terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Política, democracia e ética pública, OESP


Crise deve-se ao falsear do processo eleitoral, da transparência e da ‘accountability’

Bolívar Lamounier*, O Estado de S.Paulo
31 Dezembro 2017 | 03h00
Os escândalos de corrupção inaugurados com o “mensalão” e elevados à enésima potência nos últimos cinco anos demonstraram que as deficiências da democracia brasileira são muito maiores do que pensávamos. Antes deles, nosso relativo otimismo se estribava em cinco pilares, cuja importância não pode ser subestimada, mas que agora se mostram claramente insuficientes.
Ao longo de várias décadas, até mesmo durante o regime militar, nosso processo eleitoral se tornou altamente inclusivo, com um eleitorado superior a 70% da população total, a mesma proporção das democracias mais desenvolvidas. Entre 1985 e 1988, restabelecemos pacificamente o regime civil e constitucional. Em 1989, a vitória de Collor sobre os partidos tradicionais e sobre a esquerda inaugurou a alternância pacífica no poder, consolidada com a vitória de Lula em 2002. Instituímos um sistema mais robusto de monitoramento e promoção da legalidade, notadamente pela autonomia institucional do Ministério Público, obra da Constituição de 1988. Por último, mas não menos importante, domamos, finalmente, uma inflação que se prolongara por três décadas e aprovamos no Congresso a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras medidas relevantes no campo econômico.
Mas as deficiências se revelaram por um conjunto de problemas intimamente ligado à corrupção, que anula, na prática, grande parte dos avanços realizados. Proclamamos, como é usual no Primeiro Mundo, que o essencial da democracia é a exigência de que o acesso de cidadãos particulares a posições de autoridade se faça por meio de um processo competitivo, ou seja, mediante eleições limpas e livres. Mas não atinamos para o fato de que, mesmo num eleitorado de grandes proporções, os procedimentos criados para garantir eleições “limpas e livres” podem ser fraudadas por práticas em princípio lícitas, mas desleais ao espírito da democracia e, portanto, imorais. Entre estas, um exemplo egrégio é o clientelismo de larga escala, infinitamente mais pernicioso que o antigo “voto de cabresto”, que se pode embutir em políticas públicas e programas sociais.
Tampouco nos demos conta de que “eleições limpas e livres” podem transformar-se em mera aclamação simbólica, sem dentes e garras, onde não haja transparência – ou seja, onde inexista acesso efetivo do cidadão, das empresas e da sociedade civil a informações referentes às ações governamentais, notadamente no tocante ao emprego dos recursos financeiros. E mesmo onde tal acesso esteja devidamente previsto e estipulado nas leis, ele não passará de letra morta onde não exista accountability – ou seja, onde os titulares da autoridade, nos três ramos do Estado, se comportem de forma acomodatícia, ou se acovardem, não aplicando com o rigor preceituado as medidas profiláticas prescritas na Constituição e nas leis.
Eleições limpas e livres, transparência e accountability – no mundo atual, essas três condições definem o espaço válido de reflexão sobre as conexões entre a ética – a busca do bem comum – e a política. De fato, a ninguém ocorrerá avaliar o status ético de países governados por celerados e genocidas como Hitler, Stalin ou Pol Pot.
O agente do juízo ético é o indivíduo, ou seja, o cidadão que trabalha, paga impostos e mata ou morre na guerra, se convocado para tal. Ele é também o destinatário do bem comum. Decorridos dois milênios de Aristóteles, não faz sentido pensar no bem comum como um todo homogêneo, unitário e consensual. O que para um é um bem, para outro pode ser um mal. O que existe é, portanto, uma grande variedade de bens comuns ou, melhor dito, de bens coletivos, aqueles que o Estado não pode prover a um cidadão se não puder provê-los nas mesmas condições a todos os demais cidadãos compreendidos na mesma categoria. O que importa, por conseguinte, é investigar a emergência ex parte de um consenso, ou da aquiescência sempre precária, de todos, ou da maioria, a uma dada distribuição de bens coletivos. O orçamento nacional é essencialmente isto: a distribuição de bens coletivos que o Estado é capaz de prover em dado momento. Esse conjunto é a resultante do embate entre os interesses que soem existir em toda sociedade, mas que só na democracia são devidamente delimitados e regulados pelas instituições. Buscar o consenso pela via da política, o entendimento por meio de uma pugna constante, eis o notável paradoxo que as democracias consagram em suas regras de jogo.
Voltando ao início, podemos, pois, afirmar que a crise ética e econômica para a qual o Brasil foi arrastado se deve ao falseamento, ainda não superado, do processo eleitoral, da transparência e da accountability. É óbvio que a democracia tem muito que ver com as condições sociais gerais de um país, daí a existência de importantes diferenças de qualidade entre elas. Desigualdades sociais extremas são negativas para a democracia e a ética pública.
Nos limites deste artigo, cabe-me concluir apenas reiterando o que tenho insistentemente afirmado: justiça social, socialismo, social-democracia e similares devem ser entendidos tão somente como ideais abstratos de sociedade. Não são indicações concretas dos meios necessários para melhorar o padrão de vida dos indivíduos reais ou de como reduzir desigualdades de renda. Em pleno século 21, o que importa investigar é qual o melhor caminho para romper “relações de produção” peremptas a fim de liberar as “forças produtivas”. No Brasil, parece-me fora de dúvida que isso significa quebrar de vez a tradição patrimonialista, irmã siamesa da corrupção, e instaurar uma verdadeira economia de mercado.
*CIENTISTA POLÍTICO, É SOCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA E AUTOR DO  LIVRO ‘LIBERAIS E ANTILIBERAIS: A LUTA IDEOLÓGICA DE NOSSO TEMPO’ (COMPANHIA DAS LETRAS, 2016)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Você Abusou Antonio Carlos & Jocafi


 
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Tirou partido de mim, abusou
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Tirou partido de mim, abusou
Tirou partido de mim, abusou
Tirou partido de mim, abusou

Mas não faz mal
É tão normal ter desamor
É tão cafona é sofredor
Que eu já nem sei
Se é meninice ou cafonice o meu amor

Se o quadradismo dos meus versos
Vai de encontro aos intelectos
Que não usam o coração como expressão

Você abusou
Tirou partido de mim, abusou
Tirou partido de mim, abusou
Tirou partido de mim, abusou

E me perdoe se eu insisto nesse tema
Mas não sei fazer poema ou canção
Que fale de outra coisa que não seja o amor

Se o quadradismo dos meus versos
Vai de encontro aos intelectos
Que não usam o coração como expressão

Você abusou
Tirou partido de mim, abusou
Você abusou
Tirou partido de mim, abusou
Tirou partido de mim, abusou
Tirou partido de mim, abusou

domingo, 31 de dezembro de 2017

Alckmin segura metade das emendas legislativas, OESP



Governo atribui demora na liberação dos recursos indicados por deputados à queda na receita estadual; levantamento mostra que tucanos recebem prioridade






Adriana Ferraz e Cecília do Lago, O Estado de S.Paulo
31 Dezembro 2017 | 17h00
O governo Geraldo Alckmin (PSDB) segurou metade do orçamento destinado a emendas parlamentares nos últimos três anos e meio. De janeiro de 2014 a junho deste ano, a gestão tucana liberou R$ 383,6 milhões em programas e investimentos indicados por deputados nos municípios onde eles mantêm seus redutos eleitorais. O total previsto pela Assembleia Legislativa neste período, porém, era bem maior: R$ 752 milhões.

Geraldo Alckmin
Geraldo Alckmin liberou R$ 6,8 milhões para o tucano Fernando Capez, que presidiu a Assembleia de 2015 a 2016 Foto: MARCO AMBROSIO - 13/05/2015
Levantamento feito pelo Estado com base nos dados publicados pelo Portal da Transparência do governo do Estado mostra que o ano com a menor execução foi 2016, quando somente R$ 40 milhões, dos R$ 188 milhões previstos (R$ 2 milhões por deputado), foram liberados. A gestão Alckmin culpa a crise econômica pela baixa e afirma que teve de reduzir as despesas na mesma proporção em que perdeu receitas. 
Como era esperado, os representantes do PSDB, mesmo partido de Alckmin, são os que mais emendas conseguiram desbloquear no período pesquisado: 1.114 de um total de 3.687. Na média, foram 27,2 liberações por deputado – a conta inclui parlamentares também da legislatura passada – a um custo de R$ 112 milhões, quase 30% de todo o investimento.



Na vice-liderança, seguindo uma espécie de proporcionalidade representativa na Casa, estão os petistas, que juntos obtiveram aval para indicar 553 emendas, no valor de R$ 50 milhões. Mas quando a conta divide os partidos por base aliada e oposição, o resultado foge do equilíbrio. Enquanto os partidos que tradicionalmente votam com o governo abocanharam 86% dos R$ 383,8 milhões, restou ao PT, PSOL e PCdoB apenas 14% dos recursos.
Em número de emendas, o deputado mais contemplado no período foi Orlando Bolçone (PSB), que conseguiu autorização de Alckmin para firmar 130 convênios com Prefeituras no valor de R$ 6,8 milhões – as emendas parlamentares são viabilizadas desta forma, por meio de contratos com os municípios atendidos. 
De acordo com Bolçone, sua posição na lista se deve à sua formação técnica e empenho pessoal. “Damos todo o suporte para que os municípios ou entidades consigam de fato a verba. Acompanhamos o processo semanalmente para checarmos se o recurso saiu mesmo. A papelada é complicada, é preciso ficar em cima para dar certo”, afirmou.
Já o campeão em valores foi Estevam Galvão (DEM), que teve um número menor de emendas liberadas (75), mas com valores mais altos, chegando a R$ 7,8 milhões. Em seguida, neste ranking, está o tucano Fernando Capez, que presidiu a Assembleia nos anos de 2015 e de 2016, com um total de 112 indicações ao custo de R$ 6,8 milhões, valor quase igual ao das indicações de Bolçone. 
RECURSOS PARA SAÚDE SOMAM R$ 158,2 MILHÕES
Verbas para compor o caixa de Santas Casas e outras entidades beneficentes que atendem doentes são as mais comuns. Desde janeiro de 2014, deputados dos mais variados partidos indicaram para a área da Saúde recursos que somam R$ 158,2 milhões – 43% do total autorizado por Alckmin.
Em seguida na lista de prioridades dos parlamentares estão verbas para Prefeituras promoverem obras de infraestrutura, a maioria delas viárias. Desenvolvimento Social, Esportes, Agricultura e Turismo também figuram no ranking das dez áreas mais atendidas – Educação aparece em 11.º lugar, com somente R$ 200 mil em emendas.
No ranking dos municípios atendidos, São Paulo é o mais beneficiado, com 109 emendas que alcançaram o valor de R$ 12 milhões, o que equivale a R$ 1 por morador da capital. Do lado oposto está a cidade de Nova Canaã Paulista, cidade com pouco mais de 2 mil habitantes a 640 km da capital, que recebeu R$ 28 mil em apenas uma emenda de 2014 pra cá.
PEC OBRIGA GESTÃO A LIBERAR RECURSOS; COTA VAI A R$ 4,9 MILHÕES
Em 2018, com a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabeleceu o Orçamento Impositivo, o governador – seja Alckmin ou o vice, Márcio França (PSB), que deve assumir em abril –, não poderá mais segurar a cota de recursos a que cada parlamentar tem direito a indicar. Em 2018, esse valor será de R$ 4,9 milhões, contra os R$ 2 milhões atuais. 
A alta, de 145%, vai gerar um impacto de R$ 460 milhões por ano nas contas estaduais e evitar ou ao menos reduzir práticas de toma lá dá cá em vésperas de votações de projetos de interesse do governo. A deputada Beth Sahão (PT) ressalta, no entanto, que a data da liberação das emendas continuará nas mãos do governador. “A PEC não determina os meses do ano em que a liberação deve ocorrer, apenas impõe que essa liberação ocorra ao longo da execução orçamentária. Esperamos que os deputados, da base ou não, tenham tratamento igualitário”, afirma.
O descontentamento é generalizado entre os parlamentares estaduais, sejam eles da base ou não. A demora na liberação das cotas ajuda a explicar, por exemplo, a falta de pressa da Assembleia Legislativa em aprovar tanto as contas de 2016 de Alckmin como o Orçamento de 2018. Ambos os projetos só receberam o aval dos deputados depois do Natal, em sessão extra no dia 27.