terça-feira, 6 de março de 2018

Por que “fazem o que fazem” os deputados estaduais?, OESP


Bruno Souza da Silva
06 Março 2018 | 10h17
Na semana passada, a colega de blog Ana Paula Massonetto escreveu interessante texto a respeito do trabalho dos deputados estaduais no que diz respeito à produção de leis nas Assembleias Legislativas. Em diálogo com esta reflexão é que procuramos ampliar o debate relacionado ao trabalho e atuação dos parlamentares.
Deputados estaduais são políticos profissionais. Trata-se de atores racionais que buscam, em alguma medida, maximizar sua atuação política com vistas a manterem-se no poder, ampliar a sua base de apoio ou ascender na carreira política. É claro que os motivos individuais e as possíveis variáveis que explicam as estratégias eleitorais e legislativas podem ser múltiplas. Mas o fato é que, enquanto políticos profissionais, deputados estaduais “fazem o que fazem” porque perseguem algum objetivo valorizado dentro da política institucional e que os conectem ou ofertem respostas às suas bases.
Isso ocorre pelo seguinte: sabemos que, na prática, um parlamentar cumpre dois mandatos distintos, embora simultâneos. O “primeiro” deles é o mandato construído ao longo de sua campanha eleitoral e que visa representar os eleitores que confiam a ele seu voto. Ou seja, espera-se que um parlamentar, uma vez eleito, procure realizar o que prometeu em campanha aos seus eleitores e apoiadores, sob o risco de perder apoio político ou se desgastar, tornando mais difícil a realização de objetivos políticos futuros. E isso independe se estamos falando de um deputado que valoriza a construção de uma pauta política específica e de natureza mais ideológica – como o combate às formas de preconceito – ou um deputado que valorize mais resolver problemas pontuais dos locais e eleitores que o elegeram, como enviar emendas orçamentárias para providenciar o recapeamento de vias públicas.
Vale lembrarmos que o sistema eleitoral proporcional, embora opere sob uma lógica de distribuição partidária dos votos (partidos mais votados acessam maior quantidade de cadeiras no Legislativo), tem nele fortes incentivos para o voto nos candidatos, e não nos partidos (uma vez que os parlamentares mais votados dentro de um partido ou coligação são os que assumem as cadeiras conquistadas). Portanto, a disputa eleitoral é tanto intrapartidária quanto interpartidária, o que leva os deputados a visualizarem sua atuação política de maneira individualizada e, portanto, definirem estratégias as quais acreditam ser mais eficientes ao cumprimento dos seus interesses. Isso envolve, certamente, optar por fiscalizar mais o Executivo ou vincular a sua imagem a projetos específicos, mesmo que seja o do “dia dos quadrinhos”. Se um parlamentar opta por essa estratégia é porque acredita ser a mais eficiente perante seus eleitores. A representação política real talvez não seja a ideal; no entanto, aos olhos dos parlamentares, é a que garante mais votos.

Mas há o “segundo” mandato, aquele pertencente ao partido político (detentor da cadeira no parlamento) e cuja atuação dos deputados se dá “para dentro” do Legislativo, o que pode levar à limitação dos seus objetivos individuais. Para simplificar a linguagem: decisões políticas são costuradas pelo governo tendo como referência os partidos (não deputados individuais) e, dentro deles, as lideranças procuram coordenar seus correligionários a fim de garantir a produção das decisões políticas. Sem coordenação política, não há aprovação de leis e, tampouco, implementação de políticas públicas. No entanto, vários fatores tornam distinta a atuação política e, inclusive, impactam sobre o tipo de produção legislativa nas Assembleias: o grau de institucionalização dos parlamentos, a organização e sistematização dos trabalhos nas comissões permanentes e os potenciais pontos de veto em Plenário devido à quantidade de deputados envolvidos no processo decisório. Há maiores dificuldades por parte do governo em negociar com os partidos tendo como referência um Legislativo com 94 deputados, como é o caso da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), do que para um governo que precisa negociar com 24 deles (menores Assembleias). A necessidade de coordenação partidária é maior em parlamentos cujo número de representantes é maior do que em parlamentos com menos representantes. Em Legislativos menores o protagonismo individual do parlamentar pode ser mais facilitado do que em parlamentos maiores, uma vez que o fator numérico importa para o tipo de coordenação política necessária à garantia das decisões políticas.
O ponto que destacamos é o seguinte: as condições institucionais para o desenvolvimento do trabalho parlamentar podem facilitar ou dificultar o cumprimento dos seus objetivos individuais e, provavelmente, impactam também no tipo da produção legislativa. Assim como seus objetivos eleitorais também influenciam nas decisões que tomam. É um equilíbrio fino e delicado cooperar para acessar recursos importantes ao longo do mandato, garantir acesso ao governo e atender às pressões dos redutos e bases eleitorais. Por vezes, podem ser até contraditórias as decisões, e a produção legislativa pode revelar maior concentração em atividades não tão canônicas do Legislativo, quanto fiscalizar e legislar. É uma questão de custos e também de atalhos legislativos que possam gerar ganhos individuais.
Tomemos como exemplo a ALESP, segundo maior Legislativo brasileiro (mais institucionalizado) atrás apenas da Câmara dos Deputados com um orçamento anual que gira na casa de 1 bilhão de reais e cera de 4 mil funcionários, para identificarmos essa pluralidade na atuação política dos deputados. Em 2017, durante as 273 sessõesordinárias e extraordinárias, verificamos mais de 25 mil proposições apresentadas sendo 63% destas emendas. Em plenário, foram deliberadas 432 proposições: 53% requerimentos e 25% projetos de lei aprovados. As 15 comissões permanentes – que tem por objetivo analisar toda matéria que tramita pela ALESP – apresentaram 1.865 pareceres protocolados, com 85% destes relativos a projetos de lei. Outro aspecto importante é o número de reuniões e audiências públicas realizadas pelo conjunto das comissões. Foram 362 reuniões e 25 audiências públicas (preponderantemente voltadas a discussões relativas ao orçamento como a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual) que indica a possibilidade de expansão do número de audiências para outros temas que não aqueles voltados para as questões de orçamento e finanças. Vale ressaltar também o número de solenidades, 87 sessões durante o ano legislativo.
E o que esses dados do exemplo e discussão sobre os mandatos parlamentares nos mostra? O tamanho do desafio para o eleitor escolher seus representantes e acompanhá-los, inclusive para saber o que valorizar mais na atuação do seu deputado: o seu trabalho como legislador, enquanto fiscalizador, debatedor de pautas políticas mais ideológicas, sua especialização em temas específicos pertinentes às comissões ou a microexecução de pequenos benefícios localizados. Se o Legislativo produz muito ou pouco, se a qualidade das propostas beneficia amplos segmentos populacionais ou grupos específicos e, ainda, se os trabalhos melhoram ou pioram a qualidade de vida dos cidadãos é algo que podemos debater na sociedade. Olhar apenas para as leis como resultado dos trabalhos legislativos é pouco diante do que é o volume da atividade parlamentar. O Legislativo necessita se tornar, cada vez mais, alvo da nossa atenção e centro do debate político enquanto caminho para o fortalecimento da democracia.

*Texto escrito em co-autoria com Vinicius Schurgelies, doutorando em Administração Pública (FGV) e Diretor-Presidente do Instituto do Legislativo Paulista (ILP) da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP).

segunda-feira, 5 de março de 2018

A era exponencial e suas incertezas, por Eduardo Felipe Matias


Eduardo Felipe Matias
O iPhone acaba de completar 10 anos.
Hoje, o número de usuários de smartphones passa de 2,5 bilhões – só no ano passado, foi vendido 1,5 bilhão de unidades desses aparelhos.
Olhando pouco mais de uma década para trás, alguns aplicativos e redes sociais atualmente tão presentes em nossas vidas ainda não existiam. O WhatsApp surgiu apenas em 2009. Instagram, em 2010. Twitter, 2006. YouTube, 2005. Facebook, 2004. Skype, 2003. LinkedIn, 2002. Esses dados foram obtidos na comparativamente “vetusta” Wikipedia, criada em 2001, que hoje possui mais de 40 milhões de verbetes e está disponível em 295 idiomas.
Floresceu, desde então, uma cultura baseada no compartilhamento que levou a uma explosão de usuários dessas redes sociais – 2 bilhões no Facebook, para citar só a maior delas – e de conteúdo na internet – a quantidade de páginas da web é incomensurável... a estimativa do Google, por exemplo, é de que seriam 30 trilhões.  
Tecnologias importantes apareceram ou se popularizaram ainda nesta década. Antes disso, como observa Thomas Friedman em seu último livro, Obrigado pelo atraso, “a nuvem ainda estava no céu e 4G era uma vaga de estacionamento”. O serviço de armazenamento de dados em nuvem da Amazon é de 2006 e o da Microsoft, de 2010. O Dropbox, onde estou salvando este artigo enquanto escrevo, também acaba de cumprir 10 anos. A quarta geração de telefonia celular, que é a mais avançada hoje disponível, passou a ser adotada por volta de 2010 – e já se vislumbra sua substituição pela 5G, que promete ser muito mais rápida.
Essa evolução não seria possível sem o crescimento exponencial da capacidade de processamento dos computadores, ditada pela chamada Lei de Moore – em 1965, Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, previu que a velocidade dos microchips dobraria a cada ano, previsão que foi depois atualizada para a cada dois anos e que se confirmou nos 50 anos seguintes. De fato, a capacidade atual de um smartphone é imensamente maior do que a dos computadores do projeto Apollo, que levou o homem à Lua em 1969.
Graças, em grande parte, a essa progressão geométrica, o futuro chegou e não é mais estranho falar em big data, impressão 3D, blockchain, nano e biotecnologia, realidade virtual e aumentada e Internet das Coisas, esta última impulsionada pela multiplicação dos sensores – dez anos atrás, havia 500 milhões de aparelhos interconectados, agora há aproximadamente 8 bilhões e espera-se que, por volta de 2020, sejam 50 bilhões.
A inteligência artificial evolui com o “machine learning” e contribui para o cenário de ficção científica com carros autônomos, como os que a Google começou a desenvolver em 2009, e computadores capazes de superar seus oponentes humanos, como o Watson, da IBM, que ganhou o jogo televisivo de perguntas Jeopardy! em 2011 ou o AlphaGo, da Google DeepMind, vencedor do desafio contra Lee Sedol, campeão mundial do jogo Go, em 2016. Muito além dessas proezas, tecnologias baseadas em inteligência artificial ganham espaço no dia a dia das pessoas – o assistente pessoal virtual Siri, da Apple, é de 2011, o Cortana, da Microsoft, de 2014, assim como a Alexa, da Amazon. Atualmente, não parece mais coisa de doido conversar com aparelhos esperando obter respostas para nossas indagações.
É difícil para a mente humana, habituada à linearidade, compreender o que o crescimento exponencial significa, o que torna seus resultados imprevisíveis.
Nos negócios, está claro que algumas novas tecnologias são disruptivas e podem levar à transformação brutal de certos setores. As indústrias fotográfica, fonográfica e editorial foram revolucionadas pela consolidação dos formatos digitais, que levou à extinção de algumas companhias. A popularização de telefones celulares com acesso à internet e GPS permitiu a ascensão de startups como o Uber, e a imensa quantidade de pessoas conectadas, aliada à cultura de compartilhamento, garantiu o sucesso de plataformas como o Airbnb. Já se tornou batida a afirmação de que o Uber é a maior empresa de táxis do mundo sem ter nenhum veículo e o Airbnb a maior rede de hospedagem sem possuir um imóvel sequer. Esse fenômeno também ganhou velocidade na última década – o Airbnb é de 2008 e o Uber, de 2009.
Porém, se muita atenção é dada às oportunidades e aos riscos que as novas tecnologias representam para os negócios, pouco tempo tem sido dedicado a entender a importância do Estado nesse contexto. Este tem um papel a exercer, seja na regulação das novas atividades – dificultada pela conhecida lentidão de seus processos decisórios, ainda mais sentida em um mundo de mudanças aceleradas –, seja no combate aos impactos nocivos dessas mudanças, como o desemprego causado pelo progresso da automação e da robótica, cujos efeitos podem ser mitigados pela educação e treinamento para valorização do capital humano, pelo estímulo ao empreendedorismo e pelo reforço das redes de proteção social.
Além disso, nem sempre a iniciativa privada está disposta a investir em tecnologias em sua fase inicial, quando estas ainda precisam superar o chamado “vale da morte” que existe entre o surgimento da ideia e sua viabilização comercial. Cabe ao poder público, nesses casos, investir em pesquisa básica e criar mecanismos de incentivo para que essas tecnologias sobrevivam. Algumas delas poderão fazer a diferença se quisermos vencer os grandes desafios da atualidade, como a mudança climática.
A era exponencial que começou pouco mais de uma década atrás gera uma série de incertezas. O processo de destruição criativa por ela iniciado pode gerar uma riqueza sem igual, mas tem efeitos negativos com os quais temos que aprender a lidar. Para alcançar um mundo mais próspero e sustentável é preciso mais tecnologia, não menos. Uma vez que não é possível – talvez nem desejável – deter o avanço da inovação, devemos nos perguntar quais formas de governança, mais ágeis e adequadas ao ritmo da transformação atual, poderiam ser adotadas. Essa é a grande pergunta do momento.
E aí, Siri?

Eduardo Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, duas vezes ganhador do Prêmio Jabuti com os livros “A humanidade e suas fronteiras” e “A humanidade contra as cordas”, coordenador do guia “Empreendendo Direito: aspectos legais das startups”.
Twitter: @EduFelipeMatias
Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico de 18 de setembro de 2017, p. A13, disponível em http://www.valor.com.br/opiniao/5122522/era-exponencial-e-suas-incertezas.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Cenário nas bacias do Sistema Cantareira é preocupante, diz consórcio, EBC

O volume de chuvas nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e a vazão dos rios que desembocam no Sistema Cantareira, um dos maiores complexos de abastecimento d'água de São Paulo, compõem atualmente um cenário muito semelhante ao de 2013, ano anterior à crise hídrica no estado. O dado, considerado preocupante, foi divulgado nesta semana pelo Consórcio PCJ, em balanço que compilou dados meteorológicos do ano passado e os comparou aos de anos anteriores. Esse deve ser um dos temas tratados no 8º Fórum Mundial da Água, que vai ocorrer entre os dias 18 e 23 de março, em Brasília.
Parte do terceiro parque industrial do Brasil, a Bacia PCJ tem uma importância muito grande, diz o secretário executivo do Consórcio PCJ, Francisco Carlos Castro Lahóz. "E é das nascentes do Rio Piracicaba que se promove o abastecimento de cerca de 50% da região metropolitana de São Paulo”, acrescentou Lahóz. O Consórcio PCJ, primeiro organismo de bacias, criado em 1989, para gerenciamento dos recursos hídricos, participa do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Em entrevista à Agência Brasil, Lahóz informou que as bacias do PCJ contribuem para o abastecimento de água de cerca de 14 milhões de pessoas, das quais 5,5 milhões vivem em 76 municípios na região onde estão as bacias (entre eles, moradores das cidades de Campinas e Piracicaba] e 9 milhões da região metropolitana de São Paulo e que dependem do Sistema Cantareira.
O volume de armazenamento de água no Cantareira, destacou Lahóz, está muito próximo hoje do de 2013, ano anterior ao da crise. “Quando adentramos de 2013 a 2014, o Sistema Cantareira estava com 30% de sua capacidade. De 2017 para 2018, estamos com aproximadamente 40%. Pelo acumulado de precipitações abaixo da média histórica e pelo acumulado da falta de reposição do lençol freático, temos uma situação hoje, no Sistema Cantareira, de 43% [de volume de armazenamento]m quando o desejado seria que ele estivesse acima de 70%.”
Com esse volume, o Cantareira se encontra hoje na faixa 2, de atenção para desabastecimento. “A próxima faixa é a 3, de alerta. E estamos muito mais próximos da de alerta que da normal”, disse Lahoz.
Segundo o relatório do consórcio, caso as chuvas deste início de ano não ocorram de forma consistente, as chances de disponibilidade de água e de que a população encontre dificuldades para o abastecimento, são grandes, principalmente porque é esperada para este ano mais uma ocorrência do fenômeno La Niña, o que pode significar fortes secas na Região Sudeste.
O problema é que, desde 2012, as chuvas estão ocorrendo abaixo das médias históricas. Além disso, os lençóis freáticos ainda não se recuperaram da escassez dos últimos anos. “Entre 2015 e 2016, as chuvas foram de grande intensidade e de curta duração [o que aumentou a média histórica anual de precipitações, mas o subsolo não consegue absorver essa água], e o lençol freático não foi carregado suficientemente. Em 2014, perdemos aproximadamente 75% das nossas nascentes, que garantem os cursos de água. E não conseguimos recuperar essa perda", afirmou o secretário executivo do Consórcio PCJ.
"O que nos aflige é que teremos talvez 40% das nascentes [este ano]. Descemos em uma linear muito baixa, e a reação não foi a contento. O que aconteceu? Em 2016, novamente as precipitações decresceram. E, em 2017, chegaram a reduções próximas de 15% da média histórica. E adentramos o ano de 2018 com lençol freático ainda não preparado para qualquer fenômeno que venha a ocorrer. Se as chuvas fossem de média histórica, em cinco anos, se recuperariam [os lençóis]”, explicou.
Lahoz destacou ainda que o Sudeste é uma região de grande impermeabilização do solo, o que traz ainda mais dificuldades para o carregamento do lençol freático.
Chuvas abaixo da média
As precipitações nas bacias PCJ estão ocorrendo abaixo da média, que é de 1.500 milímetros. Desde 2012, alertou Lahoz, está havendo uma tendência de chuvas menos volumosas na região. O menor índice foi registrado em 2014, no ápice da crise hídrica, com 874 milímetros (mm). Em 2015, houve uma recuperação, quando choveu 1.283 mm. Mas, em 2017, voltou a escassez de chuvas nas bacias PCJ, com volume na ordem de 1.306 mm. Apesar de ser um mês chuvoso, nos 10 primeiros dias de janeiro deste ano choveu, em média, apenas 30% do que era esperado para o mês, lembrou o secretário executivo do Consórcio PCJ.
Na região das cabeceiras das bacias do PCJ – onde estão os reservatórios e o Sistema Cantareira – choveu acima da média nos anos de 2015 e 2016, mas a região voltou a apresentar volumes abaixo das médias históricas no ano passado, com 1.259mm, quando o volume esperado era de 1.300 mm. Segundo o relatório do consórcio, a diminuição das chuvas pode ser sentida no volume de água que chega aos reservatórios do Cantareira: em 2017, as vazões de afluência somaram 273,74 milímetros cúbicos por segundo (m³/s), abaixo dos 310,01 m³/s verificados em 2013, antes da pior crise hídrica da série histórica.
“Os eventos climáticos extremos que verificamos nos últimos anos, somados à possibilidade de ocorrência de um La Niña, causam muita atenção, especialmente porque os cenários de 2013 estão se repetindo e com tendência de queda nos volumes de chuva. Também é preocupante o comportamento do consumo de água, que, nos últimos dois anos, voltou a aumentar, depois de ter diminuído e se mantido estável por causa da crise hídrica”, disse José Cezar Saad, coordenador de projetos do Consórcio PCJ e responsável pelo Programa de Monitoramento das Águas.
Alerta
O alerta feito no relatório, destacou Lahóz, não é apenas para as bacias PCJ, mas para toda a Região Sudeste. “Não fazemos este alerta com foco nas bacias PCJ. Fizemos todos esses estudos pensando na Região Sudeste e no Brasil, porque todo esse comportamento que avaliamos para o PCJ se encaixa perfeitamente na Região Sudeste brasileira. Não se consegue fazer uma análise climática com a bacia hidrográfica de 15,4 mil quilômetros quadrados. Fenômenos como El Niño e La Niña ocorrem em uma proporção de área muito maior que essa e envolve oceanos e continentes. Então, quando se faz essa análise, não se faz em uma bacia hidrográfica, mas para uma região ”, disse.
Segundo Lahoz, o mesmo estudo foi feito em 2013, quando o consórcio enviou um ofício para diversos órgãos alertando sobre a possibilidade de crise no abastecimento para a Região Sudeste. “Fizemos um ofício em dezembro de 2013, após uma análise igual a essa, e encaminhamos para a Agência Nacional de Águas (ANA), para o Departamento de Águas e Energia Elétrica, para os governos de São Paulo e de Minas Gerais e para a União, antevendo a crise de 2014, baseado em estudos semelhantes. Na época, não falávamos em crise para o PCJ, mas para a Região Sudeste. E a crise aconteceu na Região Sudeste”, lembrou. “Uma vez avisamos que isso ia acontecer. E aconteceu. Agora, estamos analisando os dados e verificando que [o problema] poderá se repetir. E temos obrigação de avisar.”

Esse cenário de crise, ressaltou, já não pode ser evitado. “Evitar não; amenizar, sim. Uma coisa é o que aconteceu em 2013. Nós, do consórcio, fizemos o alerta [na época]. Agora já se passaram três meses e eram três meses em que a comunidade já deveria estar economizando e reduzindo o consumo”, disse.
Para amenizar uma possível crise hídrica este ano, o consórcio recomenda que as pessoas façam uso suficiente de água, sem exageros, reduzindo o tempo de banho e evitando lavar veículos e pátios. E que as empresas responsáveis pelo abastecimento revisem seus sistemas e evitem o desperdício e melhorem o armazenamento de água. O consórcio recomenda também a construção de reservatórios municipais e de bacias de retenção em áreas rurais e piscinões ecológicos em regiões urbanas, além de campanhas de sensibilização sobre o consumo racional de água, a busca por fontes alternativas, o combate às perdas hídricas no abastecimento e a proteção de nascentes e de matas ciliares.
Lahóz sugeriu ainda 1que as prefeituras comecem a pensar em cobrar dos empreendimentos imobiliários a construção de adutoras ou de recursos financeiros para cobrir os passivos que esse problema provoca. Isso ajudaria a evitar, segundo ele, a dependência da chuva como solução para a crise hídrica. “Estamos tão dependentes do clima porque existe uma burocracia muito grande no país.”
Ele defendeu também a construção de mais reservatórios para reter a água das chuvas e propôs a cobrança de uma taxa de consumo para momentos de crise. “Estamos propondo que as agências de regulação, juntamente com o sistema de gerenciamento de recursos hídricos, promova uma grande discussão para que a gente use as mesmas metodologias que o sistema elétrico utiliza. O sistema elétrico trabalha com o bolso, com recursos financeiros. Quando os rios não podem mais gerar energia pela matriz elétrica, as termelétricas entram em funcionamento, e as tarifas ficam mais altas. Esse tipo de dispositivo não existe ainda no abastecimento público. Mas ele precisa existir”, disse.
Lahoz ressaltou que a discussão sobre a criação de uma tarifa de crise deve ser levantada no Fórum Mundial da Água, marcado para março, em Brasília. “Vamos ter um stand no Fórum Mundial da Água, onde haverá vários painéis que envolvem a reflexão das práticas do setor elétrico. Temos que, pelo bolso, pelo valor financeiro – e a água tem um valor econômico, sim – atribuir valor econômico à água da mesma maneira que o setor elétrico atribui à energia elétrica.”
Lahoz disse que, se as agências de regulação começarem a cobrar uma tarifa para épocas de crise, a população sentirá o efeito da necessidade de reduzir o consumo da água pelo bolso. “Se a água não tiver valor econômico, as pessoas vão continuar achando que a água cai do céu.”
Sistema Cantareira
O Sistema Cantareira é composto por seis represas, que, juntas, armazenam quase 1 trilhão de litros de água. Segundo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), o Cantareira é o maior sistema produtor da região metropolitana de São Paulo.
As seis represas que compõem o sistema são as de Jaguari, Jacareí, Cachoeira e Atibainha, localizadas na Bacia Hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí,e as represas Paiva Castro e Águas Claros, da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê.
Outro lado
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos negou a possibilidade de problemas no abastecimento este ano. “As condições dos mananciais estão dentro do esperado para esta época do ano. Na Região Sudeste do Brasil, o período chuvoso fica concentrado entre os meses de outubro e março, quando o volume das represas tende a subir gradativamente, especialmente de janeiro a março.”
Segundo a secretaria, a Sabesp tem hoje um sistema de abastecimento mais robusto, “com mais interligações e maior capacidade de tratamento de água do que antes da crise hídrica”.
“Este ano entrarão em funcionamento o novo Sistema Produtor São Lourenço e a Interligação Jaguari-Atibainha, que trarão mais 11,4 m3/s para a Grande São Paulo. Além disso, o perfil de consumo da população também mudou após a crise hídrica e está abaixo do padrão de consumo anterior. Assim, a produção de água nos principais sistemas atualmente é 15% menor do que em 2013, ou seja, há menos consumo por parte dos clientes e menor retirada por parte da Sabesp”, diz a nota da secretaria.
Já a Sabesp informou que “não existe, nesse momento, razão para preocupação”. A Sabesp cita o novo sistema produtor São Lourenço e a interligação Jaguari-Atibainha e fala também na mudança de cultura da população. “Há também que se festejar a mudança do padrão de consumo da população da região metropolitana de São Paulo, atualmente em média 15% menor do que antes da crise hídrica. Esses fatores, ligados ao fato de que estamos em pleno período chuvoso, com tendência de enchimento das represas, dão tranquilidade à população”, diz a companhia, por meio de nota.