sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A Universidade de São Paulo, os políticos e os "salvadores da pátria", Rodas, no Conjur

OLHAR ECONÔMICO


João Grandino Rodas [Spacca]A proto história da Universidade de São Paulo (USP) iniciou-se há 190 anos com a instalação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. A criação da USP, em 1934, subproduto do fervor revolucionário paulista de 1932, teria como as duas primeiras unidades de ensino a então novel Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e a citada Faculdade de Direito, que passou para a órbita estadual. Transcorridos 84 anos, a Universidade, que ora ostenta 8 campi, 48 unidades de ensino, 11 museus, 94 cursos de graduação e 42 unidades que oferecem cursos de pós-graduação; além de cerca de 90 mil alunos e 5 mil professores, alcançou reputação nacional e internacional.
O financiamento da USP e de suas coirmãs mais novas — Unicamp e UNESP — até fevereiro de 1989 (Decreto 29.598/1989) era de responsabilidade direta do governo estadual; quando as três universidades estaduais paulistas passaram a receber percentuais do ICMS (atualmente o percentual é de 9,57%; sendo a cota parte da USP, 5,0295%; da Unicamp, 2,1958%; e da UNESP, 2,3447%) e a ter autonomia administrativo-financeira. O aspecto positivo dessa mudança foi ter dado maior agilidade às citadas instituições, o que muito contribuiu para seu rápido progresso, situando-as entre as mais reconhecidas universidades brasileiras. Foram e continuam sendo negativos: (i) o governo descontar do ICMS, antes de fixar o repasse às universidades, montantes destinados a programas habitacionais e à devolução de impostos relativos à Nota Fiscal Paulista; (ii) o governo e a Assembleia Legislativa estaduais passarem a considerar os percentuais fixados de ICMS, como suficientes em permanência, a despeito do crescimento das universidades, causado no mais das vezes por pressão política. Lembre-se que, segundo a Constituicão Federal, cabe aos Estados e ao Distrito Federal atuar prioritariamente no ensino fundamental e médio (artigo 211, § 3º). Caso atuem os estados no ensino superior, contudo, devem socorrê-lo, mormente, em caso de crises prolongadas, como a que se apresenta, desde 2014.
Campi, unidades e cursos das universidades estaduais paulistas originaram-se, em grande parte, por influxo político. Exemplifiquemos com o sucedido mais recentemente na USP. Em apenas 4 anos, criou-se o campus da USP Leste e a Escola de Artes, Ciências e Humanidades; escolheu-se o terreno e construíram-se os respectivos prédios, cuja inauguração deu-se em fevereiro de 2005. Em 2006, a Faculdade de Engenharia Química de Lorena tornou-se unidade da USP, sob o nome de Escola de Engenharia de Lorena. O governador à época, para viabilizar essa incorporação, prometeu repasse adicional de ICMS à USP, de 0,07%, o que nunca se concretizou. Em 2012, foi criado o campus de Santos, com cursos lecionados por unidades de ensino da USP, já existentes, entre as quais a Escola Politécnica. Nos primeiros anos da segunda década do atual século, houve “consultas políticas” tendentes à incorporação pela USP, da Faculdade de Medicina de Marília, bem como à criação da Faculdade de Medicina de Bauru, que a USP recusou, pela impossibilidade de fazê-lo, com as dotações financeiras existentes.
A utilização política de universidades por parte de governantes, infelizmente, tem sido uma constante no Brasil, tanto no âmbito federal, quanto no estadual. Quem não se recorda da criação de mais de 15 universidades federais, entre 2003 e 2014, sem infraestrutura e financiamento condizentes; mas que serviram de mote propagandístico-eleitoral? No tocante às estaduais e limitando-se a exemplos relativos à USP, basta verificar o modo como foi criada a novel Faculdade de Medicina de Bauru da USP, que surpreendeu pelo açodamento e a falta de discussão nos meios universitárias. Deu início ao surpreendente processo, reunião de 21 de junho de 2017, entre o reitor Zago, a diretora da Faculdade de Odontologia de Bauru, o Secretário Estadual de Saúde, o então deputado presidente de partido político e o prefeito da referida cidade. Internamente na USP, o respectivo projeto foi aprovado em 8 dias úteis! De 22 de junho a 4 de julho de 2017, conseguiu ele o beneplácito dos seguintes órgãos da USP: Comissão de Graduação da Faculdade de Odontologia de Bauru, Câmara Curricular e do Vestibular, Conselho de Graduação, Comissão de Orçamento e Patrimônio, Comissão de Atividades Acadêmicas e o Conselho Universitário. Menos de um mês, a 1º de agosto, aniversário de Bauru, o atual governador do Estado inaugurou, oficialmente, a faculdade, tendo dito na ocasião, literalmente: “Não é fácil ir ao Conselho Universitário em um momento de crise e criar uma faculdade nova. O novo curso é fruto de uma engenharia bem feita, é uma prova da boa política, que é arte e ciência ao encontro do bem comum” (grifou-se). Mantendo sua praxe de encômios fáceis e enfáticos ao reitor de plantão, elogiou o reitor Zago “pela sua liderança”. Causa estranheza a instituição da terceira faculdade de medicina da USP, em Bauru, justamente durante mandato do reitor Zago, que sempre usou a “penúria da Universidade”, para desmontá-la de variadas formas, inclusive no sucateamento do Hospital Universitário do Campus Butantã, que funciona desde 1968, com a principal finalidade de servir como hospital-escola.
A quarta universidade estadual paulista, dedicada ao ensino a distância - Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP) foi criada em 2012. Abriu em 2014, 3.330 vagas para vários cursos e noticiou o oferecimento de cerca de 40 mil vagas, para 2018. Líder político, em recente propaganda televisiva, considerou o aumento de vagas um grande feito, tendo dito textualmente: “...e agora não tem mais desculpa para não fazer faculdade. Abrimos 50 mil novas vagas na UNIVESP e, em breve, todo jovem de São Paulo, vai ter faculdade de graça e sem vestibular. A UNIVESP está em mais de 150 cidades de São Paulo, são cursos de engenharia, matemática, pedagogia e gestão pública. É curso de qualidade, professor da USP, Unicamp e UNESP, se quiser dá para fazer” (grifou-se). Aumento estratosférico de vagas, em curto espaço de tempo, em cursos a distância, que requerem condições e treinamento especial, tanto dos docentes, quanto dos alunos, é altamente detrimental. Vale lembrar que em cursos de tal espécie, a evasão é problema a não se desconsiderar e que somente pode ser minorado caso as condições sejam ótimas, no sentido técnico da palavra.
A se continuar nessa senda (aumento vultoso de vagas; desestímulo dos servidores, docentes e técnico-administrativos, devido a condições insuficientes de infraestrutura e salariais etc.), os cursos superiores públicos do Estado de São Paulo correm o risco de ter a mesma sina dos cursos fundamental e médio de nosso Estado; que hoje sequer são os melhores, ou para ser mais realista, os menos ruins, dentre os dos Estados brasileiros!
A USP, desde sua criação até o momento, foi gerida por 26 reitores e viu sua administração tornar-se complexa, à medida do avanço de seu crescimento. O Decreto 24.951/1986 criou o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulista (CRUESP), cuja competência incluiu, a aprovação dos percentuais de correção salarial dos servidores docentes e técnico-administrativos das três universidades. Percebe-se que a USP, em seus 84 anos de existências e várias gestões, como sói acontecer, evoluiu, pouco a pouco, em ritmo sempre ascendente, inobstante problemas, tensões e pequenos retrocessos, que foram recorrentes, em todos os mandatos reitorais. Basta lembrar, a controversa “lista dos improdutivos” feita na gestão do reitor José Goldemberg -1986-1990 – (alçado a professor emérito da USP, em 2016); e a perda de parte considerável do campus do Butantã, contíguo ao Hospital Universitário, por invasão, seguida da inação (apesar da concessão judicial de mandado de reintegração de posse) do reitor Jacques Marcovitch -1997-2001 – (que recebeu o título de professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da USP, em 2016).
Cada novo reitor, recebeu a Universidade, na situação em que se encontrava, na acepção legal da continuidade da pessoa jurídica e na convicção de que seus antecessores haviam feito todo o possível e de boa fé; procurando sanar eventuais problemas e navegar o transatlântico-USP, da melhor forma. Em linguagem figurada, cada reitor procurou assentar as pedras que lhes foram possíveis, na construção dessa grande catedral, sempre inacabada, que é a USP.
O reitor Marco Antônio Zago, cujo mandato extinguir-se-á em 24 de janeiro de 2018, foi uma exceção. Partícipe que foi da gestão reitoral anterior, na qualidade de pró-reitor, com mandato e voz ativa, inclusive no Conselho Universitário da USP, nada disse de discordante. Entretanto, iniciou seu mandato como reitor, visitando os setores políticos, governamentais etc., asseverando que a USP estava falida e transmitindo meias-verdades, nem sempre conectadas com a realidade. No Conselho Universitário e em outras instâncias proclamou que recebera “herança maldita” e que a USP deveria ser refundada. Tais justificativas serviram para frear, abruptamente, o transatlântico –USP; desmontar a Universidade das mais variadas formas; e engendrar caça às bruxas “nunca antes vista”. Tudo sob o olhar complacente do governo do Estado. Somente após terminada gestão e transcorrido certo tempo será possível avaliar, com mais distanciamento e. justeza, o mandato do professor Zago. Tal não impede, entretanto, de se reconhecer um aspecto positivo, qual seja o aprimoramento dos instrumentos de controle orçamentários da Universidade, em tempos de recessão econômica severa e persistente, por que passa o país.
Inobstantemente, saltam aos olhos inúmeros pontos negativos, de que a listagem abaixo é apenas exemplificativa: (i) o já referido desmonte da Universidade (dentre os quais do Hospital Universitários e das creches); (ii) o divisionismo entre funcionários docentes e técnico-administrativos; (iii) o fato de ter alheado a USP do CRUESP, deixando as duas outras universidades estaduais paulistas “falando sozinhas”; (iv) o autoritarismo e a falta de ética do reitor (reconhecida pela Comissão Geral de Ética do Estado de São Paulo); (v) a falta de transparência em geral e, especialmente, nos processos administrativos disciplinares da Universidade (segredo de Justiça etc.) e (vi) incumprimento do devido processo legal em tais processos[1].
O ocaso do mandato reitoral, iniciado com a bombástica proclamação da falência da USP, como acima relembrado, vem sendo marcado, tristemente, por 4 fatos: (i) queda sistemática da USP nos rankings nacionais e internacionais, inclusive com relação à outra universidade estadual paulista; (ii) desmonte do centro nervoso da tecnologia da informação da Universidade, cujo recente incêndio, muito provavelmente, deveu-se à descontinuidade de projetos já licitados e prontos para serem executados. Como a reitoria não esclareceu as causas e os danos, inclusive para terceiros, do recente incêndio no CTI do Campus Butantã, trata-se de caso a ser investigado pelo Ministério Público; (iii) a ausência de savoir faire e a irreverência do reitor, durante sessão da Assembleia Legislativa do Estado, em que compunha a mesa dos trabalhos, atirando sacola com cápsulas de bombas deflagradas no Campus da USP contra o deputado, que lhe estava ofertando;(iv) ofensa imoral e criminosa a seu antecessor, consistente no pronunciamento de palavras de baixíssimo calão referida à genitora do mesmo, (que foram gravadas e disseminadas).
Que Deus (e os eleitores) livrem a USP (e todo o ensino superior público brasileiro) de certos políticos e de reitores “salvadores da pátria”!

1 Rodas, João Grandino, “Novo regime disciplinar para a USP e assunto de interesse de todos”, Revista Eletrônica Conjur, 12 de outubro de 2017.

Anos lavados a jato, *Fernando Gabeira, O Estado de S.Paulo


Supor que tudo será como antes é um sonho nostálgico de quem ainda crê em Papai Noel


29 Dezembro 2017 | 03h11
Papai Noel não se esqueceu dos investigados e condenados pela corrupção no Brasil. Nos sapatos na porta do xadrez, ou nas tornozeleiras na beira da cama, caíram vários presentes.
Era previsível essa ofensiva de fim de ano. Sempre foi assim no Brasil. Joga-se com o espírito de Natal, que dissolve todo ânimo de protesto.
Dois presidentes latino-americanos, Michel Temer e Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, vestiram a roupa de Papai Noel e desceram pela chaminé dos presídios. Kuczynski libertou o ex-presidente Alberto Fujimori. Temer estendeu o perdão aos condenados por corrupção.
Ambos foram presenteados durante o ano com a permanência no cargo, ameaçada pela relação com empresas brasileiras. Lá, o escândalo envolveu a Odebrecht e Kuczynski. Aqui, o escândalo da JBS acabou abafando o lado Odebrecht nas várias acusações contra Temer.
Kuczynski , pelo menos libertou um adversário. Já Temer indultou os próprios aliados.
No fundo, é uma reação contra a Lava Jato nos dois países. Um tipo de reação que classifico como tentativa de redução de danos.
Existe outra que visa a neutralizar a Lava Jato e se desenvolve no front do STF. Seu maior objetivo, no momento, é questionar a prisão do condenado em segunda instância. A votação a favor dessa prisão, após o julgamento nos tribunais regionais, foi de 6 a 5.
Gilmar fala em mudar seu voto e virar o jogo. Num front combinado no Palácio do Planalto, os jornais indicam uma aproximação de Temer com o ministro Toffoli, que será o presidente do STF em 2018.
Minha intuição é que têm algo a discutir com urgência: o foro privilegiado. Toffoli suspendeu a votação, pedindo vista do processo, quando a vitória de restrição de foro já estava numericamente garantida.
A ideia que pode uni-los é a possibilidade de o tema ser votado na Câmara, da forma que os deputados escolherem. Nesse caso, as tentações serão muitas, como a de estender o foro privilegiado a ex-presidentes.
São incalculáveis as peripécias que podem surgir neste ano de eleição, quando a posição contra ou a favor da Lava Jato estará em jogo. O PT tende a apresentá-la como manobra imperialista. Alguns candidatos já a defendem abertamente, como Bolsonaro, Álvaro Dias e Marina.
Da boca pra fora, o PSDB pode aprová-la, mas há tantas questões internas não resolvidas que o partido não passa confiança no seu discurso.
Não sou chegado a retrospectivas. Mas o tema Lava Jato foi central nas decisões não só do STF, como de Temer, neste fim de ano. Na verdade, nos últimos anos a Lava Jato tem sido o fato determinante, o foco das notícias mais comentadas. Foi assim nos começos, meios e fins de ano. E provavelmente ainda será em 2018, mas em outro contexto.
De onde vem a primeira grande decisão do começo do ano? De Porto Alegre, no dia 24, quando estará em jogo um dos confrontos mais populares da operação: Lula x Lava Jato.
Um dos fatores determinantes da campanha eleitoral de 2018 está sendo jogado ali. Em qualquer hipótese, todos os cálculos terão de ser refeitos após a decisão do TRF-4 sobre Lula.
Isso é apenas um lembrete para aqueles que querem neutralizar a Lava Jato. Não é imaginável que o seu abalo continental não tenha sido sentido no epicentro do terremoto, o Brasil do PT, da Odebrecht e do BNDES.
O Supremo pode fazer voltar a roda do tempo e garantir que os acusados passem longa parte de sua vida redigindo petições e apresentando recursos. Mas até agora o Supremo não condenou ninguém pela Lava Jato. No Rio e em Curitiba já houve dezenas de condenações. Mesmo acabar com a prisão em segunda instância, abrindo prazo para longos recursos, já não terá o impacto de antes.
Maluf foi preso aos 86 anos. Sua penitenciária tem uma área geriátrica. Num futuro em que os recursos se alongam no STF, ainda assim terá de ser construído um complexo só para idosos.
Não adianta tapar o sol com a peneira. O País foi sacudido pela revelação do maior escândalo da História, partidos e empresas envolveram-se nele, o próprio sistema político entrou em colapso.
Ainda não é possível prever o impacto que tudo isso terá nas eleições. Existem pesquisas indicando o desencanto com os políticos. Todavia hoje há métodos que usam dados em quantidades gigantescas, cruzando-os e extraindo algumas hipóteses. Talvez vejam mais que as pesquisas.
É a primeira eleição presidencial depois do impacto sistêmico da Lava Jato. Não há como escapar dessa variável.
Mas a Lava Jato é apenas uma operação policial e o sistema político-partidário em ruínas, uma evidência. Pede mais do que uma defesa – a favor ou contra, digamos.
Daí a importância de questionar os candidatos não só sobre apoio, mas que conjunto de medidas está ao seu alcance para completar no âmbito político e legal a renovação que a Lava Jato inspirou. Na verdade, creio que este sempre foi o desejo da Lava Jato, a julgar pelas entrevistas: que a sociedade e o mundo político completem a tarefa.
Cada país, em circunstâncias como as nossas, faz sua renovação de acordo com as possibilidades históricas. A semente de mudanças que a Lava Jato espalhou é um dos trunfos da renovação. Supor que tudo será como antes é um sonho nostálgico, de adultos que ainda acreditam em Papai Noel.
A chance da sociedade é tirar o melhor proveito das eleições. Por dever, prazer ou mesmo com a resignação de quem toma um remédio amargo.
Certamente, vou encerrar desejando a todos um feliz ano novo. Sei que será difícil. Mas não são termos antagônicos. Difíceis têm sido estes anos e sobrevivemos. Devagar a economia melhora.
Como dizem nove entres dez candidatos, o Brasil tem jeito. Nada de errado com a frase, apenas com quem a proclama.
*Jornalista

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Fuga para o Planalto, O Globo


POR MÍRIAM LEITÃO
O grande risco com o Lula não é o radicalismo. Ele nunca foi radical, tanto que, como disse em entrevista na última semana: “Esse mercado injusto que nunca me agradeceu com o tanto que ganhou.” Deveria também ter cobrado gratidão das empresas em geral, porque nos 13 anos do governo petista os benefícios para o capital foram de 3% do PIB para 4,5% ao ano, um aumento, ao PIB de 2015, de R$ 90 bilhões.
Na entrevista, em que convidou um grupo de jornalistas para um café da manhã, o ex-presidente disse: “Eu não tenho cara de radical, nem o radicalismo fica bem em mim.” De fato. Não é esse o problema. O risco Lula é institucional. Já condenado em primeira instância, réu em mais 5 processos, denunciado em outros, sua estratégia é a fuga para o Planalto, único local onde poderá escapar de todas as ações, todas as investigações, onde terá autoridade sobre a Polícia Federal, e poderá minar o poder do Ministério Público. O Brasil se transformará num país em que a impunidade será coroada se o réu chegar à Presidência da República.
Ele tem usado a candidatura como defesa nas ações a que responde na Justiça. Provavelmente calcula que quanto maiores forem suas intenções de voto mais inatingível ficará, mais poderá usar a versão de que é um perseguido político.
Contudo, a Justiça terá que decidir diante das provas e dos autos e agora a palavra está com o TRF-4. Mesmo na hipótese de ser absolvido, há outros processos contra ele. Lula se define como uma pessoa “mais conhecida que uma nota de R$ 10”, e tenta usar essa notoriedade para se blindar. Vai se aproveitar do tempo jurídico e das muitas possibilidades recursais em seu favor. “Se eles cometerem a barbaridade jurídica de me condenar tenho ‘n’ recursos para fazer, e vou continuar viajando.”
A Justiça Eleitoral tem aceitado, inexplicavelmente inerte, à campanha presidencial antes da hora. Também nada faz contra a descarada campanha de Jair Bolsonaro. Isso cria a distorção de punir quem cumpre a lei, e favorecer quem a ofende. “O mundo é dos espertos”, disse recentemente o técnico Renato Gaúcho, do Grêmio, ao ser apanhado espionando adversários com drones. A tese do técnico tem se confirmado porque as intenções de voto colocam Lula e Bolsonaro nos primeiros lugares. Pelo visto, bobo é quem cumpre a lei eleitoral.
Ao dar os primeiros toques do que seria seu programa, ele, de novo, recorre à demagogia. “Por que o povo pobre tem que pagar mais imposto de renda do que o povo rico. Por que o rentismo não paga imposto de renda sobre o que ele ganha? Por que a gente não pode começar a pensar em uma política tributária em que as pessoas mais humildes paguem menos e os mais aquinhoados paguem mais? Por que não se coloca em prática a questão do imposto sobre as grandes fortunas? Parece radicalidade, mas não é.” Faltou uma pergunta: por que em 13 anos, quatro meses e 11 dias de governo, o PT não teve tempo de fazer o que ele propõe? Fez o oposto. As deduções de imposto para os grandes grupos e setores empresariais, as transferências através de empréstimo subsidiado, a elevação da dívida pública para aumentar em meio trilhão a capacidade de o BNDES dar crédito barato para grandes empresas, como JBS, grupo X, Odebrecht e outros, foram as grandes marcas dos governos petistas na economia. O programa econômico executado por ele e sua sucessora foi regressivo. Gastou-se mais dinheiro público com os muito ricos.
Lula prepara os truques com os quais vai responder às suas incoerências. Culpou o PT pela foto que tirou com Maluf. “Quando Haddad foi candidato a prefeito em 2012 eu estava com câncer, inchado e foram me tirar de casa para uma fotografia com Maluf.”
Ele se comporta como se o país tivesse amnésia coletiva. Propôs mudar tudo através de uma Constituinte, acusando a “elite”de ter feito uma nova Constituição desde 1988. O PT governou em quase metade desse tempo. Critica a atual gestão da Petrobras como se não tivesse acontecido nas gestões petistas o maior escândalo de corrupção da história do país.
Há todos os disfarces e truques de sempre, a demagogia costumeira, mas estes não são os maiores riscos, e sim um fato de que ele tem contas a acertar com a Justiça e tenta, como defesa, a fuga para a Presidência da República.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)