segunda-feira, 26 de março de 2018

Investimentos em São Paulo, OESP


Embora ainda lenta no ano passado, a recuperação já era disseminada e firme, e dados e projeções recentes indicam sua aceleração ao longo de 2018

O Estado de S.Paulo
26 Março 2018 | 05h00
O expressivo aumento observado nos investimentos anunciados para o Estado de São Paulo em 2017, de 133% sobre o ano anterior, é mais um indicador que confirma o vigor da retomada da atividade econômica em todo o País. Embora ainda lenta no ano passado, a recuperação já era disseminada e firme, e dados e projeções recentes indicam sua aceleração ao longo de 2018. O maior volume de investimentos em São Paulo anunciados no ano passado concentrou-se no setor de infraestrutura, o que tende a propiciar condições mais seguras para o crescimento. Seguiu-se o setor industrial, confirmando a vocação econômica do Estado.
De acordo com a Pesquisa de Investimentos Anunciados no Estado de São Paulo 2017, que acaba de ser concluída pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) – instituição vinculada à Secretaria de Planejamento do governo do Estado de São Paulo –, os investimentos somaram US$ 18,7 bilhões no ano passado. Os resultados referem-se exclusivamente a 474 investimentos cujos valores foram informados pelas empresas. A instituição constatou que outros 365 empreendimentos foram anunciados no ano passado pelas empresas, mas não foram incluídos na pesquisa porque seus valores não foram especificados. É possível, por isso, que o Estado tenha recebido investimentos maiores do que os informados pela pesquisa.
O anúncio de um investimento não é garantia de que ele será efetivado, mas revela as expectativas da empresa em relação ao futuro de suas atividades e o grau de sua confiança na economia em geral. O montante anunciado em 2016, de US$ 8,0 bilhões, é o menor da série de pesquisas da Fundação Seade iniciada em 1998. Esse dado confirma o que outros indicadores haviam sugerido, isto é, que a crise iniciada na segunda metade de 2014, no final do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, atingiu seu ponto mais agudo no ano em que ela foi afastada do cargo. Embora a base de comparação seja baixa, a recuperação é vigorosa, pois o total de investimentos anunciados mais do que duplicou. Já se dissipava, no ano passado, o clima de incerteza e insegurança que marcou os anos anteriores e inibia os investimentos, sobretudo os de médio e longo prazos.
Na administração pública estadual, a persistência da disposição de transferir para o setor privado atividades que este pode desempenhar com maior eficiência tem propiciado investimentos expressivos em infraestrutura. Dos recursos anunciados no ano passado, 45,3% (ou US$ 8,4 bilhões) referem-se a investimentos em infraestrutura. Nesse setor, a pesquisa da Fundação Seade inclui alguns segmentos da indústria, como derivados de petróleo e biocombustíveis, gás e eletricidade; água, esgoto e gestão de resíduos. Também alguns serviços, como transporte, armazenagem e correio, foram incluídos no grupo denominado infraestrutura. Assim, entre os principais investimentos em infraestrutura anunciados no ano passado estão os destinados a transportes (US$ 6,3 bilhões), energia (US$ 1,9 bilhão) e saneamento básico (US$ 195,4 milhões).
Quanto aos investimentos anunciados para o setor industrial, quase 75% do total de US$ 7,2 bilhões estavam relacionados à indústria automobilística. Desses investimentos se destacam os anunciados pela montadora General Motors na modernização de sua fábrica de São Caetano do Sul, para o desenvolvimento de novos produtos e atualização de modelos já em produção. Também a Volkswagen está modernizando sua unidade de São Bernardo do Campo, com a introdução de 373 robôs. A Toyota, de sua parte, anunciou a instalação de uma linha de montagem para a produção de um novo modelo.
O único segmento em que os investimentos diminuíram no ano passado foi o de serviços, em razão do fraco desempenho do setor imobiliário.
Do ponto de vista regional, a região metropolitana de São Paulo recebeu o maior volume de investimentos (US$ 10,5 bilhões), seguindo-se, pela ordem, Campinas, Sorocaba, São José dos Campos, Bauru, São José do Rio Preto, Região Central e Santos.

Lipoaspiração constitucional, opinião OESP


Creio ser impossível vingar essa ideia de Jobim, restam-nos as emendas pontuais

Almir Pazzianotto Pinto, O Estado de S.Paulo
26 Março 2018 | 05h00
O Fórum Estadão, oportuna iniciativa do Estado, cujo tema de fundo é A Reconstrução do Brasil, iniciou-se na manhã de 27/2 com instigante debate em torno da Constituição. Participaram os juristas Eros Grau, Nelson Jobim e Joaquim Falcão, os dois primeiros ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o último, professor da Fundação Getúlio Vargas.
As opiniões foram unânimes: com a Constituição de 1988 é impraticável governar. Além de críticas ao STF pelo excesso de protagonismo, despertou a atenção a proposta feita pelo ministro Nelson Jobim de se “fazer uma lipoaspiração na Constituição” e dela retirar todos os “excessos para reconstruir a harmonia dos Poderes”.
A prolixidade da Lei Fundamental, apontada pelo ministro Eros Grau, teve como uma das causas a força de corporações, associações e sindicatos empenhados em converter em garantias constitucionais todas as expectativas. O professor Joaquim Falcão destacou o tratamento dispensado aos servidores públicos, que “têm 16 vezes mais chances de levar temas para julgamento no Supremo Tribunal Federal em comparação com trabalhadores da iniciativa privada”, os quais, apesar da posição de inferioridade, gozam da proteção de 6 artigos, 42 incisos e 4 parágrafos.
Com 250 artigos, 114 disposições constitucionais transitórias e 99 emendas, a Lei Superior perde em extensão apenas para a da Índia. E me traz à lembrança a frase do jurista espanhol Pablo Lucas Verdú: “La prolijidad de uma Constitución se paga al precio de la dificultad de su interpretación. La dificultad de su interpretación com el fracaso de su aplicación” (Curso de Derecho Politico, Ed. Tecnos, Madrid, 1986, 440).
Uma das razões da prolixidade reside na manobra política que viciou a eleição dos integrantes da Assembleia Nacional Constituinte. É impossível ignorar que 459 deputados e 72 senadores, eleitos em 15/11/1986, foram beneficiados pela sobrevida assegurada ao Plano Cruzado I, decretado em 28/2/1986, tardiamente substituído pelo Plano Cruzado II, baixado em 21/11/1986, seis dias após o pleito. Anos depois admitiu o presidente José Sarney, sobre o Cruzado II: foi o “maior erro que cometemos no governo e por ele paguei muito caro”.
Com 559 membros na maioria jejunos em técnica legislativa e despreparados em matéria constitucional, os resultados não poderiam ter sido mais desastrosos. O regimento interno teve a relatoria do senador Fernando Henrique Cardoso. Foram criadas 8 comissões temáticas, compostas por 63 membros cada uma, divididas em 3 subcomissões. A tarefa principal ficou reservada à Comissão de Sistematização, integrada por 49 constituintes e presidida pelo senador Afonso Arinos de Melo Franco, tendo como relator o deputado Bernardo Cabral, a figura “mais poderosa, com extrema influência política na condução do anteprojeto”.
Em nome da preservação das liberdades democráticas, ao invés de qualificado grupo de constitucionalistas, tivemos anárquica assembleia cujos trabalhos se desenvolveram sem anteprojeto ou projeto. O texto da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, ou Comissão de Notáveis, criada pelo presidente Sarney por decreto, foi rebaixado a relatório e enviado ao arquivo do Ministério da Justiça. Quatro vetores orientaram os trabalhos da Constituinte: o ativismo das corporações, o ambiente revanchista, o predomínio da utopia e a ignorância da realidade.
Segundo os professores Yan de Souza Carreirão e Débora Josiane de Carvalho de Melo, da Universidade Federal de Santa Catarina (Representação Política na Assembleia Nacional Constituinte – 1987/1988), “durante o processo foram apresentadas 61.020 emendas e 122 emendas populares”. À Comissão de Sistematização foi enviado 1 milhão de assinaturas favoráveis à reforma agrária e 500 mil pela estabilidade no emprego.
Sendo impossível governar com ela, que destino dar à sétima Constituição republicana? A convocação de assembleia constituinte esbarraria no primeiro obstáculo: quem teria a prerrogativa de fazê-lo? As seis Constituições anteriores resultaram de golpe. A exceção é a atual, cujas raízes se encontram na eleição indireta de 1985, vencida por Tancredo Neves, comprometido com a redemocratização do País. Morto Tancredo, Sarney assume a obrigação e envia ao Congresso Nacional, em junho de 1985, a Emenda n.º 85, aprovada em 26/11, com a determinação de senadores e deputados eleitos em 1986 se reunirem em Assembleia Nacional Constituinte no dia 1.º/2/1987.
Poderia o presidente Michel Temer, ou quem vier a suceder-lhe, redigir e submeter ao Congresso projeto de Constituição, como acabou de fazer no Chile a então presidente Michelle Bachelet (Estado, 7/3). O presidente Castelo Branco o fez mediante o Ato Institucional n.º 4/1966, ao ordenar que o Congresso Nacional se reunisse extraordinariamente, de 12/12/1966 a 24/1/1967, para “discussão, votação e promulgação do projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República” (artigo 1.º). Na data aprazada a Constituição foi promulgada. Os tempos são outros. Ao invés do regime militar, temos o Estado Democrático de Direito. No Congresso escasseiam juristas. Embora impraticável, a Lei Magna será mantida e quando possível e conveniente, obedecida.
Se houver como eleger nova Constituinte, presenciaremos a repetição dos problemas na elaboração da Constituição de 1988. Atores, coadjuvantes e figurantes serão outros, mas o enredo não será diferente. Creio ser impossível vingar a ideia da lipoaspiração, apresentada por Nelson Jobim. A quem competirá determinar quais dispositivos serão sacrificados?
Excluída medida de arbítrio, resta-nos prosseguir no acidentado caminho das emendas pontuais. Quem sabe venhamos a ser governados, em algumas décadas, por Constituição merecedora do nome?
*Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

domingo, 25 de março de 2018

'O governo virou gestor de folha de pagamento', diz economista, OESP


Eduardo Giannetti da Fonseca critica ‘intervencionismo truculento’ de Bolsonaro e diz que Marina precisa de um vice experiente

Renata Agostini e Alexandre Calais, O Estado de S. Paulo
25 Março 2018 | 05h00
Eduardo Giannetti da Fonseca
Eduardo Gianetti vê candidatura de Marina Silva como melhor opção, mas não quer estar na linha de frente do governo se ela for eleita Foto: Amanda Perobelli/Estadão
Para o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, o fracasso do governo Dilma Rousseff deixou o País vacinado contra “recaídas populistas” e, por isso, reformas, como a da Previdência, são inevitáveis. Segundo ele, é urgente a revisão de gastos obrigatórios do governo, que está virando mero gestor de folha de pagamentos. A solução para o problema fiscal só virá com mudanças no pacto federativo que deem mais autonomia a Estados e municípios para tributar e que reduzam o governo central, afirmou ao Estado
Giannetti criticou Jair Bolsonaro (PSL), a quem credita um passado de “intervencionismo truculento”, e disse que Marina Silva (Rede) precisa de um vice com experiência gerencial caso queira que seu projeto se torne realidade. Ele disse que não terá papel ativo na campanha da ex-senadora como em 2014, quando foi coordenador do programa econômico. 
Estado: O sr. integrará novamente o time de Marina Silva na eleição? 
Eduardo Giannetti da Fonseca: Tentarei ajudá-la. Mas não quero assumir compromisso de estar na linha de frente. Não me sinto bem nessa situação. Desejo contribuir com a melhoria da vida dos brasileiros e considero a candidatura de Marina Silva a melhor opção, mas não tenho perfil executivo. 
O sr. já falou que Marina tem de definir se é líder de um movimento ou candidata ao Executivo. O que gostaria de ver? 
Para ser candidata ao Executivo, precisa ter propostas claras, que não vão agradar. É um privilégio para qualquer país ter uma liderança política com as qualidades que Marina tem. Mas não vejo nela definição clara como postulante ao cargo. Ela precisaria de, no mínimo, um vice-presidente com excelentes qualificações e experiência gerencial para que esse projeto possa ser realidade. 
Qual o principal problema do País hoje no campo econômico? 
O Brasil tem carga tributária de 33%, muito acima do padrão de um país de renda média, e não atende às necessidades mais elementares da vida civilizada. Metade dos municípios não tem coleta de esgoto, indicadores de saúde e educação estão defasados, nossa segurança pública é uma calamidade. O Bolsa Família, principal programa de transferência de renda, representa 0,5% do PIB. É a migalha que cai da mesa. Gastamos 9% do PIB em saúde e temos indicadores muito abaixo do razoável. O Banco Mundial mostrou que poderíamos gastar 30% menos para ter desempenho igual. Em educação, gastamos 6% do PIB. Países como Colômbia gastam menos e têm o mesmo resultado no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Gastamos muito mal. 
O que está por trás disso? 
Há um problema de pacto federativo mal resolvido, gerado pela Constituição de 1988. Se tudo tivesse ido bem, o crescimento dos gastos nos Estados e municípios acompanharia a redução dos gastos do governo central. Mas os três níveis cresceram ao mesmo tempo. A sociedade passou a carregar dois Estados superpostos, no que chamo de federalismo truncado. A solução do problema fiscal brasileiro passa por corajosa mudança no desenho do pacto federativo. Menos Brasília e mais Brasil. Diminuir o governo central e dar a Estados e municípios mais autoridade para tributar. O dinheiro público deve ser gasto o mais perto possível de onde é arrecadado. 
Como isso ajudaria? Estados estão falidos e pedindo socorro. 
Temos de construir o mínimo de cidadania tributária. Há 5.570 municípios e 90% deles praticamente não arrecadam e vivem de mesada constitucional. O cidadão desse município não tem noção de quanto paga, para onde vai o dinheiro. As questões relevantes para o cidadão se dão onde ele mora. Precisamos é de governo local. 
O que fazer com temas mais imediatos, de desajuste fiscal? 
A reforma da Previdência é inescapável. Temos oito pessoas em idade de trabalho para cada pessoa acima de 65 anos. Em 2060, serão 2,3 para 1. Se seguir assim, em breve estaremos gastando todo o Orçamento do governo em benefício previdenciário. O déficit da Previdência de 4 milhões de inativos e pensionistas da União, Estados e municípios é maior que o de 29 milhões do INSS. É um sistema de castas previdenciário. Tem de ter governo legítimo, recém-eleito, para enfrentar essas corporações que defendem privilégios adquiridos. Não dá para estar num País em que 92% do Orçamento do governo federal são gastos obrigatórios. Os governos no Brasil estão virando gestores de folha de pagamento. 
Como o sr. vê a proposta de uma ampla privatização? 
Vejo com bons olhos, mas não para cobrir rombo fiscal de curto prazo. Uma das coisas que o economista aprende na vida é não confundir estoque e fluxo. Não se vende a prata da família para jantar fora – essa é a mensagem. 
No campo econômico, vemos candidatos com agendas muito parecidas. O que isso significa?
Acho que alguns têm confiabilidade muito baixa, à luz do seu passado. Refiro-me a Jair Bolsonaro (PSL), cujo passado é de intervencionismo truculento, uma visão nacionalista e contrária a tudo que acredita Paulo Guedes (coordenador do programa de Bolsonaro). Seria um caminho de aventura. Lembrei-me de frase que ouvi na Inglaterra: ‘economistas podem ser mais ingênuos sobre política do que políticos podem ser sobre economia’. Se aplica bem ao Paulo Guedes. 
Ele não sabe onde se meteu? 
Acho que não tem a menor ideia – o que é uma interpretação caridosa para ele. É muito pior se ele souber onde está se metendo. 
Vender-se como liberal ajuda politicamente hoje? 
O Brasil passou por uma experiência muito sofrida de neopopulismo no governo Dilma, com coisas como maquiagem das contas públicas para esconder déficit. Estamos, no curto prazo, vacinados. A não ser que prefiramos voltar ao ‘princípio da contraindução’, do Mário Henrique Simonsen, pelo qual a experiência que deu errado inúmeras vezes deve ser repetida até que dê certo. 
Mas há apelo no populismo... 
Espero que tenha havido algum aprendizado após a fraude eleitoral de 2014, quando a candidata que se elegeu mentiu deliberadamente sobre o estado da economia brasileira. A Lava Jato mudou profundamente a percepção do grande eleitor sobre o que se passa na nossa democracia e no nosso Estado. Ela é o mais importante acontecimento da vida pública brasileira dos últimos anos, ao lado da redemocratização, dos anos 80, e da estabilização da moeda, dos anos 90. Escancarou a deformação patrimonialista do Estado brasileiro, a relação incestuosa entre público e privado que nos acompanha desde o nascimento como nação, mas que se exacerbou nos últimos anos. 
Qual é a reforma essencial? 
Temos de repensar o presidencialismo de coalização e a reforma política é essencial. É inoperante ter 28 partidos no Congresso. O ciclo é claro: o executivo recém-eleito tem capital político que lhe permite, no início do mandato, algumas iniciativas mais ousadas. Assim que o capital político se deprecia, o executivo passa a ser chantageado pelo fisiologismo dos partidos parasitários do Congresso. E termina rendido, refém das exigências. Uso a biologia política: enquanto o hospedeiro está forte, o parasita se mantém sereno. Quando sente a fraqueza – e ela vem – ele começa a sugar. O MDB não fez outra coisa desde o início da redemocratização senão esse jogo. A diferença é que o parasita virou hospedeiro. 
Apareceram propostas de se desvalorizar o câmbio para induzir o crescimento. Como avalia? 
Não adianta achar que o País vai crescer a golpe de mágica cambial ou monetária. Temos enorme capacidade de geração de riqueza e de empreendedorismo que está soterrada pela absoluta falta de oportunidades de desenvolvimento – falta de saúde, educação e ambiência – para que possa florescer. Ainda estamos no antigo regime. O patronato político age como se a sociedade existisse para servi-lo. Pergunto-me se o Brasil conseguirá virar o jogo sem passar por alguma revolução, como foi a americana e a francesa. Espero que façamos dentro da democracia. Mas a tolerância da sociedade está chegando ao limite.