segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Toffoli quer dar guinada interna no Supremo ao assumir presidência, FSP

Letícia CasadoReynaldo Turollo Jr.
BRASÍLIA
Os primeiros movimentos planejados por José Antônio Dias Toffoli como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) devem levar a uma guinada de estilo na corte em relação à gestão de Cármen Lúcia.
Aos 50 anos, Toffoli toma posse na próxima quinta-feira (13) para um mandato de dois anos. Será o ministro mais novo a ocupar esta função. O decano Celso de Mello e o ministro aposentado Moreira Alves já haviam completado 51 quando presidiram a corte.
Com perfil distinto da atual presidente, Toffoli tem anunciado nos bastidores medidas para tentar pacificar a relação conturbada entre ministros, aprofundar o diálogo com os demais Poderes e dar mais visibilidade ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Dias Toffoli, ao ser eleito presidente do STF para os próximos dois anos - Pedro Ladeira - 8.ago.2018/Folhapress
O ministro quer distância de julgamentos polêmicos até o fim do ano. Já definiu, por exemplo, como vai tratar a pauta sobre a prisão para condenações em segunda instância e o auxílio-moradia dos juízes, dois temas que ficaram parados na gestão de Cármen à espera de solução.
Toffoli avisou a seus pares que a prisão será discutida em plenário a partir de março do ano que vem —uma estratégia também que evita acusações de casuísmo por suas relações antigas com o PT, partido pelo qual atuou como advogado.
O futuro presidente do STF foi ministro da Advocacia-Geral da União no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba pela Lava Jato e que torce por uma mudança de entendimento do Supremo sobre prisões em segunda instância.
Em relação ao fim do benefício sobre moradia, Toffoli pretende colocar o tema em votação assim que o Congresso aprovar o recente reajuste de 16,38% para os juízes, ainda este ano. Na sua avaliação, não deve haver problemas para o benefício ser extinto. 
Durante a gestão de Cármen Lúcia, ministros criticavam nos bastidores o perfil centralizador da ministra, que discutia pouco com os pares a pauta de julgamento que levaria ao plenário.
Para Toffoli, é preciso, por exemplo, levar logo a votação temas alvo de decisões provisórias de ministros. 
Ele próprio é relator de processos que não foram ao plenário e devem ser pautados com prioridade, como, por exemplo, um sobre lei federal que regula a emissão de carteira de estudantes e outro sobre uma lei de Santa Catarina que proíbe propaganda de medicamentos.
"Vamos coordenar uma pauta mais participativa e, assim, mais célere nos julgamentos", disse o ministro à Folha
O período de Cármen ficou marcado pelo acirramento entre ministros —o auge foi um bate-boca entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
Toffoli não vislumbra as pazes entre ambos, mas fez um gesto neste sentido. Muito ligado a Gilmar, de quem se aproximou nos últimos anos, o futuro presidente STF convidou Barroso para fazer o discurso de saudação de sua posse na quinta.
Outra medida revelada por ele aos colegas é criar a rotina de um almoço mensal entre os ministros.
Nas últimas semanas, Toffoli participou de almoços, jantares e reuniões com o presidente Michel Temer e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).
O mandato de Cármen foi marcado pela tensão com o Executivo por causa de decisões como a que suspendeu trechos do indulto natalino assinado por Temer, em dezembro passado, e a que proibiu a posse da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) no Ministério do Trabalho, em janeiro.
Na avaliação de Toffoli, o Supremo deve evitar o choque com os Poderes e buscar negociação em torno de temas polêmicos.
Hoje, seus dois principais interlocutores no governo são os ministros Raul Jungmann (Segurança Pública) e Torquato Jardim (Justiça). 
"O CNJ vai identificar problemas e estabelecer um sistema de informações para que o preso saiba as fases de seu processo", disse.
No CNJ, a prioridade de Toffoli será em cima de três pontos: aumentar o número de  tornozeleiras eletrônicas, fazer biometria dos presos e aperfeiçoar o censo dos encarcerados, criado por sua antecessora. Toffoli deve pedir à presidente do TSE, Rosa Weber, para usar as máquinas de biometria do tribunal no sistema carcerário.   ​
O ministro também decidiu investir na relação com a imprensa e montou um time de assessores que possuem trânsito entre os jornalistas que cobrem o Supremo em Brasília e as redações.
Convidou para chefiar a Secretaria de Comunicação do STF o jornalista Márcio Aith, que foi secretário do governo de Geraldo Alckmin e coordena a comunicação da campanha presidencial do tucano. 
Dias depois de assumir a presidência, em setembro de 2016, Cármen Lúcia promoveu um café da manhã com jornalistas e respondeu com bom humor quando lhe perguntaram se o Supremo deveria chamar Casa da Suplicação, como no século 19, devido ao grande número de processos.
"Da Suplicação? A gente podia arrumar um nome melhor, como Casa da Pacificação", disse.
Àquela altura, a Lava Jato ainda não dominava (e não dividia) o Supremo. Não havia a delação da Odebrecht, homologada por ela em janeiro de 2017 após a morte de Teori Zavascki, então relator da operação. Tampouco havia vindo à tona o escândalo da JBS.
Com o tempo, o que se viu foi que, desde que Cármen evitou rediscutir a prisão de condenados em segunda instância, o STF vive internamente conflagrado. E decisões monocráticas dela que contrariaram o Planalto fizeram da almejada pacificação uma meta distante.
Cármen foi criticada por seus pares por fazer um suposto manejo político da pauta de julgamentos. Ao mesmo tempo, foi justamente nesse quesito que demonstrou maior firmeza. Desde meados de 2017 dizia que não queria rever a jurisprudência, o que resultou nas prisões de Lula e do ex-ministro José Dirceu.
A mesma firmeza não se viu no julgamento sobre medidas cautelares impostas a parlamentares investigados. Em outubro de 2017, ela teve de desempatar a votação que acabou salvando o mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG), suspeito de receber propina da JBS —o que ele nega.
Ela votou no sentido de que, para o Supremo afastar um parlamentar do cargo, é preciso o aval do Legislativo.
Procurada para se manifestar sobre sua gestão, Cármen não respondeu.

Le Monde já vê, em editorial, 'o suicídio de uma nação', FSP

Após a primeira página do New York Times apontar “o declínio de uma nação”, agora o francês Le Monde publica o editorial “Brasil, o naufrágio de uma nação” (reprodução abaixo).
Em destaque, afirma que, “após a agressão ao candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, a campanha corre risco de radicalizar ainda mais num país que parece ter perdido o controle de seu destino”.
No texto, detalha que, “desde a destituição (impeachment) controversa da presidente de esquerda, o país parece ter perdido o controle de seu destino”.
Afirma que “tudo contribui para isso” e lista as balas perdidas que matam crianças em comunidades controladas por quadrilhas e os representantes da sociedade civil assassinados à luz do dia.
Acrescenta, por fim: “Alguns falam do suicídio de uma nação. É o que parece”.

MILITARES DE VOLTA

No France24, “militares estão de volta à política brasileira”, citando declarações de generais com ameaça de intervenção. O canal ouve acadêmicos de universidades americanas e latino-americanas, que apontam “nostalgia” da ditadura.
E o alemão Die Zeit ecoou entrevista do comandante do Exército, destacando no título que ele “alerta” contra uma candidatura de Lula, que “dividiria ainda mais a sociedade brasileira”.

‘NOT FOR BEGINNERS’

Um dia antes do ataque a Bolsonaro, a Universidade Harvard iniciou o curso “Política no Brasil”, como informou um professor por Twitter, lembrando que o país “não é para iniciantes”.
Entre os textos separados para os alunos estudarem, destacou o livro “Democratic Brazil Divided” (acima), lançado no final do ano passado por dois acadêmicos americanos, e uma coluna do NYT intitulada “Por que arrancar a raiz da corrupção mergulhou o Brasil no caos”.

GOLPE DOS EUA, NÃO

Após noticiar que os EUA debateram um golpe com militares venezuelanos, o NYT relatou a reação contrária do presidente boliviano Evo Morales, mas também do porta-voz do Conselho Nacional de Segurança americano, que falou em “transição pacífica para a democracia”, não golpe.
Outros, de centros de estudo ou lobby como Council on Foreign Relations e Inter-American Dialogue, também se disseram contra um golpe dos EUA. Porém Richard Hass, do CFR, se declarou aberto a uma “coalizão latino-americana”.
Ao fundo, a agência espanhola Efe, reproduzida em diversos jornais latino-americanos, noticiou que venezuelanos estão fugindo em massa do Brasil, depois do "linchamento" de um refugiado por brasileiros na sexta.

'NÓS TODOS'

Washington PostFinancial Times e NYT publicaram artigos de opinião sobre o incêndio no Museu Nacional, os três com a mesma mensagem —de que se trata de um alerta sobre o abandono de museus por governos do mundo inteiro. No enunciado do WP, “Nós todos estão sob risco de assistir à nossa história ir embora nas chamas”.

RODA DE SAMBA

Em contraste com seu próprio noticiário sombrio, o NYT deu longa reportagem sobre como as "mulheres se movem para o centro do samba" no Rio, com a foto acima, tirada por Maria Magdalena Arrellaga.
Nelson de Sá
Jornalista, foi editor da Ilustrada.


    TÓPICOSRELACIONADOS

    domingo, 9 de setembro de 2018

    Queima da humanidade, Daniel Barros, OESP

    Todo mundo sabe apontar diferenças entre seres humanos e animais. Por mais inteligentes que sejam os golfinhos, nenhum deles chegou a sintetizar antibióticos. Mesmo outros grandes primatas, nossos parentes mais próximos, tão semelhantes em suas manifestações emocionais e comportamentais, não chegaram nem sequer a descobrir como assar um pãozinho. 
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    O museu abrigava as únicas atividades que nos diferenciam de fato dos outros animais  Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO
    O desafio de explicar a origem dessa diferença, contudo, não é simples. Já se pensou que a chave do enigma era a linguagem. Nosso vocabulário e gramática seriam exclusivos. Até se descobrir que há macacos que usam chamados tão distintos como palavras e os cliques dos golfinhos servem para dar nomes uns aos outros e trocar informações sobre o dia no mar. Imaginou-se então que a diferença seria o uso de ferramentas, uma habilidade que seria só nossa. Basta ver alguns vídeos mostrando macacos usando varetas para pescar formigas ou corvos criando ganchos com arames para desfazer essa ilusão. 
    Habilidades matemáticas, capacidade de contar, empatia, luto, traços culturais, a lista das características que compartilhamos com outros animais cresce a cada dia. E, ainda assim, só nós fomos capazes de pintar o teto da Capela Sistina. Depois de construí-la, claro. E de inventar pincéis. E tinta. E religião. A lista do que é exclusivo também não é pequena. Difícil é justificá-la.
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    Incêndio destrói o Museu Nacional no Rio de Janeiro

    Atualmente – ao menos por ora – acredita-se que a diferença esteja na mania que temos de compartilhar o conhecimento. Esse impulso de trocar ideias sem parar deve ter sido a força por trás da evolução da linguagem, que foi progressivamente se aperfeiçoando com a prática. Além disso, levou também a melhorarmos cada vez mais a forma de passar e receber as mensagens, alcançando uma precisão sem par no reino animal. O próprio pensamento complexo que nos caracteriza pode ter sido moldado dessa forma.
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    O rosto da tragédia
    Vários bichos imitam os comportamentos uns dos outros. Mas até hoje não se tem registro de outro animal que pare para ensinar, de forma estruturada e sistemática, seus semelhantes. A não ser em desenhos animados, escola é coisa de humano.
    Modernamente existem várias maneiras de ensinar. O famoso tripé universitário – composto por ensino, pesquisa e extensão – é uma boa forma de explicar algumas delas. Claro que o ensino é a instância por excelência para tanto. Professores que detêm o conhecimento e a experiência se unem a alunos, sequiosos do saber, para, usando os mais variados métodos, passar para frente tudo o que sabem. 
    A pesquisa tem a função de criar o conhecimento a ser posteriormente ensinado. Cientistas e pesquisadores utilizam os instrumentos de sua área para aprofundar o que se sabe e descobrir mais sobre o mundo, permitindo ao homem manipular seu entorno. As pesquisas não são feitas por solitários cientistas em suas bancadas ou bibliotecas, contudo, e pós-graduandos e estagiários são ao mesmo tempo cientistas e alunos, aprendendo a pesquisar.
    A extensão universitária, por fim, é uma forma de levar tudo isso para a sociedade. Trata-se de interagir com quem não está na universidade, transformando suas vidas. Pode ser por meio de prestação de serviços, consultorias, assistência médica. Mas é também levar informação, transferindo conhecimento para as pessoas. Por meio de divulgação científica, de cursos, palestras, exposições. Essas interações podem ser realmente transformadoras.
    Muitos subestimaram o impacto do incêndio no Museu Nacional por erroneamente associarem a imagem dos museus apenas a exposições. Essa é uma parte importantíssima, na medida em que se presta à transferência de conhecimento, mas muito pequena de sua atividade. Museus são centros de pesquisa pulsantes, onde muitos cientistas são formados e muito conhecimento é criado antes de ser transmitido. Como a maioria dos brasileiros, eu nunca fui ao Museu Nacional. Mas isso não diz nada sobre sua importância. 
    Ele era uma usina de geração e transmissão do conhecimento, de pesquisa e de ensino. Abrigava, portanto, as únicas atividades que nos diferenciam de fato dos outros animais. Queimá-lo, não deixo de pensar, é queimar parte do que nos faz humanos.
    *É PSIQUIATRA