sexta-feira, 30 de março de 2018

Nenhuma bala é perdida ,FSP

Nenhuma bala é perdida 

Quem naturaliza atentados, ajuda a abrir a porta para a naturalização de toda forma de reação 

"Ele colheu o que plantou". Foi com esta frase singela que o governador de São Paulo e candidato a presidente da República, Geraldo Alckmin, comentou os tiros que atacaram a caravana eleitoral de um ex-presidente. No que o vice-rei da província de São Paulo foi seguido por outros personagens da fauna política local a repetir análises no mesmo tom.
Reações desta natureza demonstram a explicitação de uma dinâmica de guerra civil que há tempos orienta a vida nacional. Ela vem semanas depois do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, que caminha calmamente para o esquecimento e para a blindagem dos envolvidos. Ela vem meses depois que manifestantes foram recebidos a bala em Brasília enquanto brigavam contra as "reformas" do atual desgoverno.
Mas analisemos o momento de honestidade de quem afirma, diante de balas: "Ele colheu o que plantou". A ideia por trás é que os que acirram conflitos sociais, os que "jogam um lado da sociedade brasileira contra o outro" (como se fosse necessário realmente jogar um lado contra o outro, como se isto já não fosse a situação real desde há muito), não devem reclamar quando são acolhidos a bala. Ou seja, tudo se passa como se não houvesse diferença alguma entre a violência simbólica da política e a violência real da eliminação física do outro.
No entanto, esta diferença existe. Primeiro, devemos falar de violência simbólica porque a política é uma atividade violenta, ela sempre foi e sempre será. Ela é a atividade produzida pela consciência de que nossas sociedades são antagônicas, por isto ela mobiliza continuamente as divisões existentes na vida social, ela as nomeia enquanto os verdadeiros antipolíticos querem escondê-las para melhor perpetuá-las. Eles querem vender a paz, a necessidade de unidade enquanto continuam a guerra social e a acumulação a partir de interesses particulares. Em política, quem fala em unidade normalmente mente, pois a única unidade possível é aquela que reconhece o caráter originário da divisão.
Por isto, a política é indissociável do uso da força da pressão, da paralisação, da resistência, da não colaboração, da desobediência, da revolta. Isto, no entanto, não significa a eliminação física do outro. Significa lutar pela constituição de novas hegemonias e partilhas do poder. Significa destituir o poder de certos grupos e eliminar sua força, o que não significa atirar contra quem questiona seus privilégios (mesmo que este não seja exatamente o caso do ex-presidente Lula, diga-se de passagem).
E nem há, é sempre bom lembrar, linha direta alguma que vá da tensão simbólica em redes sociais à bala.
Neste sentido, as balas que correm nos nossos dias não são consequência de uma maior divisão e antagonismo da sociedade brasileira. Elas são, na verdade, a reação desesperada para tentar barrar tal divisão, para amedrontar os que começam a perceber sua impressionante resiliência. No Brasil, todas as vezes que a consciência dos antagonismos sociais aflora, balas começam a chover e discursos do tipo: "Quem semeia vento, colhe tempestade" retornam. Há um bestiário enorme de discursos desta natureza desde a República Velha: a mesma república da qual a classe política brasileira parece nunca ter saído. Neste sentido, a melhor resposta a tais situações é lembrar que não precisamos de mais unidade, precisamos de mais divisão, de parar de temê-la e começar a aceitá-la.
Já a estes que gostam de justificar a violência real ou que demonstram uma complacência explícita com ela, talvez seja o caso de lembrar que não há lei nenhuma da física que garanta que balas só correm da direita para a esquerda. Ao que se sabe, a fraca resistência do ar é a mesma dos dois lados. Quem naturaliza ou minimiza atentados, ajuda a abrir a porta para a naturalização de toda forma de reação. No entanto, não me parece que seja este o horizonte que queremos. Seria, por isto, mais prudente parar por aqui.
Vladimir Safatle
Filósofo, é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP (Universidade de São Paulo).

Após prisões, Planalto diz que Temer é alvo de canhões da conspiração, FSP

Após prisões, Planalto diz que Temer é alvo de canhões da conspiração

Escalado para defender governo, Carlos Marun insinuou que há complô por causa de pré-candidatura do presidente

Temer fala durante evento
Temer durante evento no Espírito Santo - Alan Santos/AFP
Escalado pelo Palácio do Planalto para defender Michel Temer, o ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo) disse, na noite desta quinta-feira (29), que o presidente se tornou alvo de “canhões da conspiração” e de um “complô” depois que se colocou como pré-candidato à reeleição.
“Entendemos que a decisão do presidente de colocar a possibilidade de que venha disputar a reeleição, colocar como concreta essa possibilidade, faz com que, novamente, se dirijam contra nós os canhões da conspiração”, afirmou Marun após uma reunião com Temer e outros ministros.
O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, fala a repórteres em Brasília
O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, dá entrevista em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters
Temer, que iria para São Paulo nesta quinta-feira para passar o feriado de Páscoa com a família, mudou de ideia e permanecerá em Brasília até segunda-feira (2).
O presidente tem reunido aliados desde o início da manhã, quando uma operação da Polícia Federal prendeu alguns de seus amigos mais próximos, como o empresário e advogado José Yunes, o coronel João Baptista Lima Filho, o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi (MDB), e o empresário Antônio Celso Grecco, dono da Rodrimar, empresa que atua no Porto de Santos.
As detenções foram autorizadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), relator do inquérito que investiga Temer por suposto recebimento de propina em troca de benefícios a empresas do setor portuário via decreto.
Sem citar o nome de Barroso, Marun insinuou que vem do ministro do STF a tal conspiração.
“O Ministério Público tem um papel acusador, existe para isso. Na verdade, penso que caberia ao Judiciário uma atenção maior em relação ao que se coloca na nossa Constituição”, disse Carlos Marun.
O ministro evitou criticar a procuradora-geral, Raquel Dodge, embora tenha sido a PGR (Procuradoria-Geral da República) a solicitante das prisões desta quinta. Marun afirmou que ela tem “outro nível”, criticando o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, que apresentou duas denúncias contra Temer no ano passado, e o ex-procurador Marcelo Miller, que recebeu do escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe Advogados, responsável pelo acordo de leniência da J&F, apenas três meses depois de deixar cargo no Ministério Público Federal.
“Não vejo na procuradora Raquel aquele mesmo viés. Não vejo alguém de dentro do gabinete da procuradora Raquel recebendo dinheiro para orientar gravações ou qualquer coisa neste sentido”, afirmou Marun.
O ministro disse desconfiar de prisões feitas em véspera de feriado e disse ter havido autoritarismo nas detenções para ouvir sobre questões ocorridas antes do mandato.
“Entendo que houve abusos de prender gente para ouvir depoimentos”, disse o ministro. “Não acredito em coincidências. Sempre que o Brasil dá uma reagida, surgem flechas envenenadas dirigidas ao presidente Temer. Não tenho como fazer afirmações ainda, mas, realmente, não sou pessoa de acreditar em acaso. Começo a achar que algumas coisas têm a ver com as outras”, afirmou Marun.
O ministro de Temer tem feito várias críticas a Barroso depois que o ministro do STF autorizou a quebra de sigilo do presidente e determinou alterações no indulto concedido pelo emedebista no fim do ano passado.
Marun deve, inclusive, retomar sua cadeira de deputado em abril para apresentar o pedido de impeachment de Barroso.
O ministro disse que a operação desta quinta-feira não inviabiliza a candidatura de Temer à reeleição e que o governo não acredita na apresentação de uma nova denúncia contra o presidente.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Tesouro, confiança e juros - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 29/03

O Tesouro Nacional, um dos campeões de endividamento na categoria dos emergentes, já se beneficia da redução de juros. Com dinheiro mais barato, tem sido possível baixar o custo médio da dívida federal e melhorar sua trajetória. A dívida continua em crescimento, naturalmente, e assim continuará enquanto o governo for incapaz de gerar superávit suficiente para pagar a conta anual de juros e, em seguida, amortizar o principal. Para isso será necessário um esforço considerável de ajustes e reformas. Quanto mais adiado e retardado esse esforço, tanto pior para as finanças públicas, para os programas de governo, para o crescimento econômico e para o bem-estar da maior parte dos brasileiros. Por enquanto, as boas notícias podem ser muito limitadas, mas sua mensagem mais importante é bastante clara: a seriedade compensa e ninguém deveria levar a sério as promessas de delícias sem custo do populismo.

A dívida pública federal atingiu R$ 3,53 trilhões, com crescimento nominal de 1,53% em um mês. O aumento decorreu da emissão líquida de R$ 28,51 bilhões e da apropriação de juros no valor de R$ 25,55 bilhões. Os novos títulos foram emitidos com o custo de 10,01% ao ano, o menor desde abril de 2010, quando a taxa média ficou em 9,79%.

A parcela correspondente à dívida mobiliária interna foi emitida com juros de 9,1% ao ano, os menores desde o início da série em dezembro de 2005. O custo médio de emissão da dívida mobiliária interna caiu pelo sétimo mês consecutivo. Há razões para esperar quedas adicionais do custo financeiro suportado pelo Tesouro.

Com a inflação abaixo das previsões, o Banco Central (BC) voltou a reduzir a taxa básica de juros, a Selic, na última reunião. Nessa ocasião, a taxa passou de 6,75% para 6,50% ao ano, um piso histórico. Ao anunciar esse corte, o Comitê de Política Monetária do BC, o Copom, indicou a possibilidade de uma nova diminuição em maio. Nesse caso, os juros básicos deverão chegar a 6,25%.

Os cortes da taxa básica foram iniciados em outubro de 2016, quando a Selic estava em 14,25%. Os juros atuais correspondem a menos de metade daqueles em vigor naquele momento. Os novos dirigentes do BC, nomeados depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff, continuaram elevando a taxa durante algum tempo para derrubar com segurança a inflação. No começo daquele ano os preços ao consumidor acumulavam alta superior a 10% em 12 meses.

Essa alta refletia uma ampla desorganização da economia, com as contas públicas em frangalhos e sem perspectiva de recuperação, oferta de bens industriais comprometida pela recessão, contas externas em mau estado e insegurança disseminada em todos os setores. O aperto monetário, iniciado na gestão anterior, continuou indispensável por algum tempo, mas o recuo da inflação é explicável também pelo início da política de arrumação fiscal. A nova atitude do governo favoreceu o ressurgimento da confiança no futuro da economia.

A ampla mudança no cenário de inflação e de juros, a partir daquele momento, reflete-se tanto nos custos quanto na composição da dívida. De janeiro para fevereiro a parcela com remuneração prefixada aumentou de 33,80% para 34,33%. A participação dos títulos corrigidos com base em índices de preços diminuiu de 30,17% para 29,66%. O resto corresponde essencialmente aos papéis com juros flutuantes. Os efeitos da inflação contida e ainda com perspectiva de baixa e dos juros diminuídos têm sido visíveis, há algum tempo, nas escolhas dos compradores de títulos federais.

A disposição dos financiadores do governo pode mudar, no entanto, se aumentarem as dúvidas quanto à continuidade dos ajustes e reformas. A advertência, formulada por técnicos do Tesouro, é quase redundante. Assim como as boas expectativas do mercado têm facilitado a gestão da dívida pública, a redução da confiança produzirá em pouco tempo o efeito oposto. Desnecessária para o mercado, a mensagem vale para os políticos e, muito especialmente, para os candidatos às eleições deste ano.