terça-feira, 2 de janeiro de 2018

‘O Facebook não foi desenhado para priorizar a verdade’, LInk , OESP


Estado: Hoje, os algoritmos são como caixas pretas. Essa falta de transparência prejudica a sociedade?
Cathy O'Neil: Os algoritmos têm sido usados para separar vencedores de perdedores. Embora esse método venha sendo mostrado como novo e inteligente, ele acontece do jeito antigo, considerando variáveis como gênero, classe, bairro, deficiência, status de relacionamento. Se isso acontecesse uma vez, já seria decepcionante. Mas isso está acontecendo múltiplas vezes com cada um de nós. Conforme o tempo passa, os vencedores se tornam cada vez mais sortudos, e os perdedores, cada vez mais azarados. Se uma pessoa é pobre, negra ou mulher, ela tem muito menos chances de ser considerada uma vencedora pelos sistemas. Isso acontece o tempo todo, em todo o lugar, acelerando a discriminação e aumentando a desigualdade.
Quando a sra. decidiu se dedicar a alertar as pessoas sobre esses efeitos nocivos?
Eu pedi demissão do meu emprego quando descobri que universidades populares colocaram em seu alvo pobres, negros e mães solteiras. Essas instituições tentavam convencê-los a entrar em turmas de ensino à distância de baixa qualidade. Eu percebi que, além de essas pessoas já terem pouco acesso a diversos serviços pelo nível inferior de educação, somente educação de baixa qualidade era oferecida a elas. Isso vem da crença de que essas pessoas podem ser enganadas.
Trata-se de um problema técnico dos algoritmos ou de uma questão social?
Eu definitivamente acredito que trata-se de um problema mais social do que técnico. Os algoritmos que tomam decisões que afetam uma grande quantidade de pessoas são quase como “leis secretas”. Nos EUA, por exemplo, eles são usados por juízes para determinar a pena de um condenado. Os programas tentam prever a probabilidade de uma pessoa voltar para a prisão, mas não foram treinados para identificar se os direitos civis dela estão sendo violados. Uma investigação recente daProPublica mostrou que negros tinham o dobro de chances de receber uma pena longa incorretamente, quando esse algoritmo era usado. Ou seja, existem pessoas sendo punidas injustamente.
Grandes empresas de tecnologia afirmam tomar precauções para que seus algoritmos não tomem decisões enviesadas. Isso tem sido suficiente?
Acho que o Facebook é um grande exemplo de como isso não está funcionando bem. A definição de sucesso para eles se resume a manter as pessoas muito tempo conectadas, clicando em anúncios. Assim, a empresa ganha dinheiro. Mas o algoritmo do Facebook não foi desenhado para priorizar a verdade e argumentos discordantes. O resultado disso nós vemos com o advento das notícias e propagandas falsas, com a perda da noção da verdade na sociedade, com as pessoas desvalorizando o que realmente é informação e vivendo em suas próprias bolhas. E isso tudo está acontecendo simplesmente porque o algoritmo do Facebook foi otimizado para o lucro, não para a verdade. E tudo o que a empresa vem fazendo para corrigir isso não está funcionando. E não vai funcionar até que a essência de sua definição de sucesso mude.
Com o avanço da inteligência artificial, os algoritmos estão ficando mais sofisticados. Os problemas tendem a piorar?
Com certeza. Acho que ainda não vimos os piores efeitos do uso de algoritmos. A indústria de tecnologia é muito jovem. Pense na fabricação dos primeiros carros: eles não tinham cinto de segurança, não tinham airbags. Quanto mais carros chegavam às ruas, mais pessoas morriam por causa deles. Só depois surgiram testes e padrões de segurança. Ainda hoje, os carros não são perfeitos, mas há um entendimento de que são perigosos. Ainda não temos esse mesmo conceito de perigo em relação aos algoritmos. É difícil ver as falhas que eles cometem, porque as empresas mantêm segredo. É preciso criar instituições que possam monitorar esses desvios, então poderemos criar padrões de segurança para os algoritmos. 

Previdência, quatro soluções e um funeral - ALEXANDRE SCHWARTSMAN, FSP


FOLHA DE SP - 27/12

Há quatro soluções simples para a questão previdenciária no Brasil, as quais —como toda solução simples para um problema complexo estão inapelavelmente erradas.

Começo pela sugestão de transição do atual regime de repartição (em que a geração ativa transfere compulsoriamente recursos para a geração inativa sob a forma de contribuições) para um regime de capitalização (em que a geração ativa poupa recursos para usá-los durante sua própria aposentadoria).

Poderíamos, talvez, ter feito essa transição tempos atrás, quando a geração ativa era muito maior do que a inativa, mas esse bonde já passou. Considerando apenas o INSS, o pagamento de benefícios previdenciários chega a 8,5% do PIB, enquanto as contribuições atingem 5,7% do PIB.

Caso abríssemos mão das contribuições, mesmo que parcialmente, a falta de recursos para o pagamento dos benefícios se tornaria ainda maior, acelerando o endividamento público, precisamente o oposto do que precisamos.

Outra solução simples e errada é a ideia que a cobrança da dívida ativa (o número mágico é R$ 500 bilhões) resolveria o deficit do sistema.

Mesmo se deixarmos de lado que grande parte dessa dívida se refere a empresas falidas (e à cobrança de juros sobre elas), noto que os benefícios previdenciários do INSS se encontram na casa de R$ 550 bilhões/ano, ou seja, no improvável cenário de recuperação completa desse valor, ele não cobriria um ano do gasto e menos de três anos do deficit do INSS.

Na mesma linha, ainda se insiste na questão da aposentadoria dos políticos.

Em primeiro lugar, há 20 anos que políticos não mais se aposentam com apenas oito anos de mandato e a partir de 50 anos (ainda bem!), mas só depois de 35 anos de contribuição com idade mínima de 60 anos.

Em segundo lugar, mesmo que parássemos de pagar aos que se aposentaram sob regras diferentes, o valor é ínfimo perto do gasto previdenciário no país.

Em terceiro, a proposta de reforma unifica as regras para todos, inclusive políticos.

A quarta sugestão se refere à Desvinculação dos Recursos da União, a chamada DRU, que, segundo alguns, se extinta, eliminaria o deficit da Previdência.

À parte a DRU não incidir sobre as contribuições previdenciárias, não faz a menor diferença direcionarmos mais recursos à Previdência, uma vez que, com DRU ou sem DRU, todos os aposentados sob a responsabilidade do governo federal ainda recebem em dia seus proventos (já no caso dos Estados, nem sempre é assim), pois o dinheiro de outros tributos garante, por ora, tais pagamentos.

Por outro lado, revogar a DRU em nada ajuda a conter o crescimento dos gastos, resultantes da combinação de demografia e privilégios.

Já o funeral é o da lógica.

Em coluna publicada na sexta-feira (21), Nelson Barbosa aponta Portugal como um país que fez o ajuste fiscal sem "austericídio", presumivelmente em oposição ao que se tenta fazer no Brasil.

Como de hábito, faltou a Barbosa olhar os números: entre 2010 e 2016 o deficit público em Portugal caiu de 11,2% do PIB para 2,0% do PIB, com corte de despesas no período pouco inferior a 7% do PIB.

No Brasil, em contraste, propõe-se uma redução de 2,0-3,0% do PIB do deficit primário no mesmo horizonte, mas aqui, por alguma razão, esse ajuste muito mais gradual é considerado "austericídio".

Descanse em paz.

A reação patética dos clubes - EDITORIAL O ESTADÃO




ESTADÃO - 31/12

Confundindo prerrogativas funcionais com privilégios, juízes desprezam o fato de que penduricalhos são uma apropriação imoral de recursos dos contribuintes


Desde que o ministro Luiz Fux liberou para votação do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) as liminares que concedeu em 2014, estendendo o auxílio-moradia a todos os juízes das Justiças federal, estaduais e trabalhista, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) anunciaram que não medirão esforços para manter esse benefício, que hoje é de R$ 4,3 mil e não incide no cálculo do teto salarial do funcionalismo. Quando o Supremo retomar os trabalhos, em 2018, caberá aos ministros da Corte referendar ou não as decisões de Fux.

Em carta distribuída a seus filiados, a AMB afirmou que não aceitará “perdas salariais sob qualquer pretexto”, invocou a tese da “valorização da magistratura” para justificar o recebimento desse penduricalho e reivindicou, no caso de ele ser considerado inconstitucional pelo Supremo, a criação de outro benefício no mesmo valor do auxílio-moradia, a título de “valorização por tempo de serviço”. Também alegou que “não se curvará aos detratores da magistratura, especialmente à difamatória campanha lançada pela imprensa”. E defendeu, ainda, o anteprojeto da nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que foi elaborado pelo Supremo na época em que foi presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski. Entre outras concessões, o anteprojeto prevê o pagamento de até 17 salários, férias de 60 dias, multiplicação de verbas indenizatórias e até direito a passaporte diplomático.

Por seu lado, a Ajufe também denunciou uma “campanha orquestrada da mídia contra os direitos” dos juízes. Prometeu que lutará “até o fim” e no “limite de suas forças” para evitar que o Supremo considere inconstitucional o pagamento do auxílio-moradia. Além disso, anunciou a realização de um ato de protesto contra a extinção desse benefício em Brasília, no dia 1.º de fevereiro. Informou que, juntamente com a AMB, custeará a viagem de cem magistrados, “sem prejuízo de que outros venham de acordo com as possibilidades das associações regionais de juízes federais”. E ainda afirmou que não é justo que o auxílio-moradia dos juízes seja extinto, já que as demais carreiras jurídicas no Poder Público ganham verbas extras e não as levam em conta para efeito de cálculo do teto do funcionalismo. “Estão visando apenas os vencimentos da magistratura e esquecendo o de outras carreiras. Os honorários públicos (as verbas de sucumbência que recentemente passaram a ser concedidas aos membros da Advocacia-Geral da União – AGU) são um extrateto. É dinheiro que deveria ser direcionado aos cofres públicos. Por que não se discute isso?”, indaga o presidente da entidade, Roberto Veloso. Em mensagem de Natal enviada aos colegas de toga, ele já havia festejado o adiamento da votação da reforma da Previdência, acusando-a de ter sido concebida com objetivo de “atingir financeiramente” a magistratura.

Evidentemente, um erro – como a concessão de um penduricalho para os membros da AGU – não justifica outro erro, como a continuidade do pagamento do auxílio-moradia. Além disso, a AMB e Ajufe insistem em afirmar que os penduricalhos recebidos por seus filiados a título de “vantagens, direitos e deveres” são “legítimos” e estão “amparados pela legislação”. Deixam de lado, contudo, o fato de a constitucionalidade de parte dessa legislação estar sendo questionada no STF. E, se tivessem a certeza de que suas pretensões têm sólida base jurídica, as duas entidades não precisariam agir de modo tão patético.

Acima de tudo, essas associações não consideram o fato de que a discussão sobre os penduricalhos não envolve uma questão jurídica, mas uma questão ética. A corporação está entre as carreiras mais bem pagas do funcionalismo e goza de privilégios que não são concedidos aos trabalhadores da iniciativa privada. Confundindo prerrogativas funcionais com esses privilégios, os juízes desprezam o fato de que os penduricalhos são uma apropriação imoral de recursos dos contribuintes. Na defesa de seus interesses corporativos, esses clubes de magistrados cruzaram as fronteiras entre justiça e injustiça.