segunda-feira, 21 de maio de 2018

Ser credor em dólar faz país ganhar tempo para solucionar problema fiscal - ALEXANDRE SCHWARTSMAN, FSP


FOLHA DE SP - 16/05

Quadro político, no entanto, não colabora para a solução do desequilíbrio nas contas públicas

Por que o dólar subiu tanto? Fácil: porque passei dez dias no exterior (Portugal, participei de prova de ciclismo no Douro, incrível, obrigado por perguntar) e sempre que viajo para fora o dólar dá um jeito de subir, pelo menos até que pague a fatura do cartão do crédito...

Entendo, porém, que nem todo o mundo compartilhe minha opinião. Nesse caso, o melhor é olhar o que está acontecendo globalmente com o dólar, que tem se valorizado diante das demais moedas mundiais, embora, é claro, não na mesma proporção. Um euro, por exemplo, comprava cerca de US$ 1,24 há cerca de um mês; hoje, compra menos do que US$ 1,20.

Parte do fortalecimento da moeda americana se deve às tensões geopolíticas. O dólar costuma ser visto como um porto seguro para aplicações, mesmo quando os Estados Unidos estão no centro da turbulência, seja ela política, como hoje, seja econômica, como, por exemplo, durante a crise financeira no final de 2008.

Outra parte da história se deve à percepção de que a inflação americana, ainda que permaneça em patamares relativamente baixos, finalmente começou a se mover.

Assim, o IPC, deduzidos alimentos e combustíveis, ultrapassou a marca de 2% nos últimos 12 meses pela primeira vez desde fevereiro do ano passado. A medida favorita do Federal Reserve, o deflator do consumo (também livre de alimentos e combustíveis), segue um pouco abaixo disso (1,9% nos 12 meses até março), mas a tendência de elevação é também visível.

Obviamente não se trata de aceleração descontrolada, longe disso, mas tais números se traduzem em probabilidades mais elevadas de aumentos da taxa de juros americana além do que era esperado no começo do ano. Assim, a taxa de juros de dez anos do Tesouro americano, que embute as perspectivas de alterações das taxas de juros mais curtas, veio de 2,5% anuais para 3,0% ao ano do começo de 2018 para cá.

Aos poucos, portanto, as condições financeiras vão finalmente se normalizando, dez anos depois da crise de 2008. Isso significa que a enorme liquidez mundial que caracterizou esse período deve declinar gradualmente, processo liderado pela economia cuja recuperação foi mais longe, os Estados Unidos, o que, naturalmente, implica dólar mais forte.

A reação de cada moeda, contudo, não deve ser, a princípio, a mesma, muito embora o impulso original o seja. Características específicas de cada país, como a extensão do seu desequilíbrio externo (portanto, a necessidade de recorrer a capitais internacionais) ou problemas fiscais, modulam a resposta das moedas à mudança internacional.

Assim, moedas de países com elevados desequilíbrios externos, como a lira turca, sofreram forte desvalorização.

Já no caso do Brasil o problema é, como de praxe, fiscal. A dívida governamental já ultrapassou 75% do PIB (Produto Interno Bruto), e o déficit operacional recorrente do setor público permanece na casa de 5% do PIB.

Mais relevante, porém, do que os números é a noção de que o quadro político não colabora para a solução dos desequilíbrios nas contas públicas. Pelo contrário, o que se vê é o predomínio da hostilidade ao processo reformista e, portanto, a desvalorização da moeda.

Prevalece, apesar disso, o fato de o país ser credor em moeda estrangeira, fenômeno que limita a realimentação da fraqueza do real para os balanços dos setores público e privado. Isso não soluciona a questão fiscal, mas ganha tempo para o país decidir se irá (ou não) tomar o rumo correto.


Alexandre Schwartsman

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é

Brasil de mármore e de murta, Karnal OESP (definitivo)

Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo
20 Maio 2018 | 03h00
O Padre Vieira criou uma ideia em seu Sermão do Espírito Santo, em 1657. Alguns povos, pensava o inaciano, são de difícil mudança e resistem à pregação do Evangelho. Diz o português que: “Há umas nações naturalmente duras, tenazes e constantes, as quais dificultosamente recebem a fé e deixam os erros de seus antepassados; resistem com as armas, duvidam com o entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam, argumentam, replicam, dão grande trabalho até se renderem; mas, uma vez rendidos, uma vez que receberam a fé, ficam nela firmes e constantes, como estátuas de mármore: não é necessário trabalhar mais com elas”. No caso desses povos, a conquista espiritual seria muito complexa e demorada. Uma vez realizada a tarefa hercúlea, a nova imagem seria dura como a pedra e os convertidos ficariam apegados de forma definitiva à Boa-Nova. 
Haveria outros povos, como os indígenas do Brasil, que teriam comportamento oposto. Seriam dóceis e receptivos ao novo modelo religioso. A facilidade da adesão seria acompanhada pela pouca constância no caminho de Jesus. Imediatamente cristianizados e com rapidez voltando às crenças antepassadas. No caso em questão, em vez de mármore, seria como esculpir em um arbusto, a murta, planta sobre a qual o jardineiro hábil pode produzir formas inventivas. Passadas algumas semanas (Vieira fala em 4 dias), o arbusto perde o modelo e retorna ao estado natural. No mundo clássico, a murta era dedicada à deusa do amor, Vênus/Afrodite, reforçando sua mutabilidade. Os “gentios” do Novo Mundo eram alunos ambíguos: aceitariam tudo que lhe ensinam e, teimosos, permanecem apegados ao seu universo de valores. 
A metáfora do lisboeta foi aproveitada por Eduardo Viveiros de Castro. Em artigo hoje inserido em livro (A Inconstância da Alma Selvagem, em nova edição pela Ubu Editora, 2017), o antropólogo discorre sobre o impacto cosmológico provocado pela catequese dos jesuítas, especialmente sobre a prática do canibalismo. Os padres reclamavam que os indígenas adoravam nada e isso dificultava a mudança religiosa, pois escapavam dos modelos de idólatras que os jesuítas tinham a partir da memória histórica da conversão da bacia do Mediterrâneo no Baixo Império Romano. Pior, os indígenas não teriam fé porque não tinham lei e não tinham lei porque não tinham rei. Sem um sistema tradicional de submissão a um rei e a um código jurídico, era difícil substituir o mundo nativo pela nova lei e pelo novo rei europeu. No fundo, o desafio para os jesuítas e para alguns da escola de Émile Durkheim, os tupinambás não tinham religião.
Sem Fé, sem Lei e sem Rei (que Pero de Magalhães Gândavo atribuiu à falta de F, L e R na língua tupi), os habitantes originais daqui seriam incapazes de realizar a incorporação da norma europeia porque não tinham norma anterior. O selvagem seria inconstante e incapaz de adaptar-se a um sistema civilizado. Grande parte do pensamento conservador da intelectualidade brasileira nos séculos seguintes dialogaria com a ideia do Padre Vieira. “O brasileiro não tem jeito”, “a saída para o Brasil é o aeroporto” e outras frases que reforçam a construção (quase sempre urbana e branca) de um país impossível de atingir patamares dignos de uma pátria moderna. A culpa? Ela já foi colocada nos grupos humanos constitutivos da sociedade dos trópicos ou no clima. Haveria, dizem preconceituosamente há séculos, uma combinação nefasta de preguiça, magia e dependência do Estado, fruto da mistura de indígenas, africanos e portugueses. 
Com outro recorte e com outra intenção, há o filme dirigido por Sérgio Bianchi: Cronicamente Inviável (2000). Na obra, as contradições regionais e as diferenças sociais são retratadas não como mazelas que podem ser refeitas a partir de uma ação efetiva, porém algo impossível de ser remediado, pois seria, justamente, crônico. Assim, sem citar Vieira, nós seríamos, como sociedade, um arbusto de murta. Aceitamos docemente qualquer choque de gestão, um programa novo de governo ou um planejamento bem ou mal-intencionado porque, no fundo, todos sabemos que, em breve, tudo voltará ao original informe. Novas chefias e novas regras são bem recebidas, pois, basicamente, não acreditaríamos que possam ser efetivas ou duradouras.
Minha experiência como professor é que toda regra enunciada no início do semestre é recebida com anuência silenciosa pelos alunos. Iniciam-se os trabalhos letivos e, lentamente, os discentes percebem que a regra é real e que será implementada. Então começam os choques e os pedidos para que elas sejam mudadas. É interessante: a regra (ou, se preferirem, a lei) não causa reação. Acredita-se que ela também será murta. Quando é notada a consistência marmórea na implementação, a resistência surge. Lembro-me do espanto de um amigo alemão ao ver a notícia de uma lei estadual afirmando que menores não poderiam comprar bebidas alcoólicas. Ele me perguntou: “Antes podia”? Eu disse que nunca foi possível, que sempre fora proibido, mas agora era efetivamente interditado. Claro, estimado leitor e querida leitora: o alemão não conseguiu entender o advérbio: como seria algo “efetivamente” proibido e como seria possível de distinguir de algo apenas proibido. Notável falta de imaginação germânica para nossa elasticidade interpretativa. Tem jeito? Seremos sempre murta? Bem, outubro está aí e teremos de responder de novo a essa questão. Bom domingo a todos!

domingo, 20 de maio de 2018

Fundo do poço, Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
20 Maio 2018 | 05h00
Como a política brasileira chegou a esse fundo de poço? Uma das origens está em 1994, quando o PT e o PSDB ficaram muito próximos e, depois, não apenas se separaram como passaram a se odiar. E a se destruir, abrindo espaço para legendas oportunistas, conchavos escandalosos no Congresso, toda sorte de desmandos e corrupção. O resultado é o esfacelamento do PT, o imenso desgaste do PSDB, uma indefinição preocupante para outubro e um exército de “coxinhas” e “mortadelas” se atacando irracionalmente pela internet, incapazes de entender que estão entregando o campeonato de bandeja para os reais inimigos.
O grande líder e candidato do PT está preso, o mais poderoso ex-presidente do partido acaba de voltar para a prisão com uma nova condenação, de 30 anos, a atual presidente é alvo da PF e tem horizontes nebulosos no Supremo. Sem candidato e sem comando, fica difícil fechar alianças e traçar estratégias. E o tempo está correndo.
No PSDB, o único candidato de “centro” com alguma viabilidade não sai do lugar, os ex-candidatos enfrentam processos graves na Justiça e na próxima terça-feira um de seus ex-presidentes pode estar a caminho da prisão. E o partido se contorce no eterno dilema de ser ou não ser qualquer coisa. Uma ala pragmática defende alianças. Seu maior líder lança manifesto por alianças restritas.
A cada petista enroscado na Lava Jato, o PT reage com o mesmo refrão: “Mas o PSDB....” A cada tucano enrolado, o PSDB reclama: “Não somos iguais ao PT...”. O PT só pensa no PSDB, o PSDB só pensa no PT. Enquanto isso, o inimigo comum Jair Bolsonaro é o segundo nas pesquisas, o ex-PDS Ciro Gomes se lança como esquerda e cisca à direita e a ex-PT Marina Silva atrai os perplexos.
Em 1993 e 1994, o PSDB admitia abrir mão da cabeça de chapa para Lula, então considerado imbatível. Mas o PT, que é o PT, não retribuiu na mesma moeda quando Fernando Henrique patrocinou o Plano Real e o jogo se inverteu. O PT, que aceitava de bom grado a aliança a seu favor, nem sequer considerou ser a favor dos velhos parceiros de combate à ditadura.
Isso empurrou o governo Fernando Henrique para os braços do então PFL, hoje DEM, para o PMDB, hoje MDB, e para o desgastante e perigoso jogo do toma-lá-dá-cá no Congresso. Sem 308 votos na Câmara e 54 no Senado, nenhum presidente aprova reforma e avanço nenhum. E, quando veio o PT, Lula mergulhou alegremente nessa farra e ultrapassou todos os limites. Como pano de fundo, a luta feroz entre petistas e tucanos e o vale tudo nas campanhas, com o confronto direto entre eles em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014.
O resultado é que PT e PSDB estrebucham no fundo do poço da política brasileira, enquanto o inimigo comum esfrega as mãos. O Centrão se prepara para, ou pular no barco vitorioso, ou até lançar candidatura própria, mas com um objetivo: fazer do próximo governo um novo refém no Congresso. Nada passa sem DEM, PP, PRB e Solidariedade, que ainda negociam com PR, PSC e Avante. E eles só crescem...
Em algum momento, alguém precisa dizer ao PT e ao PSDB que um não é mais o principal inimigo do outro, até porque nunca, jamais, em tempo algum, os dois estiveram tão fracos e tão sem horizontes com neste 2018 cercado de incertezas. E de temores.

Temer

Do secretário de Comunicação do Planalto, Márcio de Freitas, sobre a coluna de sexta, 18 de maio, Murro em ponta de faca: “O governo Temer nunca parou de trabalhar. (...) Trouxe para o País o menor índice de taxa Selic e de juros básicos e a menor inflação desde o Plano Real. (...) O líder da agência Moody´s para a América Latina, Mauro Leos, declarou: “(...)Temer fez em apenas dois anos o que muitos presidentes não fizeram em quatro ou oito”.