quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Elio Gaspari - Bem-vindo a Brasília, doutor Moro, FSP

Em Curitiba o juiz podia ir ao supermercado e sua caneta era uma lâmina, agora puseram-no num outro mundo

No sábado o ministro Sergio Moro foi chamado ao Palácio da Alvorada para uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro e três colegas para decidir o que fariam com Cesare Battisti
Ele fora preso na Bolívia e a Polícia Federal havia mandado um avião para trazê-lo de volta. Dias antes, Moro havia oficiado à Casa Civil para que exonerasse a diretora de Proteção Territorial da Funai, Azelene Inácio. O ministro vivia suas primeiras experiências no mundo da fantasia do poder.
A cena do sábado era pura ilusão do poder. O governo boliviano já decidira mandar Battisti para a Itália e um avião já saíra de Roma para buscá-lo.
O cumprimento da determinação para que Azelene fosse demitida era de outro tipo, pois deveria tramitar na burocracia do Executivo. Em Curitiba, Moro mandava prender e preso o cidadão seria. Caso o detento quisesse recorrer, a petição seguiria de acordo com o lento ritual do Judiciário. 
Em Brasília, as coisas são, mas podem não ser. Na segunda-feira, Azelene, como o Alex da Apex, informou que continuava dando expediente e acrescentou que se sentia perseguida, como se estivesse “dentro do governo do PT”. A diretora continuou trabalhando porque a ministra Damares Alves, em cujo latifúndio jogaram a Funai, disse-lhe que reverteria a determinação de Moro.
O ministro da Justiça determinou à Casa Civil que exonerasse a diretora porque o Ministério Público apontou para um conflito de interesse na sua permanência. Passou-se uma semana e nada. Lula entregou-se à Polícia Federal em menos de 48 horas.
Em Curitiba, o Ministério Público denunciava, o juiz condenava e fim de caso, mas no Paraná Moro podia ir em paz a um supermercado. Em Brasília, ele teve a má experiência de ser interpelado por um cidadãoque também fazia suas compras. (Registre-se que Moro reagiu com a fleuma que faltou ao ministro Ricardo Lewandowski ao ser ofendido num avião.)
Brasília reserva outras surpresas a Moro. A maior delas certamente virá da imprensa. Na vara federal ele tinha um razoável controle da sua exposição. 
Tendo feito boa liga com o Ministério Público, os procuradores ajudavam-no a operar a opinião pública. Moro era a imagem do poder nacional, encarnando algo bem-vindo e novo. Suas decisões eram festejadas, mesmo quando absolvia.
Podia dizer a um criminalista que advogados “atrapalham” e a conversa morria por lá. Se repetir coisas assim, está frito. Escapou-lhe também o controle da agenda. 
O carro da deputada Martha Rocha leva tiros de fuzil e o problema cai sobre sua mesa. Fabrício Queiroz cala e dança e ele não pode fazer suas compras em paz. Isso para não se mencionar o conflito que está em curso no Ceará. Como ministro da Justiça e da Segurança Pública, Moro ganhou uma agenda velha e empoeirada.
Com a ida ao Alvorada para tratar de um assunto que podia ser resolvido por telefone ou pelo WhatsApp, ele entrou nos elencos teatrais da capital. 
A cidade lhe reserva outros teatros, mais demorados e muitas vezes penosos. Ele descobrirá isso quando tiver que segurar uma conversa em jantar de embaixada. Habituado ao secular e poderoso simbolismo da toga, estará obrigado a conviver em ocasiões solenes com sexagenários que se enfeitam com faixas acetinadas e circulam pelo evento com o paletó aberto.
Quando Moro aceitou o convite de Bolsonaro para o ministério, disse que estava “cansado de tomar bola nas costas”. Essas boladas podiam vir do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, onde os jogadores são só 44. Pois agora levará caneladas e elas virão de todos os lados.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Imagine, Trump comunista


Um filme de 1962, “The Manchurian Candidate” —no Brasil, intitulado em idiotês “Sob o Domínio do Mal”—, de John Frankenheimer, trata de um soldado americano capturado pelos chineses na Guerra da Coreia. Eles o submetem a uma lavagem cerebral, que o torna passível de controle por um agente externo à simples visão de uma carta de baralho, a dama de ouros. O militar é devolvido aos EUA e envolvido numa trama cujo fim é o assassinato do candidato republicano à Presidência, em plena convenção do partido, e sua substituição pelo vice, um aparente direitista hidrófobo secretamente sob as ordens de Moscou. 
Lembrei-me do filme ao ler no New York Times que o FBI está investigando o presidente Donald Trump por suspeita de colaborar com a Rússia contra os interesses do país.  
A história é a de que, farejando ligações perigosas entre Trump e os russos na campanha eleitoral de 2016 —entre outras, Trump disse que a Rússia deveria hackear o email de sua rival democrata, Hillary Clinton—, o diretor do FBI, James Comey, iniciou uma investigação. Trump venceu, tomou posse e demitiu Comey. Mas o inquérito continuou, sob o comando do procurador Robert Mueller. A dúvida agora é se, ao demitir Comey, Trump não estaria praticando crime de obstrução da justiça —o que, nos EUA, leva a um processo de impeachment— ou, pior ainda, trabalhando para a Rússia, o que, no passado, rendia cadeira elétrica.
Minha teoria é a de que, numa incursão a um bordel de patas —sim, existe— em Moscou, há anos, Trump foi narcotizado e submetido a uma lavagem cerebral para adotar o discurso mais insano possível, de modo a ganhar a confiança dos eleitores desencantados com o raciocínio lógico e se eleger presidente dos EUA.     
Imagine, Trump comunista! Se o FBI estiver certo, e geralmente está, vai-se descobrir que sua indefectível gravata vermelha já era um sinal.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

FICÇÃO E REALIDADE JBS: Histórico de negócios desmonta versão de insider trading, ConJur

As operações no mercado financeiro e acionário feitas pela JBS antes do vazamento sobre a delação premiada de seus diretores foram menores ou semelhantes a dezenas de outras ocorridas antes e depois da veiculação da negociação com o Ministério Público Federal na mídia. Essa é a conclusão do levantamento do histórico de operações da holding entregue por Wesley Batista, ex-CEO da JBS, ao Supremo Tribunal Federal no depoimento prestado ao juiz auxiliar do ministro Luiz Edson Fachin, Ricardo Rachid.
A documentação mostra, por exemplo, que entre os dias 20 de abril e 17 de maio, dia em que a delação veio a público, o grupo vendeu 36 milhões de ações ainda valorizadas. Porém, entre 17 de maio e o fim de agosto, vendeu outros 30 milhões de papéis, já em baixa, aniquilando ganhos em cotação. Segundo Wesley Batista, todo o dinheiro arrecadado na venda de ações foi usado para quitar obrigações e dívidas da empresa — o endividamento total do grupo é de US$ 10 bilhões —, e não para recomprar ações.
Se fosse para lucrar com a divulgação, bastaria a holding J&F recomprar as ações pelo preço então mais baixo, o que não ocorreu, enfatiza a defesa. O ex-executivo garantiu que nenhuma pessoa física de sua família fez qualquer operação financeira nessa época.
*Pré-delação, entre abril e maio de 2017
**Pós-delação, em 19 de maio de 2017
A mesma declaração foi dada em relação à JBS. A documentação oficial entregue à Justiça mostra que o processo de recompra das ações do grupo pela JBS acontecia regularmente desde 2008 — um ano depois de a companhia ter aberto seu capital. E prosseguiu mesmo depois do afastamento dos irmãos Batista da gestão da empresa.
Wesley Batista apresentou também números que refutam as acusações de ganhos no mercado de câmbio com a compra de dólares antes de a delação vazar. Os contratos de hedge — dólar “futuro” — apresentados ao Judiciário comprovam ganhos de não mais que R$ 9 milhões, que não decorreram do escândalo, mas sim do valor pré-determinado em contrato de compra e venda de moeda com os bancos. A Polícia Federal e o MPF haviam estimado o ganho em R$ 100 milhões, enquanto a CVM o presumira em R$ 500 milhões.
No início de 2017, segundo Wesley, a companhia estava com saldo zero de dólares em contratos de hedge. Em duas reuniões, uma em janeiro e outra em março, os membros do Comitê de Finanças recomendaram a compra de moeda estrangeira, devido ao aumento dos juros nos Estados Unidos e à baixa no Brasil. O Conselho de Administração autorizava a assinatura de contratos em valores proporcionais a até uma vez e meia a exposição cambial da companhia.
Em março, abril e maio a empresa retomou as aquisições. E só as vendeu no fim dos contratos de hedge, com valor pré-fixado de cotação. “A delação ‘estourou’, o dólar subiu e o que a JBS fez? Nada. Quando o dólar caiu, voltou ao preço que era, a JBS ficou quietinha, não vendeu. No fim do contrato, venceu, a JBS liquidou. O resultado foi R$ 9 milhões. (...) É dinheiro? É lógico que é muito dinheiro, mas comparado com os volumes da companhia? Ter uma posição de US$ 2,8 bilhões para mim era uma rotina normal. (...) Teve trimestre que deu R$ 1 bilhão de resultado para cima ou para baixo”, disse.
Os diretores da empresa são investigados pela suposta prática de “insider trading” — uso de informação privilegiada para ter ganhos em bolsa de valores — e manipulação de mercado, que a Polícia Federal supõe terem ocorrido devido aos ganhos decorrentes da venda de ações e da compra de derivativos de dólar pela holding e pela JBS.
As transações aconteceram dias antes da publicação, pelo jornal O Globo, de áudios entregues em sigilo à Procuradoria-Geral da República com conversas entre o executivo Joesley Batista e o então presidente da República, Michel Temer, negociando troca de vantagens. Antes do vazamento, as ações da J&F estavam em alta, mas o escândalo derrubou a cotação e elevou o preço do dólar. Diante da suspeita, a PGR pediu a rescisão dos acordos de delação premiada, o que o Supremo agora julga.
Wesley Batista reafirmou que o vazamento da informação à imprensa não saiu da J&F e que ninguém da empresa sabia que a imprensa divulgaria qualquer informação, nem quando isso ocorreria, motivo pelo qual não poderia prever quando vender ações ou comprar dólares seria mais lucrativo.
Ao apresentar ao Supremo o histórico de operações cambiais e mobiliárias da JBS que comprova a frequência tanto de ocorrências quanto de valores envolvidos, Wesley Batista informou que todos os negócios estiveram abaixo do teto estipulado para operações sem o aval da diretoria.
Marcello Miller
Wesley Batista narrou que a JBS, de fato, pensou em contratar o ex-procurador Marcello Miller como diretor internacional de compliance, após o desligamento do executivo que ocupava a função. No depoimento, explicou que 75% das operações da empresa estão fora do Brasil, após expansões nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, México, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Uruguai e Paraguai. Só a planta norte-americana da JBS, sujeita a regras rígidas de controle anticorrupção — como as do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), código legal americano sobre suborno de funcionários públicos —, tinha 50 fábricas e 70 mil empregados, dos 230 mil que a companhia mantém em todo o mundo.
Outro motivo para a aproximação com Marcello Miller foi a preocupação da JBS com a abertura de capital nos EUA. Segundo relatou Wesley Batista, a empresa havia assinado, em janeiro de 2017, um protocolo de intenções com a comissão de valores mobiliários americana (Securities and Exchange Commission), pedindo autorização para criar a JBS Foods International, garantindo não haver irregularidades na empresa.
Como a maior parte dos ativos do grupo se encontra nos Estados Unidos — onde mentir pode representar a morte de empresa ou grupo econômico —, a declaração às autoridades americanas foi apresentada ao STF como sinal de que não faria sentido comprometer todo um patrimônio por quantias relativamente insignificantes.
As negociações com o MPF no Brasil começaram em fevereiro, quando expirava o prazo de 30 dias que a JBS tinha para confirmar o pedido de abertura de capital à SEC. Miller teria orientado a companhia a como se comportar perante as autoridades americanas.
Foi a advogada Fernanda Tórtima quem apresentou o ex-procurador ao então diretor jurídico Francisco de Assis e Silva. Segundo o relato de Wesley, eles conheceram Miller na casa de Joesley, trazido por Assis e Silva para uma reunião no dia 23 de fevereiro de 2017. Miller disse que já apresentara seu pedido de exoneração ao Ministério Público Federal em caráter irrevogável. Segundo Wesley, questionado sobre seu vínculo com o MPF e uma possível quarentena, Miller teria respondido: “Nós podemos conversar, não tem problema nenhum”. O procurador então teria falado sobre sua experiência internacional com grupos americanos e europeus discutindo leis anticorrupção. Convidado a assumir a função na JBS, o procurador teria agradecido, mas afirmado já ter aceitado proposta do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados (TRW). Em abril, Wesley refez o convite para que Miller deixasse o TRW para trabalhar no grupo. Sem sucesso. O registro das conversas nessa reunião foi apresentado no STF.
De acordo com Wesley, em abril, Miller chegou a participar de uma reunião, nos Estados Unidos, entre representantes da JBS, do Departamento de Justiça do país e do escritório de advocacia Baker & McKenzie — banca internacional da qual faz parte o Trench, Rossi e Watanabe no Brasil —, com a participação da advogada Esther Flesh, sócia do Trench. O Baker & McKenzie defendia a JBS americana desde 2009, quando a empresa decidiu adquirir outra empresa no país, segundo Wesley. “A maior decepção que eu tenho é de ter (a nosso serviço) um escritório de primeira linha (em compliance) e o Marcelo (Miller) ter ido trabalhar lá e o escritório não ter falado nada (...).”
Questionado sobre mensagens de celular trocadas em um grupo que reunia os Batista, Francisco de Assis e Silva e Fernanda Tórtima, Wesley explicou que insistiu que Miller estivesse na reunião em que seria assinado o acordo de confidencialidade para as delações na PGR justamente porque não sabia do vínculo ainda ativo do então procurador com o MPF. “Nós tínhamos a premissa de que colaboração e leniência (...) são processos separados, mas têm que andar em paralelo, simultâneos, porque sempre tivemos a preocupação de que se a pessoa física faz uma colaboração, a companhia fica exposta e vice-versa: se a companhia faz um acordo de leniência, as pessoas físicas ficam expostas. (...) Aquele grupo foi criado (...) no final de março para marcar agenda e para ter certeza que os andamentos, tanto da leniência, que era o Marcelo (Miller) que estava tocando, (quanto) da colaboração, que era a Fernanda (Tórtima) que estava tocando, estavam andando de forma simultânea”, contou. O executivo disse jamais ter ouvido qualquer promessa de facilitação de Marcello Miller em relação aos acordos de delação premiada.