terça-feira, 6 de março de 2018

Por que “fazem o que fazem” os deputados estaduais?, OESP


Bruno Souza da Silva
06 Março 2018 | 10h17
Na semana passada, a colega de blog Ana Paula Massonetto escreveu interessante texto a respeito do trabalho dos deputados estaduais no que diz respeito à produção de leis nas Assembleias Legislativas. Em diálogo com esta reflexão é que procuramos ampliar o debate relacionado ao trabalho e atuação dos parlamentares.
Deputados estaduais são políticos profissionais. Trata-se de atores racionais que buscam, em alguma medida, maximizar sua atuação política com vistas a manterem-se no poder, ampliar a sua base de apoio ou ascender na carreira política. É claro que os motivos individuais e as possíveis variáveis que explicam as estratégias eleitorais e legislativas podem ser múltiplas. Mas o fato é que, enquanto políticos profissionais, deputados estaduais “fazem o que fazem” porque perseguem algum objetivo valorizado dentro da política institucional e que os conectem ou ofertem respostas às suas bases.
Isso ocorre pelo seguinte: sabemos que, na prática, um parlamentar cumpre dois mandatos distintos, embora simultâneos. O “primeiro” deles é o mandato construído ao longo de sua campanha eleitoral e que visa representar os eleitores que confiam a ele seu voto. Ou seja, espera-se que um parlamentar, uma vez eleito, procure realizar o que prometeu em campanha aos seus eleitores e apoiadores, sob o risco de perder apoio político ou se desgastar, tornando mais difícil a realização de objetivos políticos futuros. E isso independe se estamos falando de um deputado que valoriza a construção de uma pauta política específica e de natureza mais ideológica – como o combate às formas de preconceito – ou um deputado que valorize mais resolver problemas pontuais dos locais e eleitores que o elegeram, como enviar emendas orçamentárias para providenciar o recapeamento de vias públicas.
Vale lembrarmos que o sistema eleitoral proporcional, embora opere sob uma lógica de distribuição partidária dos votos (partidos mais votados acessam maior quantidade de cadeiras no Legislativo), tem nele fortes incentivos para o voto nos candidatos, e não nos partidos (uma vez que os parlamentares mais votados dentro de um partido ou coligação são os que assumem as cadeiras conquistadas). Portanto, a disputa eleitoral é tanto intrapartidária quanto interpartidária, o que leva os deputados a visualizarem sua atuação política de maneira individualizada e, portanto, definirem estratégias as quais acreditam ser mais eficientes ao cumprimento dos seus interesses. Isso envolve, certamente, optar por fiscalizar mais o Executivo ou vincular a sua imagem a projetos específicos, mesmo que seja o do “dia dos quadrinhos”. Se um parlamentar opta por essa estratégia é porque acredita ser a mais eficiente perante seus eleitores. A representação política real talvez não seja a ideal; no entanto, aos olhos dos parlamentares, é a que garante mais votos.

Mas há o “segundo” mandato, aquele pertencente ao partido político (detentor da cadeira no parlamento) e cuja atuação dos deputados se dá “para dentro” do Legislativo, o que pode levar à limitação dos seus objetivos individuais. Para simplificar a linguagem: decisões políticas são costuradas pelo governo tendo como referência os partidos (não deputados individuais) e, dentro deles, as lideranças procuram coordenar seus correligionários a fim de garantir a produção das decisões políticas. Sem coordenação política, não há aprovação de leis e, tampouco, implementação de políticas públicas. No entanto, vários fatores tornam distinta a atuação política e, inclusive, impactam sobre o tipo de produção legislativa nas Assembleias: o grau de institucionalização dos parlamentos, a organização e sistematização dos trabalhos nas comissões permanentes e os potenciais pontos de veto em Plenário devido à quantidade de deputados envolvidos no processo decisório. Há maiores dificuldades por parte do governo em negociar com os partidos tendo como referência um Legislativo com 94 deputados, como é o caso da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), do que para um governo que precisa negociar com 24 deles (menores Assembleias). A necessidade de coordenação partidária é maior em parlamentos cujo número de representantes é maior do que em parlamentos com menos representantes. Em Legislativos menores o protagonismo individual do parlamentar pode ser mais facilitado do que em parlamentos maiores, uma vez que o fator numérico importa para o tipo de coordenação política necessária à garantia das decisões políticas.
O ponto que destacamos é o seguinte: as condições institucionais para o desenvolvimento do trabalho parlamentar podem facilitar ou dificultar o cumprimento dos seus objetivos individuais e, provavelmente, impactam também no tipo da produção legislativa. Assim como seus objetivos eleitorais também influenciam nas decisões que tomam. É um equilíbrio fino e delicado cooperar para acessar recursos importantes ao longo do mandato, garantir acesso ao governo e atender às pressões dos redutos e bases eleitorais. Por vezes, podem ser até contraditórias as decisões, e a produção legislativa pode revelar maior concentração em atividades não tão canônicas do Legislativo, quanto fiscalizar e legislar. É uma questão de custos e também de atalhos legislativos que possam gerar ganhos individuais.
Tomemos como exemplo a ALESP, segundo maior Legislativo brasileiro (mais institucionalizado) atrás apenas da Câmara dos Deputados com um orçamento anual que gira na casa de 1 bilhão de reais e cera de 4 mil funcionários, para identificarmos essa pluralidade na atuação política dos deputados. Em 2017, durante as 273 sessõesordinárias e extraordinárias, verificamos mais de 25 mil proposições apresentadas sendo 63% destas emendas. Em plenário, foram deliberadas 432 proposições: 53% requerimentos e 25% projetos de lei aprovados. As 15 comissões permanentes – que tem por objetivo analisar toda matéria que tramita pela ALESP – apresentaram 1.865 pareceres protocolados, com 85% destes relativos a projetos de lei. Outro aspecto importante é o número de reuniões e audiências públicas realizadas pelo conjunto das comissões. Foram 362 reuniões e 25 audiências públicas (preponderantemente voltadas a discussões relativas ao orçamento como a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual) que indica a possibilidade de expansão do número de audiências para outros temas que não aqueles voltados para as questões de orçamento e finanças. Vale ressaltar também o número de solenidades, 87 sessões durante o ano legislativo.
E o que esses dados do exemplo e discussão sobre os mandatos parlamentares nos mostra? O tamanho do desafio para o eleitor escolher seus representantes e acompanhá-los, inclusive para saber o que valorizar mais na atuação do seu deputado: o seu trabalho como legislador, enquanto fiscalizador, debatedor de pautas políticas mais ideológicas, sua especialização em temas específicos pertinentes às comissões ou a microexecução de pequenos benefícios localizados. Se o Legislativo produz muito ou pouco, se a qualidade das propostas beneficia amplos segmentos populacionais ou grupos específicos e, ainda, se os trabalhos melhoram ou pioram a qualidade de vida dos cidadãos é algo que podemos debater na sociedade. Olhar apenas para as leis como resultado dos trabalhos legislativos é pouco diante do que é o volume da atividade parlamentar. O Legislativo necessita se tornar, cada vez mais, alvo da nossa atenção e centro do debate político enquanto caminho para o fortalecimento da democracia.

*Texto escrito em co-autoria com Vinicius Schurgelies, doutorando em Administração Pública (FGV) e Diretor-Presidente do Instituto do Legislativo Paulista (ILP) da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP).

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