quinta-feira, 24 de maio de 2018

Num outro mundo, FSP

hélio schwartsmanhelio@uol.com.br
Na carta que enviou à presidente do PT, Lula cravou: “Se eu aceitar a ideia de não ser candidato, estarei assumindo que cometi um crime. Não cometi nenhum crime. Por isso sou candidato até que a verdade apareça”.
Compreendo a frustração de Lula e reputo o “jus sperneandi” (direito de espernear) como sagrado, mas receio que a declaração do ex-presidente nem sequer faça sentido. Não há vínculo necessário entre manutenção da candidatura e admissão de culpa.
Se o modelo quântico dos muitos mundos é correto, existe tanto um universo onde Lula é inocente e não sai candidato como um no qual ele é culpado e fica na disputa. Nenhuma combinação imaginável viola a lógica nem as leis da física.
Em qual universo estamos? A Justiça deu seu veredicto, mas, numa democracia, estamos obrigados apenas a acatar as decisões do Judiciário, não concordar com elas. Mesmo assim, acho difícil conceber um mundo no qual um dirigente político muito influente no governo que aceita receber presentes caros de empreiteiros seja inocente.
Não é que isso chegue a violar as leis da física, mas contraria as tendências probabilísticas. Eu e milhões de brasileiros temos sítios, mas nenhuma construtora se oferece para reformá-los de graça. O “reasonable man” dos manuais de direito tem o dever de desconfiar de tamanha generosidade.
Vale ainda observar que o relacionamento que Lula estabeleceu com empreiteiros jamais seria tolerado no PT dos anos 80, que prometia trazer a ética para a administração pública. E o fato de os militantes agora tentarem justificar as atitudes de seu líder apenas reforça a tese daqueles que sustentam que a política, em especial a política partidária, tem mais a ver com identidades do que com princípios. 
E, nesse registro, aquilo que teria bastado para jogar um Maluf atrás das grades por décadas agora é insuficiente para condenar um Lula.
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Yussif Ali Mere Jr: Saúde, desperdício e corrupção, FSP

Yussif Ali Mere Jr, presidente do Sindicato e da Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo, durante seminário promovido pela Folha - Reinaldo Canato - 14.jun.16/Folhapress
Pesquisa Datafolha divulgada recentemente mostra mais uma vez que a saúde é a segunda maior preocupação dos brasileiros, atrás da corrupção e seguida da segurança pública e do desemprego. A saúde figura nessa lista negra há anos. Mas por quê?

O setor de saúde brasileiro movimenta mais de R$ 550 bilhões por ano. Desse total, 47% são recursos públicos destinados à assistência de 77% dos brasileiros que dependem do SUS. O setor suplementar e o gasto direto das famílias somam 53% dos recursos, mas só 23% da população possuem plano de saúde.

O investimento público é incapaz de fazer valer o que determina a Constituição, que "saúde é direito de todos e dever do Estado". Faltam recursos à saúde, mas também podemos fazer mais com o que temos.

O desperdício é um mal a ser combatido. A Organização Mundial de Saúde calcula que entre 20% e 40% de todos os gastos em saúde são desperdiçados por ineficiência. No Brasil, isso representa de R$ 110 bilhões a R$ 220 bilhões. Os ralos são enormes e ajudam a entender por que a saúde é tão mal avaliada pelos brasileiros.

A assistência deveria ser prestada por equipe multiprofissional integrada e de forma horizontalizada. Nesse processo, o papel de muitas profissões precisa ser revisto. A formação, inclusive do médico, deve ser repensada, para que o sistema ganhe mais generalistas e o hospital, que é uma estrutura cara, deixe de ser a porta de entrada do sistema. A baixa capacidade resolutiva dos hospitais é outro problema a ser enfrentado. Estudo do Banco Mundial mostra que só 40% dos mais de 430 mil leitos são ocupados no país, justamente por baixa complexidade. Isso custa ao sistema cerca de R$ 20 bilhões por ano.

No SUS, o programa Estratégia Saúde da Família já atinge 70% da população. São mais de 70 mil equipes atuando no país. Com a estrutura da atenção básica encaminhada, nota-se um gargalo na assistência de média e alta complexidade e na ausência do médico de referência. O agendamento para consultas com especialistas e exames é demorado e, muitas vezes, o paciente chega para tratamento com a saúde já debilitada, diminuindo a eficácia e onerando o processo.

Exames feitos em duplicidade; ausência de banco de dados informatizado e de sistemas de comunicação; baixo número de estabelecimentos com qualidade certificada; modelos assistencial e de remuneração perversos; falta de integração entre os setores público e privado; ausência de redes integradas e hierarquizadas de assistência e de mais políticas de prevenção e promoção são outros pontos, entre tantos, que se atacados podem diminuir o desperdício.

Não podemos avaliar a saúde apenas sob o ponto de vista assistencial. A área tem demandas de infraestrutura —como saneamento básico— e de educação que podem impactar positivamente alguns indicadores. A saúde precisa ser vista de forma ampla, responsável e sem corporativismos, se quisermos garantir a sustentabilidade do sistema.

Além disso, o cidadão deve ser educado para assumir a responsabilidade pela sua saúde e também pelos políticos que elege. Combater a corrupção, atualmente campeã na lista de preocupações, também é garantir mais recursos para saúde, educação e segurança pública.
Yussif Ali Mere Jr.
Médico nefrologista e presidente da Federação e do Sindicato dos Hospitais, Cínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (Fehoesp e Sindhosp)

A alta dos combustíveis, Celso Ming, OESP

Como sempre acontece nas casas em que é preciso pagar uma conta graúda, todos gritam, fazem confusão e quase ninguém tem razão.
A gritaria dos caminhoneiros contra a conta do óleo diesel conseguiu que a Petrobrás anunciasse redução do preço do combustível em 10% por 15 dias. Mas vai na direção equivocada  de que o governo ou a estatal devem assumir tal carga, como se a empresa fosse a causa do aumento dos preços internacionais do petróleo e da alta do dólar, responsáveis pelo esticão de 8,2% nos preços do óleo diesel em seis meses.
O argumento de que os preços ao varejo têm de ser previsíveis, como está nos comunicados da associação dos caminhoneiros, não guarda relação com a prática da economia. Os preços do tomate, do chuchu, da batatinha, da alface, de todos os grãos e das carnes variam todos os dias. As cotações das commodities mudam até mesmo ao longo do dia. As tarifas das passagens aéreas ou dos táxis regidos por aplicativos podem mudar a qualquer momento. Os mais importantes preços do dinheiro, o câmbio e os juros, também.
Enfim, os principais preços da economia não garantem a pretendida previsibilidade, nem no atacado, nem no varejo. Exigi-la para os combustíveis é ignorar a realidade. Na maioria dos países do Ocidente, os preços dos combustíveis são fixados pelas companhias de petróleo e podem, sim, mudar todos os dias. É assim nos Estados Unidos, no Canadá e em quase todos os países da Europa. O maior problema dos preços dos combustíveis no Brasil não é a periodicidade dos reajustes, que pode ser diária, mas a altíssima carga tributária sobre os preços no varejo.
As alíquotas da Cide e do Pis/Cofins (impostos federais) são baixas se comparadas às do ICMS. O Rio, por exemplo, cobra 16% no diesel que, na verdade, correspondem a 25%, porque são calculados “por dentro”, ou seja, como se a própria parcela do imposto integre o preço e sobre ele se calcule o ICMS.
A zeragem da Cide decidida na quarta-feira é expediente ilusório. Reduziu em apenas 1,0% os preços do óleo diesel. E, ainda assim, deu motivo para que o governo exigisse do Congresso o fim da desoneração das folhas de pagamento das empresas. A alta dos preços do petróleo produziu, por si só, aumento da arrecadação com royalties e impostos em volume tal que mais do que já compensa as perdas com a redução da Cide a zero.
Em março, quando ainda ministro da Fazenda, Henrique Meirelles manifestou a intenção de mudar a taxação dos combustíveis pelos Estados. Argumentou que, quando do aumento dos preços dos combustíveis e, portanto, do crescimento da arrecadação, os governadores sempre criam despesas fixas. Quando os preços caem, a arrecadação também cai e deixa sem cobertura despesas que são fixas. Por isso, propôs ele, a incidência variável dos impostos sobre os preços finais. Mas a ideia esbarrou na oposição dos governadores.
A disparada dos preços dos combustíveis tornou-se elemento sensível porque a economia está desequilibrada. O desajuste das contas públicas deixa o País com água até o pescoço. Basta marolinha para engolir água. Ou seja, os problemas de fundo não são os da alta do petróleo, mas a desorganização fiscal.
CONFIRA
 
» Inflação ainda fraca
Apesar dos seguidos reajustes dos combustíveis e apesar da alta do dólar que encarece os importados, a inflação continua fraca. No período de 30 dias terminados dia 15 de maio, o principal medidor do custo de vida, o IPCA-15, aumentou apenas 0,14%. Em 12 meses, a inflação ficou ainda mais baixa: caiu de 2,8% em abril para 2,7% em maio. Dá para apostar em que, em todo o ano de 2018, a inflação fique abaixo dos 4,0% e, portanto, fique abaixo da meta perseguida pelo Banco Central.