domingo, 10 de junho de 2018

Não estamos nos anos 1990 - SAMUEL PESSÔA, FSP


FOLHA DE SP - 10/06

O mercado opera como se estivéssemos no passado; hoje, o Estado é credor em dólar


Até algumas semanas atrás os investidores acreditavam que a sociedade elegeria um presidente centrista e estariam dadas as condições para a aprovação da reforma previdenciária e outras medidas necessárias para reconstrução do equilíbrio fiscal. Aparentemente, o mercado não acredita mais nessa tese.

Os investidores têm produzido forte processo de desvalorização da moeda e a aposta de que o Banco Central terá de subir os juros. Gestores do mercado entendem que os juros estão muito baixos, o que produz pressão pela saída de recursos.

A lógica dos gestores é que o regime cambial vigente no Brasil é de câmbio fixo ou administrado, e, portanto, a política monetária deve ser empregada para defender a moeda.

Diferentemente, operamos no regime de metas de inflação.

A taxa de juros é o instrumento regulador da demanda agregada. Se há excesso de demanda e, portanto, pressão inflacionária, os juros devem ser elevados. Se há carência de demanda agregada e, portanto, pressão desinflacionária, os juros devem ser reduzidos. Caso contrário, os juros devem ser mantidos.

A taxa de câmbio é livremente determinada pelo mercado. O papel do Banco Central é reduzir a variabilidade da cotação do câmbio. Em ano eleitoral, em que é natural maior incerteza quanto aos rumos futuros da política econômica, a necessidade de suavizar esses movimentos é maior.

O processo inflacionário está bem-comportado. Há dois choques externos, desvalorização de todas as moedas com relação ao dólar e elevação do preço internacional do petróleo, e o choque doméstico produzido pelo movimento dos caminhoneiros. Esses três choques adicionarão, provavelmente, um ponto percentual na inflação de 2018. Em vez de o IPCA fechar o ano na casa de 3%, fechará em torno de 4%.

No regime de metas de inflação, há a meta, no nosso caso de 4,5% no ano-calendário de 2018 e de 4,25% no de 2019, e há uma banda, de 1,5 ponto percentual, para a absorção de choques de oferta. Assim, se os choques colocarem a inflação, segundo as estimativas do Banco Central, em até 5,75% em um horizonte de uns 18 meses, não há motivos para a subida dos juros se o processo da inflação, excluindo os choques, continuar a ser desinflacionário.

Dado que a economia opera com grande ociosidade e dado que as últimas revisões da atividade econômica foram para baixo, não há sinais de que o processo inflacionário esteja mudando.

De fato, na sexta-feira (8), foi divulgado o IPCA de maio: 0,4%, um pouco acima do 0,3% que se projetava. Toda a diferença está nos preços que foram sensibilizados pela greve.

Os serviços continuam em sua trajetória de desinflação. Em maio, apresentaram deflação de 0,09%. Em 12 meses, a inflação de serviços encontra-se em 3,4%, e o núcleo dos serviços, em 3,3%. Não há, portanto, sinal de excesso de demanda que sugira a necessidade de subida de juros.

Por que, então, toda essa preocupação? Meu entendimento é que o mercado financeiro opera hoje como se estivéssemos nos anos 1990 ou em 2002.

Naquelas oportunidades, parte da dívida interna era denominada em dólares. Adicionalmente, a dívida externa era elevada. Quando o câmbio se desvalorizava, a posição patrimonial do Estado piorava muito.
Hoje, o Estado brasileiro é credor em dólares. Desde o começo do ano, a dívida líquida tem caído em razão dos movimentos do câmbio.

Não faz sentido fazermos política monetária com a cabeça dos anos 1990.

Samuel Pessôa

Físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Multifacetada paralisação de caminhoneiros, OESP

*ROBERTO MACEDO, O Estado de S.Paulo
07 Junho 2018 | 03h00
Ela é chamada de greve, a cessação do trabalho por trabalhadores assalariados, por mais benefícios ou manutenção dos existentes. Por extensão, greve se aplica a outras interrupções de atividades. No caso, prefiro paralisação, porque estimula mais indagações quanto à sua natureza. Ela veio de caminhoneiros autônomos em conjunto com assalariados. Estes também em prol de seus patrões e estimulados por eles.
Pelo menos no início, o apoio de grande parte da população deveu-se à sua oposição ao governo Temer e à visão social do caminhoneiro, em particular o autônomo, como um batalhador dedicado a um trabalho árduo, muitas vezes longe da família, e uma vocação que preza a liberdade de tocar por si mesmo o trabalho, e de percorrer caminhos espalhados por este país de natureza exuberante. Os caminhoneiros são tema de várias canções e uma cantora é tida como rainha deles, Sula Miranda. O apoio mútuo dentro do grupo é também respeitado e invejado no contexto social. O rádio é indispensável, hoje com o telefone celular e um aplicativo, o WhatsApp, muito adequado à comunicação grupal. 
A paralisação abalou essa boa imagem dos caminhoneiros, pois trouxe também muita impertinência e violência dentro do grupo e contra a sociedade. Como ao atentarem contra o direito de ir e vir dos cidadãos, bloqueando o trânsito em estradas, e por meio de pequenos grupos a queimar pneus em vários pontos, o que lembra ações de guerrilheiros. 
A segurança pública precisa se preparar melhor contra isso. Pouco adianta mandar veículos com policiais civis ou soldados que levarão muito tempo para chegar aos locais, se é que chegarão com o trânsito interrompido. Cabe utilizar helicópteros, facilitado porque usualmente são locais de fácil aterrissagem.
O governo federal revelou-se despreparado para enfrentar a paralisação, embora meses antes tenha recebido pedidos de entidades de caminhoneiros e de transportadoras para um diálogo que talvez impedisse a ocorrência dela. O custo para a sociedade foi enorme, tanto de danos a setores como os de alimentos, saúde e transportes, como o da “solução” encontrada, que subsidiou o preço do diesel com desonerações tributárias que prejudicaram a prestação de serviços governamentais.
No governo vi a ideia de ajustar o contrato da cessão onerosa que deu à Petrobrás o direito de explorar 5 bilhões de barris na Bacia de Campos. E, em seguida, leiloar a exploração do excedente a essa magnitude, o que poderia gerar R$ 100 bilhões, que seriam usados para segurar o preço dos combustíveis. Um absurdo, pois significaria custear despesas permanentes com recursos transitórios. Ademais, o governo está em seriíssimas dificuldades financeiras e seria uma temeridade entregar toda essa dinheirama a Temer e sua corte, em final de mandato e num período eleitoral. Se viesse esse leilão, o destino do dinheiro deveria ser o de ajudar o próximo presidente da República a aliviar a crítica situação das finanças do governo.
Percebe-se também que a pressão para reduzir impostos é muito centrada no governo federal, mas o ICMS, estadual, é parte importante do problema. Em lugar de arrecadar mais com o aumento dos preços dos combustíveis, o que já ocorreu com os aumentos recentes, os governos estaduais deveriam evitar que pela mesma razão viessem novos aumentos de carga tributária, ajustando as alíquotas do imposto de forma correspondente.
Outro erro foram os subsídios à aquisição de caminhões, o que causou excesso de sua oferta e menor retorno econômico para seus adquirentes. Segundo o economista Rodrigo Zaidan, em 2012 o governo decidiu reduzir para 2,5% ao ano os juros de financiamentos do BNDES para aquisição de veículos pesados, num ano em que a inflação foi de 5,84%. Deve haver inadimplentes mesmo com subsídios desse porte. A consultoria A. C. Pastore criou um índice de circulação da frota de caminhões que em março último estava 26% abaixo de sua média entre 2003 e 2007.
Também se revela desejável, até por questões ambientais, a ampliação da produção de biodiesel e etanol para reduzir a nossa dependência do petróleo, bem como maior presença das ferrovias no transporte de combustíveis.
Quanto à Petrobrás, trabalhei com Pedro Parente no governo federal e vi que tem rara competência como formulador e executivo do setor público. Vinha realizando um excelente trabalho com sua equipe. Nela também destaco Luiz Nelson Carvalho, atual presidente do Conselho de Administração, com quem atuei na mesma condição. O ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira, com quem nós três trabalhamos, certa vez se referiu a Carvalho como “duríssimo” no cargo que então exercia, o de diretor de fiscalização do Banco Central. Soube que Carvalho continuará no posto, o que será bom para a Petrobrás e seus acionistas.
Quanto ao futuro da empresa, não vejo condições de privatizá-la no momento, pois está em recuperação e nessa condição seu preço de venda seria aviltado. Deveria concentrar-se na exploração do pré-sal, sua atividade mais rentável, admitida a presença de concorrentes, e privatizar as refinarias, que poderiam ser abastecidas pela Petrobrás, por seus concorrentes atuando no Brasil e por importações. Tudo isso para assegurar um mercado mais eficiente na produção e mais competitivo nos preços, o que também estimularia a empresa a focar mais nos seus custos.
Na melhor das hipóteses, a “solução” encontrada deve ser vista como provisória e não ampliável. Há muito a fazer para que o País não fique tão vulnerável por sua dependência do petróleo e pela incapacidade de resistir a excessos de membros de uma categoria profissional, inclusive no seu lado patronal, que se comportaram ao arrepio da lei e de normas não escritas de uma sociedade civilizada.
*ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Europa quer cortar transporte rodoviário pela metade até 2050, OESP

Na esperança de barrar o fluxo de caminhões pelas estradas, reduzir o poder de operadores privados e ainda cortar as emissões de CO2, a Europa adotou um plano para cortar em 50% o uso das estradas do continente para o transporte de mercadorias até 2050. Para isso, investiu em apenas cinco anos mais de R$ 100 bilhões. 
Mas, diante das dificuldades regulatórias, do custo ainda elevado de certos trechos e da lentidão no transporte dos trens, tem registrado sérias dificuldades para implementar sua estratégia. 
Trem alemanha
Na Alemanha, 23% do movimento de cargas é feito por trens; na Áustria, o índice é superior a 40% Foto: REUTERS/Wolfgang Rattay
Em 1992, a UE estabeleceu como princípio que iria trabalhar ao longo dos anos para reverter a predominância da rodovia como principal meio de transporte de cargas na Europa. Em 2001, foi estabelecido que os governos europeus se comprometeriam inicialmente a não permitir um aumento do transporte de cargas pelas rodovias, em comparação às ferrovias.
E, em 2011, uma estratégia foi estabelecida de transladar 30% do que hoje passa pelas rodovias aos trens até 2030. Para 2050, 50% da carga terá de ir via rodovias em trajetos de mais de 300 quilômetros. Para chegar a esse objetivo, foi estabelecido que apenas a Comissão Europeia destinaria ¤ 28 bilhões em investimentos. 
Dificuldades. No entanto, documentos da Corte de Auditoria da Europa, uma espécie de Tribunal de Contas da União, apontam que a estratégia tem tido sérias dificuldades para ser implementadas. “O desempenho do transporte ferroviário na UE continua insatisfatório”, destaca. 
Segundo o levantamento, não houve uma aumento de participação dos trens no total de carga transportada entre 2000 e 2016. Entre 2011 e 2016, a taxa de transporte ferroviário chegou mesmo a cair, ainda que marginalmente. 
Por falta de uma regulamentação única entre os 28 países do bloco, obstáculos administrativos e demoras ao passar de um território a outro estariam entre os principais motivos da lentidão em mudar o modelo de transporte do bloco. Hoje, por conta da burocracia e falta de harmonização de leis entre os países, a média de velocidade de um trem de carga é de apenas 18 quilômetros por hora em certos trechos. 
Malha. Atualmente, a Europa conta com 216 mil quilômetros de linhas ferroviárias. Mas, diante da burocracia, exportadores ainda acham no transporte rodoviário uma opção mais econômica. 
O resultado é que, hoje, a cada tonelada de carga transportada por trem, três são levadas por caminhões pela Europa. 
A participação dos trens passou a ser de 17,8% e, para os auditores, a atual realidade “coloca em risco a meta da Comissão Europeia de transladar 30% do transporte de cargas por rodovias para os trens até 2030”. 
Se a média ainda é considerada como baixa, alguns países se destacam. Na Áustria, mais de 42% da carga é feita por meio trens, enquanto a fatia chega a 60% na Letônia. Na Suécia, ela chega a 38%, contra 23% na Alemanha.
No lado oposto estão países como a Irlanda (1,1%), Grécia (1,2%), Espanha (4,6%) e Portugal (6%). 
Fora da União Europeia, a Suíça que é considerada como um modelo. O país dos Alpes conta com o trem para 48% de seu transporte de carga, inclusive o correio. 
A alta proporção foi gerada por conta de pesadas taxas sobre caminhões, a impossibilidade do trânsito de caminhões aos fins de semana, subsídios para trens e limites para o peso a ser circulado pelos Alpes. 

Ao mesmo tempo, 5 mil quilômetros de caminhos permitem uma frequência de 140 trens por cada linha por dia por meio de 671 túneis e 6 mil pontes.