de maio de 2019

Os 7 Conselhos de Fernando Pessoa



1 - Não tenha opiniões firmes nem creia demasiadamente no valor de tuas opiniões;
2 - Sê tolerante porque não tens certeza de nada;
 
3 - Não julgues ninguém, porque não vês os motivos e sim os atos;
 
4 - Espera o melhor e prepara-te para o pior;
 
5 - Não mates nem estragues porque não sabes o que é a vida, exceto que é um mistério;
 
6 - Não queiras reformar nada, porque não sabes a que leis as coisas obedecem;
 
7 - Faz por agir como os outros e pensar diferentemente deles.



terça-feira, 7 de maio de 2019

Não adianta prender, tem que matar, FSP Mariliz Pereira Jorge

Mariliz Pereira Jorge
“Não adianta prender, tem que matar”
Ouvi essa declaração do policial militar que revistava o carro em que eu estava com dois colegas de trabalho, sexta (3).
Nossa viagem foi interrompida, por volta das 17h, quando passávamos por uma blitz na altura de São Conrado, a caminho da zona sul do Rio. 
Assim que o carro foi parado, o motorista mostrou o documento, que estava em ordem. O policial mandou que saltássemos. Começou a revistar o meu colega, olhou dentro do carro, deu a volta em direção ao banco do passageiro, abriu o porta-luvas e pediu para que abrissem a mochila que estava no chão.
Outra colega, dona da mochila, ficou surpresa e perguntou se ele poderia fazer aquilo. É uma pergunta razoável, as pessoas deveriam ter direito de saber por que são revistadas. Sem resposta.
Sim, ele pode parar carros, revistar pessoas. E a gente sabe que isso é corriqueiro na periferia da cidade, onde o pobre é sempre bandido até que prove o contrário, se não for morto antes.
Mas não estava claro o porquê daquela ação. Em sete anos morando na cidade, já passei por Lei Seca, fiscalização de documentos, mas não por revista, ainda mais em plena luz do dia. Perguntei qual era o problema. Algum assalto nas redondezas? Crime com morte? Havia uma busca por bandidos?
O policial, incomodado com as perguntas, parou de mexer na bolsa da minha colega e disse que estavam atrás de armas e drogas.
Perguntei se eles não deveriam parar todos os carros, então, se havia alguma razão para acreditar que gente armada estivesse passando por aquele trecho, naquela hora. Sem resposta. Perguntei como eles escolhiam os carros que seriam parados. Sem resposta.
Minha colega disse que entendia que bandido armado tem que ser preso. E foi nessa hora que eu vi, na prática, o efeito de tudo o que temos ouvido em discursos oficiais, como os do governador do Rio, Wilson Rambo Witzel, que acha que bandido tem que ser abatido.
“Não adianta prender, tem que matar.”
Foi essa a resposta do policial. E, por mais que a gente saiba que as pessoas pensam dessa forma, foi um choque. Não consegui dizer mais nada antes de entrar no carro para ir embora, enquanto ele usou o nome de Deus três vezes para se despedir.
Isso parece bobagem perto do que temos visto nas favelas da cidade, em que a polícia chega, atira e mata, e coloca em risco gente inocente, como aconteceu no Complexo da Maré. Mas é sinal claro de que a corporação entendeu como carta-branca os absurdos ditos pelas autoridades. E que a repressão foi liberada em todos os níveis. Parece que alcançamos algum tipo de igualdade no país. Agora todo mundo toma dura sem motivo.
Crianças fogem de tiroteio no Complexo da Maré, na zona norte do Rio
Crianças fogem de tiroteio no Complexo da Maré, na zona norte do Rio - Reprodução/Maré Vive
A blitz na qual fui parada, se tivesse, de fato, a intenção de caçar bandido, tinha tudo para ser uma ação comprometida. O aparato policial parecia insuficiente. A forma com que o policial se aproximou do carro, a investida contra os ocupantes, tudo o deixava numa posição vulnerável, se alguém ali estivesse armado e com más intenções.
Vamos falar a real? O que ele queria era apenas caçar maconheiro. Era dar dura em playboy com cigarrinho do demônio, levar em cana gente que fuma beck ou levar algum em troca da impunidade. E sair matando, porque governantes irresponsáveis deram licença para isso.
O resultado do liberou geral está aí; de janeiro a março, o número de mortos pela polícia já é 18% maior do que no mesmo período de 2018, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). O que não implica uma cidade efetivamente mais segura.
A truculência policial, chancelada pelas autoridades, vai produzir cada vez mais episódios em que morre bandido e, claro, inocente que tiver o azar de estar pelo caminho. E, para completar, vamos resolver o problema do crime organizado no Rio prendendo a moçada que fuma maconha na praia ou em frente à universidade. Agora vai.
Mariliz Pereira Jorge
Jornalista e roteirista de TV.

Racha entre pai e filhas ameaça restaurante mais antigo do Brasil, FSP

Bruno Albertim
RECIFE
Gilberto Freyre jamais deixou um visitante ilustre deixar o Recife sem provar a cartola do Leite. Nomes como Jean-Paul Sartre, Simone de BeauvoirOrson WellesJuscelino Kubitschek e Jânio Quadros provaram da icônica sobremesa pernambucana —surgida no contexto patriarcal dos antigos engenhos, um dueto de banana e queijo do tipo manteiga fritos sob uma superfície espessa de açúcar e canela.

Nos feriados da Páscoa e Carnaval deste ano, no entanto, turistas e moradores do Recife não puderam fincar o garfo de prata na cartola normalmente respaldada por um cálice de vinho do Porto. Os administradores se esqueceram de comprar banana.

O episódio foi um dos indícios recentes da crise por que passa o mais antigo restaurante em funcionamento no Brasil, com 137 anos de atividade contínua.
Aos 88 anos, o proprietário Armênio Dias publicou uma nota paga nos jornais do Recife expondo a situação, no final da última semana de abril. “Não venho concordando com a condução do negócio. Para mim, que estive à frente do Leite ao longo desses últimos 60 anos, isso não é só inadmissível, mas uma mácula à dedicação e amor que tenho pelo restaurante Leite”, afirmou o português naturalizado brasileiro.

Há cerca de dez anos, para resolver impasses administrativos de outra ordem, o proprietário criou uma nova empresa para gerir o restaurante no nome de duas de suas filhas. A “propriedade moral”, segundo o acordo familiar, continuaria com o pai.

Há três anos, descontente com a condução da casa, ele teria requisitado formalmente a devolução do restaurante. As filhas Daniela Ferreira da Fonte e Silvana de Souza Ferreira se recusaram. “Não se trata apenas de um restaurante, mas de um patrimônio do Brasil.” Armênio Dias briga na Justiça do Recife para ter o restaurante de volta.

Reduto da elite pernambucana de origem açucareira, de políticos e artistas, o Leite foi aberto antes da Proclamação da República. Os salões de cortinas grossas protegidos da luminosidade indolente do centro do Recife presenciaram fatos históricos. Por pouco, não foi palco do assassinato de João Pessoa.
Com aliados políticos, o governador da Paraíba almoçou na casa antes de sua morte, em 26 de julho de 1930. Pessoa seria atacado depois, numa confeitaria a poucas ruas dali. O episódio precipitaria o Estado Novo.

No Leite, surgiu uma das receitas disseminadas pelos restaurantes de elite do Brasil. Em homenagem a Assis Chateaubriand, presença frequente, surgiu o filé à Chateaubriand —mignon sob molho madeira, cebola, ervilha e champignon com arroz à grega e batata palha.

As receitas luso-pernambucanas são as mesmas dos tempos áureos. Os guardanapos, franceses; os palitos de dente, de um convento português. Mas os cardápios estão remendados com fita adesiva, o ar-condicionado tem problemas constantes, as calçadas estão danificadas. A falta de ingredientes é rotina.
“Outro dia, saímos para comprar um pimentão vermelho e um amarelo para finalizar um prato”, diz, em reserva, um funcionário. Os empregados dizem que as filhas de Armênio administram a casa à distância. “Tem faltado língua, polvo e camarão”, prossegue o funcionário.

Aberto apenas para almoço de domingo a sexta, o restaurante tem encerrado o expediente antes do horário padrão das 16h. Com alguns pratos com preços de três dígitos, adotou também um menu executivo —entrada, principal e sobremesa ao preço fixo de R$ 89.

Daniela e Silvana responderam as acusações do pai também em nota publicada nos jornais da capital pernambucana.
“O propósito das filhas sempre foi e será o de preservar os interesses de seu patriarca. A competente equipe do Leite continua a receber calorosamente seus clientes, cabendo às suas filhas, Daniela e Silvana, a administração que garante o seu perfeito funcionamento”, informaram. Dizem que os “graves fatos” pontuados pelo pai serão “tempo e modo adequados esclarecidos”.

O restaurante estava falido quando foi adquirido, em 1956, pelos irmãos de origem portuguesa Armênio, Amadeu e Luiz Dias e o amigo e Hugo Laprovítera. Depois, Armênio e Amadeu compraram os controles dos sócios na sociedade.

Armênio diz contar com o apoio da esposa, Célia Maria de Souza Ferreira, e do sobrinho, Amadeu Dias Filho, herdeiro do espólio do pai morto, para recuperar judicialmente o Leite. “Embora constrangido, vim a público revelar a situação e solicito a elas a devolução imediata do restaurante."

Para evitar um processo de interdição por parte das filhas, Armênio Dias fez exames psiquiátricos recentes para atestar as plenas faculdades intelectuais. Antes frequente e falante entre a clientela, já não frequenta diariamente o salão. “A preocupação dele é com o futuro do restaurante. E nós estamos preocupadas com a saúde dele. Quando uma pessoa muito idosa é impedida de fazer o que gosta corre o risco de se abater gravemente”, diz Mônica Dias, também filha de Armênio. Ela tem dado apoio ao pai na disputa com as irmãs.

Recentemente, Armênio foi impedido de tirar dinheiro do caixa para mandar consertar a moldura de um quadro na decoração. Retirou uma coleção particular de conhaques franceses raros em embalagens de cristal e não mais pisou na casa. Diz ainda que vai entrar com uma solicitação de medidas preventivas à polícia pernambucana para evitar ataques pessoais.

O Café Lamas, no Rio de Janeiro, foi aberto quatro anos antes do Leite. Em 1874, porém, mudou de endereço —o que faz do restaurante pernambucano o mais antigo em funcionamento contínuo no país. “O restaurante não é meu, é da sociedade. Eu cumpro a minha função.”