segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Saneamento parado é trava para Bolsonaro romper fila de 100 milhões sem esgoto, FSP

Fabrício LobelBruno Santos
SÃO JOSÉ DE CAIANA (PB)
A escola infantil Isabel Lopes fica no bairro mais baixo de São José de Caiana, município de cerca de 6.000 habitantes no sertão da Paraíba. Por isso, todo o esgoto, esteja ele encanado ou a céu aberto, corre em direção ao colégio. Ao chegar próximo ao local, ele se soma às águas de um estreito córrego e contorna o prédio.
Todos os dias, no caminho para as aulas, alunos têm de saltar os dejetos. "O cheiro é tão forte que a gente tem que fechar as portas e janelas, senão não consegue jantar", diz a agricultora Regiane Gomes, 43, vizinha da escola.
Em São José de Caiana, o IBGE constatou que apenas 0,7% das casas tem o seu esgoto sanitário adequado. O índice coloca o município na lanterna de um país que ainda sofre para coletar e tratar de maneira devida os dejetos de sua população.
Metade dos brasileiros, o equivalente a cerca de 100 milhões de habitantes, não tem acesso à coleta nem ao tratamento de esgoto.
Por outro critério, utilizado pela ONU, 35% dos brasileiros têm contato com o esgoto de maneira insegura. Sob este índice, o Brasil aparece atrás da média de países de Ásia, Europa e América do Norte, além de Austrália e Nova Zelândia.
Nos últimos anos, o quadro do saneamento no país se manteve basicamente o mesmo. Em 2004, 81% da população tinha acesso a água tratada. Em 2016, esse número foi a 83%. A coleta do esgoto foi de 38% a 52%, no mesmo período. Já o tratamento de esgoto chega só a 45%.
Romper a estagnação no saneamento básico, que é um dos setores mais atrasados da infraestrutura brasileira, é um dos principais desafios do governo Jair Bolsonaro (PSL), a partir de 2019.
O ano de 2018 foi de expectativa por um novo marco regulatório no setor. O governo Michel Temer (MDB) chegou a publicar uma medida provisória que permitia a maior entrada de empresas privadas no ramo tradicionalmente tocado por empresas públicas.
Após pressão dos estados e de parte do setor, que viram o risco de piora do saneamento, o Congresso não aprovou o texto de Temer, o que o fez perder a força de lei.
A principal crítica era que, ao facilitar a entrada de empresas privadas no setor, os municípios que têm maior necessidade de investimentos e menor receita ficariam cada vez mais relegados às empresas públicas.
Esse movimento abalaria o sistema de subsídio cruzado das concessionárias estaduais, em que municípios superavitários ajudam a financiar aqueles que têm prejuízos.
Para Jerson Kelman, ex-presidente da Agência Nacional de Águas e da Sabesp, o que motivou a MP foi a constatação de que investimentos públicos sozinhos não são suficientes para superar o abismo do saneamento no país.
Sancionada em 2007, a Lei do Saneamento estimava que seriam necessários R$ 304 bilhões em investimentos para universalizar o serviço no país. Um estudo do Instituto Trata Brasil aponta que R$ 72 bilhões foram investidos de 2011 a 2016. O ritmo é muito lento e altamente concentrado em estados mais desenvolvidos como SP, Rio e Minas.
Segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria, a lentidão dos investimentos e a discrepância entre os estados é tanta que só em 2054 o país conseguiria levar a todos os serviços básicos de saneamento –muito tempo depois da meta de 2033, firmada pelo Plano Nacional de Saneamento Básico.
entrada da iniciativa privada traria aporte de recursos, segundo o governo Temer.
"O equívoco [na MP] são as regras que ferem o subsídio cruzado e que tendem a levar o serviço de saneamento cada vez mais para uma escala municipal", afirma Kelman.
Ou seja, para que uma região tenha um bom serviço e também seja rentável, a lógica de operação tem que envolver mais de uma cidade.
O risco da MP, dizem os críticos, é o aumento da desigualdade no serviço pelo país. A cidade que hoje é mal atendida tende a ficar cada vez pior.
Mesmo após a queda da MP, o texto ganhou interesse do grupo de transição de Bolsonaro. Assim, na última sexta-feira (28), Temer editou novamente o texto, com mudanças pontuais. Por isso, em seu início, o governo Bolsonaro deve se dedicar a negociar com o Congresso a aprovação do novo texto e, caso aprovado, a instalação das novas regras.
Outra mudança significativa, anunciada pelo novo governo, será a união numa mesma pasta dos Ministérios das Cidades, da Integração Nacional e da Funasa (Fundação Nacional de Saúde). Os três cumprem importante papel no diálogo com as prefeituras e na coordenação de projetos de saneamento nas cidades grandes e pequenas.
Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, se diz otimista com a união. "O setor tem se reunido com futuros ministros e membros da transição e está satisfeito com a atenção que o saneamento tem recebido. O setor está esperançoso".
Para Leo Heller, pesquisador da FioCruz e relator especial da ONU para o direito humano à água, é preciso se atentar qual será o peso do saneamento neste novo ministério. "Se o que é hoje a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental virar um departamento qualquer dentro dessa estrutura, há o risco de perda da importância do tema", alerta.
Outra proposta de Bolsonaro, defendida em campanha, é a diminuição da importância do governo federal, com maior predomínio dos municípios. "[A questão do saneamento] é mandar o dinheiro direto para os municípios, para construir casas e para o saneamento também. É a descentralização. E o prefeito vai usar a verba no que achar melhor", disse ele à Globonews.
A tese, para Édison Carlos do Instituto Trata Brasil, é falha e já se provou ineficiente. "É preciso sim um acompanhamento próximo do governo federal sobre o recurso. Quando ele [Bolsonaro] falou isso, o setor ainda não tinha demonstrado a sua preocupação sobre o tema. Pelo meu entendimento, há uma nova visão do futuro governo. Essa visão de só repassar recursos ficou em segundo plano, ao menos esperamos".
Em 2017, apenas 42% das cidades brasileiras tinham Planos Municipais de Saneamento, que são previstos desde 2010. O grande gargalo é a falta de equipes técnicas nos municípios capazes planejar o saneamento local.
Esse é o caso de São José de Caiana, onde o índice de mortalidade infantil é de 37,97 a cada 100 mil nascidos vivos (São Paulo tem 11,1; Rio, 11,3), colocando a cidade entre as 300 piores no país. Um habitante é internado por diarreia a cada mil habitantes (São Paulo tem 0,3; o Rio, 0,1).
Segundo o IBGE, em 2017, cerca de um terço dos municípios no país teve endemias ou epidemias relacionadas à falta de saneamento.
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'Caça a petistas' de Onyx desarticula todo o corpo técnico da Casa Civil, FSP

Talita Fernandes
BRASÍLIA
O anúncio feito pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de que ele iria demitir 320 servidores de cargos comissionados para “despetizar” a pasta trouxe impactos negativos à gestão de Jair Bolsonaro. 

A medida desarticulou momentaneamente o corpo técnico do Palácio do Planalto e prejudicou a análise sobre se a decisão tomada pelo presidente, de prorrogar até 2023 benefícios fiscais para as regiões Norte e Nordeste, teria impacto no Orçamento de 2019.
No primeiro dia de trabalho como ministro, Onyx anunciou que o governo federal demitiria todos os funcionários que ocupam cargos comissionados vinculados à Casa Civil.
A medida, segundo o ele, teria o objetivo de “despetizar” o Planalto, embora o PT já tenha deixado o poder há quase três anos, em maio de 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Os servidores souberam da decisão pela imprensa, o que gerou indignação, e apenas no dia seguinte foram informados de que estavam sendo exonerados. A ideia de Onyx é concluir até o fim desta semana uma espécie de avaliação desses funcionários para definir se serão recontratados para os postos. Antes, eles passarão por entrevistas e análises para apontar se foram indicados nas administrações de Luiz Inácio Lula da Silva ou de Dilma, do PT.
A situação de incerteza fez com que alguns técnicos temessem, na semana passada, se comprometer com pareceres sobre os possíveis impactos fiscais da lei sancionada por Bolsonaro na noite de quinta-feira (3) —o que levou a uma tomada de decisão longa e errática, contribuindo para agravar o bate-cabeça sobre o aumento do IOF(Imposto sobre Operações Financeiras).
O imbróglio teve vários capítulos. Apesar de ser considerada uma pauta bomba, o presidente decidiu sancionar a lei que prorroga os benefícios para o Norte e para o Nordeste para evitar um desgaste com o Congresso logo no início do governo. Ele vai precisar de apoio do Legislativo para aprovar medidas cruciais em sua gestão. 
Tomada a decisão política, foi necessário elaborar pareceres técnicos para apontar se havia a necessidade de receita compensatória, caso a prorrogação tivesse impacto no Orçamento de 2019.
A equipe econômica do governo de Michel Temer, durante o qual a prorrogação dos benefícios foi aprovada pelo Congresso, calculava um impacto de R$ 3,5 bilhões ao ano nas contas públicas até 2023, quando vencem os incentivos. Inicialmente, técnicos da gestão Bolsonaro entenderam que haveria, sim, alta de gastos na previsão para este ano.
Para cumprir o que manda a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que exige que aumento de gastos seja compensado com aumento de receita, seria necessário apontar qual a fonte que cobriria a alta de custos da União. 
Decidiu-se, então, elevar a alíquota de IOF, medida que foi antecipada pela Folha e confirmada por Bolsonaro em entrevista na manhã de sexta-feira (4), quando disse que havia assinado o decreto que elevava o tributo.
Mas a impopular medida de aumento de impostos não durou quatro horas. O secretário da Receita, Marcos Cintra, deixou o Palácio do Planalto no início da tarde dizendo que Bolsonaro havia se equivocado.
Cintra se reuniu de última hora com o presidente e Onyx. O ministro convocou entrevista no fim do dia para confirmar que não haveria mesmo aumento do IOF.
A equipe técnica teve de elaborar uma visão divergente do que havia sido decidido no dia anterior. A leitura que prevaleceu, então, foi que prorrogar os benefícios não teria impacto fiscal. 
Essa nova visão deu origem a um segundo decreto, que só ficou pronto tarde da noite de sexta e foi publicado em edição extra do Diário Oficial por volta das 23h.
O texto diz que os benefícios e os incentivos fiscais que tenham sido concedidos pela lei sancionada pelo presidente e que ultrapassem os limites estabelecidos pela Receita só vão entrar em vigor “quando implementadas as medidas de compensação” da LRF.
Na entrevista de sexta, Onyx disse que não será necessário indicar receita porque novos beneficiários não devem ser incluídos este ano. “O prazo médio de fruição do benefício é de 12 a 14 meses, eles não ocorrerão no ano de 2019. Então, em 2019 a previsão que tem de R$ 740 milhões [no Orçamento] é suficiente para atender aqueles projetos que foram aprovados ao longo de 2017, 2018. Nós colocamos isso no decreto”, afirmou.
O decreto diz ainda que para os anos de 2020 em diante, benefícios e incentivos devem ser considerados em previsões das receitas futuras.
Nos bastidores, técnicos do governo temem que a edição do segundo decreto leve a questionamentos por parte do TCU (Tribunal de Contas da União) e do legislativo sobre descumprimento da LRF.