quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Fernando Haddad põe o pé na estrada, Elio Gaspari, FSP

O PT entrará na campanha com sua história e sua incapacidade de reconhecer erros

Fernando Haddad tem pouco mais de um mês para mostrar que não é o “Andrade”. Sua unção aconteceu aos 45 minutos do segundo tempo, quando a vitimização de Lula já tinha rendido tudo o que podia render. É até provável que o PT tenha perdido uma semana de propaganda ao esticar desnecessariamente a corda.

Haddad entra em campo com o patrimônio dos bons tempos de Lula e com a bola de ferro das malfeitorias do petismo. Seus adversários negam que ele tenha presidido um país com emprego, crescimento e olho na redução das desigualdades sociais. Perdem tempo, pois o sujeito que perdeu o emprego lembra da vida que teve. Já os petistas, inclusive Haddad, embrulham o mensalão e as petrorroubalheiras numa delirante teoria da conspiração. Também perdem tempo, pois o resultado está aí e chama-se Jair Bolsonaro.
A cenografia que o PT armou em Curitiba foi exemplar. O comissariado, reunido num hotel, anunciou que sua Executiva Nacional decidiu, por unanimidade, colocar Haddad na cabeça da chapa. Teriam feito melhor se dissessem que carimbaram uma decisão de Lula, coisa que até as grades da carceragem da Federal já sabiam. Há dias Haddad fez-se fotografar sorrindo atrás de uma máscara de Lula. A partir de hoje começa a ser testada a cena real, com Lula sorrindo atrás de uma máscara de Haddad.
O PT e Bolsonaro têm o mesmo sonho: chegar ao segundo turno tendo o outro como adversário. Talvez esse seja o único projeto comum à senadora Gleisi Hoffmann e ao general Hamilton Mourão. 
Todas as projeções feitas com base nas pesquisas desembocam na mesma pergunta: qual será a transferência de Lula? Certo mesmo é que enquanto se espera por um crescimento de Haddad capaz de levá-lo a um segundo turno contra Bolsonaro, algo que se poderia chamar de eleitorado de centro espalhou seus votos entre três candidatos: Ciro Gomes, Marina Silva e Geraldo Alckmin. Eles têm, somados, 34% das preferências. Bolsonaro tem 24%. 
Com o pé na estrada, Haddad oferece um projeto, goste-se ou não dele. Seus adversários do suposto centro estão perdidos numa busca de estratégias marqueteiras. Candidato a vice na chapa de Marina Silva, Eduardo Jorge viu num indesejável dilema Haddad-Bolsonaro uma oportunidade para ferir o petista: “Bolsonaro é o candidato do Lula no segundo turno para, junto com candidato terceirizado que ele quer colocar na outra vaga da finalíssima, pavimentar a volta do Lula”. 
Com anos de atraso, Marina  usa a palavra “corrupto” para classificar Lula. Alckmin decide atacar Bolsonaro, freia e dá marcha a ré. Já Ciro Gomes, que negociava uma chapa com Haddad, lembrou que na eleição de 2016 ele perdeu a Prefeitura de São Paulo no primeiro turno, tendo conseguido menos votos que a soma dos nulos e em branco. 
Esse clima de barata-voa dificilmente construirá candidaturas que possam ser associadas a políticas públicas. Pode-se atribuir o leve crescimento de Ciro Gomes à sua proposta de renegociação das dívidas dos inadimplentes do sistema de crédito. Ganha uma viagem à Venezuela quem for capaz de citar uma proposta de Geraldo Alckmin. Outro dia ele quis contar que pretende reforçar a Força Nacional com a contratação de conscritos que deixam as Forças Armadas, mas perdeu-se com reminiscências.
Haddad tira o tom de fantasia em que o PT envolveu sua participação na disputa. É tão pesado quanto o foi Dilma Rousseff na sua primeira campanha. Se o poste de 2010 tinha a alavanca do poder e do sucesso lulista, o ex-prefeito de São Paulo depende do prédio da carceragem de Curitiba.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

    O exemplo da Suécia, Opinião, FSP

    Democratas, partido de origem neonazista, terá maior representação no Parlamento

    Eleitores votam em Estocolmo, na Suécia
    Eleitores votam em Estocolmo, na Suécia - Hanna Franzen/TT News Agency/Associated Press
    O crescimento de movimentos populistas xenófobos tem se refletido nas urnas de vários países da Europa, dos menores aos mais relevantes. O fenômeno cruzou nova fronteira no domingo (9), depois de conhecidos os resultados nas eleições gerais da Suécia.
    O partido Democratas, de origem neonazista e com uma plataforma abertamente anti-imigração, obteve 18% dos votos. Passa a ostentar sua maior representação no Parlamento —onde tem representantes desde 2010—, transformando-se na terceira força nacional.
    Tal cenário poderia ser visto até como previsível, dada a tendência continental de ascensão dessas legendas, em relação clara com o fluxo expressivo de migrantes recebidos nos últimos anos. Só em 2016, 2 milhões de pessoas chegaram aos 28 países da União Europeia, a maioria em fuga de conflitos no Oriente Médio.
    O espaço conquistado pela direita radical, entretanto, chama a atenção porque ocorre onde o modelo de Estado de bem-estar gerido por governos adeptos da social-democracia conheceu seu ápice.
    Não por acaso, a sigla que representa essa vertente política comandou o país em 60 dos últimos cem anos, dos quais 41 consecutivos (1932-1973). No pleito do fim de semana, registrou sua pior votação, 28%, desde a instituição do sufrágio universal, em 1921.
    O desempenho decepcionante dos sociais-democratas —em que pese ter sido o partido mais votado isoladamente— os obrigará a negociar uma aliança com partidos de centro-direita, um processo que se vislumbra penoso.
    Esse cenário se explica, em boa medida, por um razoável êxito dos extremistas em explorar temores de que o contingente de estrangeiros recém-chegados venha a ameaçar o sistema de serviços públicos e benefícios sociais.
    Não se pode, de fato, desprezar o peso dessa onda de imigração na Suécia. Em 2015, foram 163 mil acolhidos em uma nação de pouco mais de 10 milhões de habitantes —a maior proporção entre todos os membros da UE.
    Embora não haja evidências de riscos para os invejáveis índices de qualidade de vida que os suecos ostentam, é fato inescapável que os milhares de refugiados enfrentam problemas de integração e dependem, em maior ou menor grau, de amparo do Estado.
    Tal como em outros países europeus, a projeção da direita xenófobanão é grande o bastante para a tomada do poder, mas tampouco deve ser subestimada. Cabe aos líderes do continente chegar a uma política comum para lidar com a questão imigratória.
    Erramos: o texto foi alterado
    Diferentemente do que dizia o editorial "O exemplo da Suécia", o partido Democratas não conseguiu representação no Parlamento local pela primeira vez nesta eleição, mas sim em 2010.

    O Brasil precisa da volta da CPMF, FSP

    O projeto de reforma tributária do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) é resultado de anos de trabalho sério. O experiente parlamentar vem há anos se dedicando a essa tarefa. Não é novidade que todos querem a reforma tributária; mas, se há um consenso nacional em torno disso, sempre houve um enorme conflito em torno das propostas.
     
    Iniciada oficialmente a campanha pela Presidência da República, o tema será obrigatoriamente debatido, talvez não com o destaque que merece, mas terá de ser enfrentado.

    Felizmente, está se formando um consenso em torno de pontos básicos do projeto, que recebeu um reforço do economista Bernard Appy, apresentado como emenda do deputado Mendes Thame (PV-SP).

    O ponto mais importante e que tem a anuência dos principais candidatos (Alckmin, Marina Silva, Alvaro Dias, Ciro Gomes e Fernando Haddad) é em relação à tributação do consumo, cuja proposta é unificar, em um novo imposto chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), ou IVA (Imposto sobre Valor Agregado), o ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI. Simplificaria e daria maior eficiência ao sistema.

    Além dessa unificação, há várias outras mudanças importantes, como a criação de um imposto seletivo sobre energia, combustíveis, telecomunicações, cigarros, bebidas e veículos. Essa é outra excelente ideia, que poderia ser aprimorada nos debates. 

    Mas um ponto que chama a atenção da proposta Hauly/Appy é o prazo de transição: de 6 a 10 anos. O prazo é realista, mas preocupante. O que fazer até lá? Aumentar as alíquotas dos impostos existentes? Aumentar a tributação da herança? Tributar dividendos? Todas estas opções merecem ser discutidas, mas estão sempre sendo tratadas de modo superficial. 

    Não há outra opção a curto prazo que não seja a volta da CPMF. A contribuição de que todos falam mal, sem saber bem o porquê, incidiria sobre operações financeiras em ambiente bancário de forma simples, eficaz, alcançando uma gama enorme de contribuintes, sem doer no bolso de ninguém (uma pessoa que movimentasse R$ 10 mil mensais no banco pagaria R$ 38,00 de tributo na alíquota de 0,38%, ou seja, R$ 3,80 para cada R$ 1.000,00 movimentados), não gerando conflito algum entre contribuinte e fisco.

    A CPMF, que nasceu em 1993 como imposto provisório (IPMF), recebeu a antipatia unânime da população, sobretudo pela falsa promessa da sua provisoriedade, que se arrastou por mais de dez anos. 

    Nada disso, porém, retira os seus méritos. Por se tratar de contribuição, poderá ser instituída com base na competência residual da União, por lei complementar e entrar em vigor após 90 dias da publicação da referida lei.

    Essa contribuição, que poderia manter a sigla CPMF, mas com o P significando "Previdenciária" no lugar de "Provisória", estaria vinculada às despesas com a Previdência Social, com previsão constitucional de ser repartida entre União, Estados e municípios.

    Sua receita poderia alcançar entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões anuais com uma alíquota de 0,38%, sendo uma solução mais rápida e simples do que todas as já cogitadas, além de um instrumento eficaz de combate à sonegação.

    Um novo governo, legitimado pelas urnas, teria força política para instituir a CPMF, e a população, rapidamente, sentiria os efeitos positivos.
    Eduardo Maneira
    Advogado e professor de direito tributário da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ