quarta-feira, 21 de março de 2018

De olho na Presidência, Alckmin omite erros para recontar a crise da água, FSP

De olho na Presidência, Alckmin omite erros para recontar a crise da água

Tucano exalta empréstimo de bombas e esquece o lado nebuloso da seca em SP

Fabrício LobelNatália Cancian
BRASÍLIA
​Há pouco mais de um ano, quando já planejava sua candidatura à Presidência da República, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) esteve em Pernambuco para vistoriar o uso de bombas hidráulicas em um trecho da transposição do rio São Francisco. Sem nenhum custo, elas haviam sido emprestadas pelo tucano a estados do Nordeste.
Os equipamentos são os mesmos empregados emergencialmente pelo governo paulista, em 2014 e 2015, para captar água do fundo de represas quando a Grande São Paulo vivia grave seca e risco de desabastecimento.
Manifestante do Greenpeace, com máscara do governador Geraldo Alckmin, oferece taça de água a R$ 100, em protesto nos Jardins, em São Paulo
Manifestante do Greenpeace, com máscara do governador Geraldo Alckmin, oferece taça de água a R$ 100, em protesto nos Jardins, em São Paulo - Zanone Fraissat - 17.abr.2014/Folhapress
Mais do que uma ajuda de São Paulo, emprestar ao Nordeste equipamentos que estavam encostados serviu para que Alckminaumentasse sua presença em uma região na qual engatinha em popularidade. E foi com esse gancho que o governador passou a usar a superação da crise hídrica paulista como uma plataforma política nacional.
O discurso oficial do tucano em redes sociais, entrevistas e propagandas pagas pelo governo, porém, infla dados e omite todo o lado nebuloso da crise hídrica de São Paulo.
Por exemplo, a falta de transparência na adoção do racionamento, a tentativa de negar a gravidade da crise e a decisão de segurar medidas impopulares para contenção do consumo de água somente para depois das eleições.
No auge da seca, a gestão de Alckmin foi alvo de fortes críticas. ANA (Agência Nacional de Águas, órgão federal) e TCE (Tribunal de Contas do Estado) apontaram falta de planejamento mesmo diante dos indícios de que uma forte seca atingiria São Paulo.
Esses alertas, dizem, poderiam ter suscitado ações mais eficientes. São Paulo não entrou em um sistema drástico de rodízio somente porque uma sequência inesperada de chuva atingiu a Grande SP em fevereiro de 2015. Na ocasião, obras emergenciais ainda estavam no meio do caminho.
 

LENTIDÃO

A demora para tomar iniciativas de enfrentamento à escassez de água foi alvo de críticas de especialistas. Um deles era Jerson Kelman, atual presidente da Sabesp.
Antes de ser escolhido para o cargo, ele havia criticado a demora do governo estadual em adotar medidas antipopulares. Na época, criticava a não adoção de uma tarifa mais cara para consumidores que aumentassem o consumo.
Não está no discurso eleitoral tucano, mas Alckmin segurou o aumento da tarifa para os "gastões" no ano eleitoral de 2014 e somente autorizou a medida após conquistar a reeleição no primeiro turno.
Antes do pleito, porém, congelou o aumento anual da tarifa de água, enquanto minimizava os efeitos da seca.
Em um debate na TV, afirmou que não faltava água em São Paulo, quando os relatos de torneiras secas eram crescentes e bairros da periferia já sofriam com um forte racionamento de água sempre negado no discurso oficial.
Baldes e garrafas plásticas cheias de água passaram a fazer parte do cenário doméstico paulistano. Famílias acordavam de madrugada ou no início da manhã, durante o único período em que as torneiras funcionavam, para reservar a água para todo o dia.
No auge da crise, famílias relatavam de 15 a 20 horas de torneiras secas diariamente.
Em respostas a essas críticas, a gestão Alckmin sempre disse que as medidas de controle do consumo de água foram tomadas de acordo com a gravidade. Ela nega falta de transparência ou de planejamento.

FÓRUM

Nesta terça (20), Alckmin aproveitou uma visita ao 8º Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília, para exaltar as ações de seu governo contra a crise hídrica e defender o fim de impostos federais sobre o saneamento.
Recebido pelo seu secretário de Recursos Hídricos e presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, o tucano disse que São Paulo "é um exemplo no sentido de enfrentamento da crise" e exaltou o empréstimo de bombas ao Nordeste.
"A Sabesp é uma empresa extremamente aberta, a população teve uma resposta maravilhosa e rapidamente conseguimos equacionar uma seca que foi a maior dos últimos cem anos", afirmou.
Em andanças como candidato, por um lado, o tucano insiste que um dos maiores problemas do país, em especial no Nordeste, é a falta de água e de saneamento. Por outro lado, mostra São Paulo como exemplo a ser seguido.
Os vídeos sobre o tema em sua página pessoal em rede social trazem, além de um texto institucional, o slogan Preparado para o Brasil.
Durante a vistoria às bombas no semiárido pernambucano, o governador gravou um vídeo no qual afirmou: "Ajudar o Brasil é o nosso dever". Meses depois, ao renovar o empréstimo, Alckmin disse em nova postagem que ficava feliz em ser solidário com os irmãos nordestinos.
Em entrevista recente à rádio Jovem PanAlckmin falou como futuro candidato, citou o problema da seca no Nordeste e inflou dados ao dizer que todas as cidades do interior paulista estão com 100% de atendimento de água, coleta e tratamento de esgoto.
O número certo, na verdade, é que somente 7 dos 365 municípios onde a Sabesp atua estão na situação descrita pelo tucano.

Erros e acertos de Alckmin na crise hídrica
Acertos
  • Após críticas, política tarifária incentivou economia de água
  • Obras criaram mais possibilidades para abastecer a Grande SP
  • Duas interligações de mananciais foram feitas
  • Capacidade de armazenamento e tratamento de água aumentou
  • Capacidade operacional da Sabesp cresceu
Erros
  • População mais pobre e periférica sofreu cortes drásticos de água
  • Faltou transparência, principalmente no primeiro ano da crise
  • Políticas antipopulares demoraram a ser tomadas
  • Obras emergenciais tiveram análise de aprovação ambiental aceleradas

OUTRO LADO

O governo Geraldo Alckmin e a Sabesp refutam os questionamentos sobre a condução da crise hídrica.
A gestão tucana nega que tenha havido falta de transparência e diz que fez campanhas publicitárias desde o primeiro trimestre de 2014.
O estado também nega a falta de planejamento apontada pela ANA e TCE e afirma que o trabalho da Sabesp conseguiu amenizar os efeitos da seca extrema.
O governo do estado cita as obras de interligação do sistema Cantareira com a bacia Paraíba do Sul e a construção do sistema São Lourenço como exemplos de obras planejadas e que foram aceleradas na crise.
Sobre as torneiras secas, o governo diz que o racionamento atingia a população que morava em locais mais altos ou distantes e que distribuiu 25 mil caixas d'água para amenizar esse efeito.
"Algumas [críticas] foram ponderadas e pontuais e ajudaram na reflexão sobre o combate à crise, mas houve citações absurdas, previsões verdadeiramente apocalípticas que nunca se concretizaram", diz a gestão tucana.
Segundo a Sabesp, é inegável que o esforço da empresa tenha sido um sucesso para enfrentar a seca.
No Fórum Mundial da Água, Alckmin enalteceu a melhora das condições de operação e de distribuição. "São Paulo tem agora um supersistema de água."
Em resposta à Folha, o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, disse que mantém as críticas feitas ao governo paulista antes de assumir o atual posto. Na época, ele criticou a transparência ao tocar no assunto da escassez e a demora para assumir medidas tarifárias antipopulares que penalizassem quem consumisse mais água do que o normal. 
Sobre os dados de abastecimento no estado, Kelman diz: "Nas cidades do interior em que operamos estamos praticamente universalizados. Não é 100%, mas é quase. Nem na Suíça há 100% de atendimento".
Quanto ao discurso de Alckmin com os dados, Kelman classifica a fala como força de expressão diante do patamar alcançado na área atendida pela Sabesp.

Dá para programar a ética?hélio schwartsman FSP

Dá para programar ética?

Fabricantes de carros autônomos terão de criar um algoritmo para certas emergências

Imagem da rede de televisão ABC mostra local do acidente com carro autônomo, em Tempe, Arizona
Imagem da rede de televisão ABC mostra local do acidente com carro autônomo, em Tempe, Arizona - Reprodução / AP
O que já era esperado finalmente aconteceu. Um carro autônomo da Uber atropelou e matou uma mulher no Arizona.
Há alguns paradoxos envolvendo esse tipo de veículo. É consenso entre especialistas que carros autônomos serão mais seguros que os conduzidos por motoristas, pela simples razão de que computadores, ao contrário de humanos, não se distraem nem usam drogas —dois fatores que explicam boa parte dos acidentes.
Ainda assim, dificuldades de regulação poderão atrasar ou até impedir a disseminação dos veículos autoguiados. Quem responde civil e penalmente em caso de acidentes como o do Arizona?
Hoje, com os carros ordinários, o responsável é quase sempre o motorista. Empresas como Google e Uber estarão dispostas a assumir esse risco? Ruas e estradas são um ambiente muito sensível a imponderáveis (crianças indômitas, motoristas malucos, animais soltos etc.), o que talvez baste para inviabilizar o negócio.
Outro problema fascinante nessa tecnologia está no fato de que, se ela for para a frente, os fabricantes terão de desenvolver um algoritmo ético para decidir o que fazer em certas situações de emergência.
Quando uma colisão é inevitável, mas o carro tem a opção de escolher para que lado desviar, o programa deverá privilegiar a segurança de quem? Do proprietário do carro? De um passante inocente que está na calçada? Poderá atingir em cheio o pedestre imprudente que atravessou no sinal fechado, dando causa ao acidente? Vale sacrificar duas pessoas para salvar uma criança? O risco de sequelas graves em quatro compensa a possível morte de um?
Você compraria um carro que não colocasse a sua segurança em primeiro lugar? Os desenvolvedores vão abrir para o público os princípios éticos que norteiam as decisões do algoritmo? O consumidor poderá escolher entre um carro consequencialista e um deontologista?

Operação sem fim, Opinião OESP (pauta Vilhena)

O Estado de S.Paulo
21 Março 2018 | 03h00
A Operação Lava Jato completou quatro anos no dia 17 passado com números expressivos. Foram ao todo, até agora, 49 fases, com um total de 188 pessoas condenadas por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em primeira e segunda instâncias – somente os casos encaminhados ao Supremo Tribunal Federal lamentavelmente ainda não tiveram desfecho. Os acordos de colaboração e leniência devem resultar na devolução de R$ 12 bilhões aos cofres públicos, segundo esperam as autoridades envolvidas. Já foi restituído R$ 1,9 bilhão.
Diante desses dados se pode afirmar que a Lava Jato já se inscreveu na história nacional como um lampejo de esperança num país tão habituado à impunidade. Criminosos de colarinho branco decerto estão hoje muito mais preocupados. No entanto, é o caso de questionar se a Lava Jato, no seu quarto aniversário, ainda se justifica, visto que seu objeto específico de investigação – o esquema de corrupção na Petrobrás – parece estar quase inteiramente esclarecido.
O problema é que a Lava Jato há muito tempo não se concentra apenas na Petrobrás, nem mesmo em alguma outra estatal em particular. Seu objeto de investigação, na prática, não é mais um caso de corrupção, mas a corrupção em si mesma. E não qualquer corrupção, mas a corrupção no mundo político.
Assim, qualquer fiapo de suspeita que corrobore a presunção de que os políticos em geral são corruptos é desde logo levado a sério pela Lava Jato, transformando-se quase sempre em rumorosas ações da Polícia Federal e do Ministério Público, costumeiramente acompanhadas de vazamentos de depoimentos à imprensa.
Num cenário como esse, os políticos que tiverem o seu nome soprado por algum delator e divulgado nas manchetes dificilmente conseguirá recuperar sua imagem, ainda que venha a ser inocentado. Estará inscrito no rol genérico dos corruptos, administrado pela Lava Jato.
Desse modo, a Lava Jato caminha para ser uma operação sem fim – de caráter moral, e não judicial – pela simples razão de que dificilmente a corrupção na política um dia deixará de existir. Sem se dedicar a um caso em particular, mas sim à tarefa de sanear a política nacional, a Lava Jato tende a se colocar acima do bem e do mal, situação em que qualquer movimento que desagrade a seus líderes é desde logo confundido como ameaça à sua existência.
Não surpreende, desse modo, que o discurso de alguns dos responsáveis pela Lava Jato seja claramente político, pois trata como opositores os que apontam seus exageros. Foi assim, por exemplo, quando procuradores apresentaram um pacote de medidas anticorrupção e o Congresso, dentro de suas prerrogativas, fez as modificações que julgou pertinentes. Não é o caso de discutir aqui se essas mudanças foram corretas ou não, embora o pacote de medidas contivesse gritantes violações de princípios constitucionais, que tinham de ser mesmo evitadas.
Importa salientar que essas mudanças foram feitas por representantes do povo, submetidos ao escrutínio do eleitor, o que, definitivamente, não é o caso dos procuradores da Lava Jato. Esses procuradores, contudo, queixaram-se de que o projeto havia sido “desfigurado” justamente por aqueles que supostamente seriam os mais atingidos pelas medidas, isto é, os parlamentares.
No balanço do quarto ano da Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol manteve esse tom político. Disse que “a punição não pode acontecer de modo episódico num caso específico, mas de modo geral” e, para ele, “se queremos mudar, precisamos atacar a corrupção, mudando o sistema de Justiça que privilegia a impunidade”. Como se candidato fosse, defendeu “atacar em várias frentes”, promovendo “reforma no sistema político, melhora no sistema de licitações, transparência e participação da sociedade no controle das contas públicas”. É tudo o que se presume que o eleitor queira, mas, numa democracia, isso só se confirma no voto, por meio da política tradicional – aquela que alguns açodados militantes da Lava Jato parecem dispostos a destruir.