terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Êxitos de Anitta e da Embraer oferecem uma lição para o país, FSP


SÃO PAULO - Os brasileiros que andam céticos sobre o futuro ganharam de presente nos últimos dias do ano duas histórias que fazem pensar no que ainda dá certo no país.
Mesmo quem nunca tinha prestado atenção na cantora Anitta pôde perceber como ela foi longe. Aos 24 anos, rebolando numa favela carioca com um biquíni de fita isolante, sem vergonha de expor as imperfeições do próprio corpo, ela atraiu a atenção de milhões de pessoas para o clipe de sua nova música na internet.
Na véspera do Natal, "Vai Malandra" estava entre as 20 canções mais ouvidasno mundo pelos usuários de um dos principais serviços de música por assinatura da rede. Foi a primeira vez que uma artista brasileira apareceu tão bem no ranking.
Dias depois da estreia do clipe de Anitta, noticiou-se que a americana Boeing quer comprar a Embraer, a indústria brasileira que lidera o mercado mundial de jatos para aviação regional. Além do êxito comercial dos aviões, que podem ajudar a Boeing na competição com sua rival Airbus, os americanos estão de olho no intelecto dos engenheiros brasileiros.
As ações da Embraer dispararam com a expectativa criada pela notícia. Privatizada há mais de duas décadas, a companhia hoje tem investidores do mundo inteiro como sócios e viu seu valor de mercado aumentar 26% de um dia para o outro.
Há um traço comum nas trajetórias de Anitta e da Embraer. A cantora conquistou o mundo ao se associar a produtores e artistas internacionais que ampliaram sua visibilidade. A fabricante de aviões cresceu aliando-se a fornecedores estrangeiros que a ajudaram a absorver tecnologia e desenvolver novos produtos.
Anitta incomoda as feministas, os puristas da língua e a polícia dos costumes. O avanço da Boeing sobre a joia da coroa da indústria nacional assustou os nacionalistas, que ameaçam barrar a transação. Talvez tenha chegado a hora de os críticos deixarem de lado os preconceitos para tentar entender a lição da malandra. 

Os soluços do outono, Cony , na FSP ( simplesmente lindo)

CARLOS HEITOR CONY




O homem treme diante desses males que não o atingirão e chora os bens que não perdeu



Ainda é inverno, na Europa ainda é verão, mas com a idade fui me libertando do tempo e das estações, há uma primavera no meio, mas já sinto aqueles "sanglots longs de violons de l'automne" do poema de Verlaine, afinal, o verão foi curto, a primavera, pouca, só o outono parece que vem para ficar e durar, além do inverno definitivo e inútil.
Como o atleta que não sabe se chega ao fim da corrida, como o pintor que ignora até que ponto aquela linha ou aquela cor o levará, primavera e verão são noviciados efêmeros da vida que afinal importará e que só será vida verdadeira quando abrirmos a lente grande-angular de nossas retinas e, desprezando detalhes, ou juntando-os para a perspectiva serena de nós mesmos, sentiremos os soluços longos de tudo o que passou e ainda não acabou, embora não possa ser resgatado. De que valeria o resgate se o chão dos parques e jardins estão atapetados de folhas que foram verdes e ainda não estão mortas, mas da cor de ouro, da cor dos cascos abandonados dos navios que não podem mais nem querem mais navegar. 
Com suas âncoras cansadas, esperam resignadas, seu silêncio enferrujado, o grande mar que tantas vezes elas venceram, o grande mar que aos poucos fará parte delas mesmas, como as folhas mortas do outono voltarão à terra que não mais será nossa terra, mas aquilo que fomos, efêmeros embora.
Sempre lembro o amor outonal de Goethe por uma jovem. Somente a perspectiva do outono pode dar sentido a tudo o que aconteceu, a nós e a tudo. Aos 20, 30 anos, que nos importava a Guerra do Peloponeso, o ciúme de Otelo, o teto da capela Sistina, as sinfonias que Mahler ainda escreveria?
Em pleno verão de sua vida, quando escrevia o poema do médico senil que venderia a alma para possuir a juventude eterna, Goethe já começava a ouvir, distante ainda, os soluços longos do outono que se aproximava e do qual ele teve a perspectiva das folhas que formariam seu chão definitivo.
"Quando a imaginação desdobra as suas asas atrevidas, ela sonha com a eternidade em seu delírio; mas um estreito espaço basta-lhe quando um abismo devorou todas as suas alegrias e esperanças. 
A inquietude aloja-se no fundo do coração e nele produz dores secretas: ela trabalha sem descanso e destrói o prazer e o repouso; assume mil fisionomias diversas: é ora o nosso lar, ora uma mulher, depois uma criança, uma casa, o fogo, o mar, um punhal, um pouco de veneno. 
O homem treme diante desses males que não o atingirão e chora continuamente os bens que não perdeu." No tempo de Goethe, parece que ninguém fazia sinopses para poemas e romances, tudo vinha de repente, de uma perspectiva própria das "asas atrevidas da imaginação". 
Os longos soluços, vindos do outono que se aproximava, davam-lhe o anúncio que não chegava a ser triste, mas final. Não podia terminar esta crônica sem voltar a Verlaine, em tradução de Guilherme de Almeida: "Estes lamentos dos violões lentos do outono enchem minha alma de uma onda calma de sono. E soluçando, pálido, quando soa a hora, recordo todos os dias doidos de outrora. E vou à toa no ar mau que voa: que importa? Vou pela vida, folha caída e morta".
E é por aí que, dos soluços cada vez mais longos e próximos, descubro não a tristeza do outono, mas a lucidez de sua verdade e de sua beleza.
PS: Se Guilherme de Almeida fosse apenas um tradutor, teria traduzido "violons" por "violino" -o que seria mais correto. Contudo, ele também era poeta -dos bons- e não perderia a oportunidade de obedecer ao ritmo do famoso verso que serviu de senha para os resistentes franceses da Segunda Guerra Mundial ficarem sabendo que os Aliados estavam desembarcando na Normandia, no início do que seria a libertação da França da ocupação nazista e, praticamente, do próprio fim da guerra. 
De certa forma, o longo soluço de um outono para o tempo do homem em sua verdade final.

Temer mantém indulto a condenado por corrupção, OESP



Presidente ignora pedidos da força-tarefa da Lava Jato ao assinar decreto e reduz o tempo de cumprimento de pena para obtenção de perdão; procuradores criticam






Beatriz Bulla, O Estado de S. Paulo
22 Dezembro 2017 | 19h18

Michel Temer
Presidente Michel Temer Foto: André Dusek/Estadão
Atualizada às 21h45
O presidente Michel Temer ignorou solicitação da força-tarefa da Operação Lava Jato e recomendação das câmaras criminais do Ministério Público Federal ao assinar o decreto de indulto natalino, publicado nesta sexta-feira. Os procuradores pediam, entre outros pontos, que os condenados por crimes de corrupção não fossem agraciados pelo indulto. O decreto publicado no Diário Oficial também reduz o tempo necessário de cumprimento de pena para obter o perdão.
O benefício de Natal é previsto na Constituição e concede supressão das penas, se atendidos determinados requisitos como cumprimento de parcela da punição. Antes, para os crimes cometidos sem grave ameaça ou violência, era preciso cumprir um quarto da pena no caso dos que não eram reincidentes. No decreto deste ano, o tempo caiu para um quinto da pena.
O decreto foi criticado por procuradores e representantes da Lava Jato. Em novembro, os integrantes da força-tarefa em Curitiba estimaram que ao menos 37 condenados pelo juiz federal Sérgio Moro poderiam ser beneficiados pelo indulto.
Os procuradores, porém, não especificaram a partir de quando nomes como o do operador Adir Assad obteriam o perdão. Para o subprocurador da República Mario Bonsaglia, responsável pela Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do MPF, o texto atual assinado por Temer não acolheu as sugestões e recuou nos aperfeiçoamentos de 2016.
“Foi um retrocesso em relação ao ano passado que poderá causar reforço no sentimento de impunidade”, afirmou o subprocurador, que entregou a manifestação do MPF ao ministro da Justiça, Torquato Jardim.
‘Ato humanitário’. Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que o indulto natalino “é um ato humanitário do presidente da República”. “Não é um ato judicial ou alvedrio (arbítrio) do Ministério Público Federal.”
Segundo a pasta, “historicamente, no indulto se estabelecem critérios abstratos, impessoais e universais, em benefício de presos com porcentual relevante da pena concreta já cumprida, à exceção dos crimes hediondos, de tortura, terrorismo e outros casos”. “Escolher critérios concretos direcionando a inclusão ou a exclusão de apenados é uma violação ao princípio humanitário do indulto.”
Por meio da assessoria de imprensa, o Palácio do Planalto informou que “o presidente da República concedeu o indulto de acordo com o artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal”. O artigo estabelece que “compete privativamente ao presidente da República conceder indulto e comutar penas”.
No documento entregue ao ministro no dia 1.º de dezembro, os procuradores sustentam que o Brasil é signatário de convenções internacionais em que se compromete a intensificar o combate a crimes transnacionais e a sociedade civil cobra o combate à corrupção. 
“O MPF não é contra apresentar indulto a pessoas que não precisam estar presas ou que podem ser libertadas da prisão sem que haja prejuízo à sociedade. As prisões têm de ser priorizadas para autores de crimes mais graves, seja envolvendo violência, crimes sexuais ou crimes de colarinho branco e contra o sistema financeiro em geral. São crimes que causam grande prejuízo à sociedade”, afirmou Bonsaglia.
Reiteração. A proposta de retirar a corrupção dos crimes previstos no indulto natalino já havia sido apresentada pelo MPF no ano passado. Desta vez, os procuradores fizeram também um pedido alternativo para que o indulto no caso de crimes contra administração pública fosse, no mínimo, mais restritivo, exigindo reparação total do dano causado. A proposta também não foi contemplada.
O decreto presidencial deste ano concede indulto a pessoas que cumprem penas restritivas de direitos – sem reclusão em penitenciária. No ano passado, a pedido do MPF, o benefício não incluiu esses casos, que voltaram a ser contemplados agora.
Lava Jato. O coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, criticou o decreto do presidente no Twitter. O procurador chamou o indulto de "feirão de natal para corruptos"pelo fato de o crime de corrupção não estar entre as exceções para o benefício. Para ele, Temer "prepara uma saída para si (se condenado) e para outros réus".

Sobre o decreto de indulto do presidente: antes, corruptos precisavam cumprir apenas 1/4 da pena. Agora, irrisórios 1/5. É um feirão de Natal para corruptos: pratique corrupção e arque com só 20% das consequências - isso quando pagar pelo crime, porque a regra é a impunidade.