quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A disputa sobre o Fundef, OESP


A morosidade da Justiça e o desconhecimento de finanças têm levado a equívocos

O Estado de S.Paulo
13 Setembro 2017 | 03h03
A morosidade da Justiça e o desconhecimento de finanças públicas têm levado procuradores e magistrados a tomar decisões não só equivocadas, do ponto de vista jurídico, mas, também, com graves consequências econômicas para o País. Exemplo dessa decisão foi o recente julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de ações de autoria dos Estados da Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Amazonas, reclamando dos critérios utilizados pela União para calcular os repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou entre 1998 e 2006.
Por 5 votos contra 2, o STF acolheu as ações e obrigou o governo federal a pagar aos Estados as diferenças por eles reclamadas, no valor de R$ 50 bilhões. Como vários municípios também levaram a mesma reivindicação ao Judiciário e os Tribunais Regionais Federais (TRFs) a têm acolhido, quando transitarem em julgado essas ações podem acarretar para o Tesouro um gasto de mais de R$ 90 bilhões. Com isso, a soma do que a União terá de arcar com todos esses processos é próxima do rombo fiscal de R$ 159 bilhões previsto pelo governo federal para 2017.
Até a decisão do STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) tinha esperança de que a Corte negasse os recursos dos Estados, o que acabaria estimulando os TRFs a rejeitar as ações dos municípios. Mas, com a derrota do governo, a AGU agora está preocupada com uma enxurrada de ações impetradas pelos municípios. “Para nós, o tema já está pacificado. A União desviou bilhões da educação”, afirma o presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, que há anos estimula prefeitos a questionarem judicialmente os critérios de repasse do Fundef. Embora os advogados da AGU tenham alegado que esses processos podem comprometer as finanças públicas, prevaleceram no julgamento os argumentos do ministro Luís Roberto Barroso, para quem a crise fiscal dos Estados e municípios é tão grave quanto a da União. “Estamos repartindo escassez. Por temer o horror econômico, não podemos promover o horror jurídico”, disse ele.
Na realidade, a discussão não teria ganhado o vulto que tomou se o Ministério Público (MP) e a Justiça não tivessem ido além de suas competências, reinterpretando a lei que criou o Fundef e deixando de levar em conta os objetivos desse programa, que foi criado para diminuir as desigualdades regionais na área do ensino. Por meio dessa lei, a União se compromete a repassar recursos para os Estados carentes, equiparando o tratamento dado a todos os alunos do País.
A lei determina à União que divida a receita fiscal de cada Estado pelo número de matrículas do ensino fundamental do ano anterior. O valor obtido é o mínimo a ser gasto por aluno e, se o Estado não tiver capacidade financeira, a União fará o complemento. Mas, com apoio do Ministério Público, os Estados reinterpretaram a lei. Segundo eles, a União deve considerar o valor da receita fiscal de todos os Estados e dividi-lo pelo número de matrículas. O resultado seria o mínimo a ser gasto por aluno em todo o País e o Estado que não tivesse recursos para bancá-lo seria auxiliado pelo governo federal. Esse entendimento – que foi endossado pelo STF – aumenta significativamente o valor mínimo a ser gasto por aluno nos Estados com baixa receita fiscal. Esse problema foi agravado pela decisão do STF que, invocando a “uniformização da qualidade do ensino”, impôs suplementações iguais para os repasses, ignorando que as necessidades do Estado de São Paulo são bastante distintas das dos Estados menos desenvolvidos.
Não cabia ao MP endossar a mudança de critérios de repasse estabelecidos pela lei do Fundef nem ao STF decidir pela “melhor fórmula”, impondo um mesmo tratamento a realidades diferentes. Tais decisões mudaram o espírito e a letra da lei e criaram um vultoso esqueleto fiscal, agravando as dificuldades que o País tem de superar, para sair da mais grave crise de sua história.

Liberdade, liberdade, Monica de Bolle OESP



A desigualdade não caiu, pois a parcela mais rica continuou a ver o crescimento expressivo de sua renda






O Estado de S.Paulo
13 Setembro 2017 | 05h00
“Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós. E que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz.”
Samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, 1989
O xingamento mais divertido que recebi foi há alguns anos, após ter traduzido a obra de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI. Alguns autoproclamados liberais, revoltados com a audácia de transpor para o português aquela que era considerada a obra de economia mais importante de 2013 e 2014, escrita por economista “de esquerda”, resolveram me chamar de “aquela tradutora do Piketty”. Imagino que sejam os mesmos liberais que hoje defendem a censura em nome “da ordem e dos bons costumes”, aqueles ameaçados por obras de arte – pouco importa a suposta qualidade de tais obras. Liberais que defendem a censura por terem tido suas sensibilidades ofendidas são contradição em termos. Liberais que agora gostam de Piketty pelo seu mais recente estudo sobre o Brasil são engraçados.
Thomas Piketty voltou às manchetes brasileiras depois que recente trabalho seu revelou a falácia do mito da queda da desigualdade no Brasil. Hoje, aqueles que atacaram o autor e sua obra por considerá-los demasiado “esquerdistas” o exaltam por desvelar mitologias do lulopetismo. No Brasil, persiste a ideia no debate econômico de que linhas de pensamento correm em paralelo e não podem jamais se cruzar. Mas eis que Piketty apresentou fatos e dados que condizem com o que muitos imaginavam e que, além disso, servem para alimentar a retórica política de um grupo de sociedade.
Traduzi a obra O Capital no Século XXI, do francês, por considerá-la profundamente atual, além de refletir bem a realidade do mundo em que vivemos, extremamente desigual. Tal desigualdade está no cerne dos movimentos nacionalistas e “populistas” – considero o termo “populismo” demasiado desprovido de rigor de caracterização, potente enquanto chavão, porém vazio no conteúdo do significado – que pipocam mundo afora. Piketty tratou o tema da desigualdade com rigor empírico e expôs à profissão a profunda falácia de tê-lo ignorado por tanto tempo – essa é sua principal contribuição. Se as propostas que Piketty sugere para combater a desigualdade deixam a desejar, ele teve o grande mérito de pintar o elefante branco na sala de rosa-choque e de enfeitá-lo com plumas e paetês: ninguém mais pôde ignorar o bicho desde que O Capital no Século XXIfoi publicado.
Consideremos os fatos: a desigualdade no Brasil não caiu, pois a parcela mais rica da população brasileira continuou a ver crescimento expressivo de sua renda em ritmo mais elevado do que a parcela mais pobre ganhava poder de compra e empregos. Dito de outro modo, se os programas de transferência de renda iniciados no governo FHC e aumentados no governo Lula beneficiaram parte significativa da população brasileira, ajudando muitos a alcançar o cobiçado status de classe média, os mais ricos no Brasil mais do que preservaram seus privilégios. É esse o grande paradoxo do período iniciado com Lula na Presidência, e que somente terá chance de fim quando Temer a deixá-la. Afinal, não sejamos ingênuos a ponto de imaginar que as políticas de Temer beneficiam as camadas menos favorecidas da população. O fisiologismo do presidente e de seu partido, a corrupção sem freios, o toma lá dá cá tão velho e desgastado são mera continuação do que foi estabelecido como regime no Brasil. As malas abertas pornográficas encontradas em Salvador, jorrando dinheiro das entranhas, que o digam.
O que impede a queda da desigualdade no Brasil? De um lado, algo velho e conhecido: nosso sistema tributário irrefutavelmente regressivo. De outro, políticas públicas que privilegiam setores e grupos de interesse – os campeões nacionais de Lula e Dilma, os congressistas e parcelas do funcionalismo público de que Temer necessita para manter-se no poder. A roupagem muda, mas a engrenagem que mantém alta a desigualdade de renda brasileira está intacta há décadas.
É possível ser liberal de verdade – sem defender a censura – e preocupar-se com a distribuição de renda. É possível ser liberal e acreditar que o Estado tem o dever de reduzir a desigualdade por meios diversos, com programas sociais e medidas para dissolver as barreiras que impedem a ascensão social de muitos. Liberdade, nem que à tardinha. Igualdade sem piadinha.
* ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Governo planeja privatizar um terço das estatais federais, OESP



Número deve cair de 154 para 100 ao final do processo de privatização; em um ano, empresas foram de prejuízo de R$ 32 bilhões a lucro de R$ 4,6 bilhões






Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo
13 Setembro 2017 | 05h00
BRASÍLIA - A nova rodada de privatização das estatais federais vai reduzir em um terço o número de companhias do governo, nos cálculos do secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento, Fernando Ribeiro Soares. O número de empresas já caiu este ano de 154 para 150 e deve diminuir para cerca de 100 ao final do processo de privatizações das empresas anunciado recentemente.

Corte de luz
Só a venda da Eletrobrás será responsável por diminuir em 38 a quantidade de estatais federais Foto: Pilar Olivares/Reuters - 20/8/2014
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Soares disse que o enxugamento visa a tornar os grupos empresariais estatais “mais leves” garantindo mais retorno ao governo federal. “É uma maldade dizerem que buscamos com as privatizações só o resultado fiscal. Queremos promover a racionalidade”, disse o secretário.
Só a venda da Eletrobrás será responsável por diminuir em 38 a quantidade de estatais federais. A operação incluirá a holding e todas as suas subsidiárias, com exceção da Eletronuclear, que opera as usinas de Angra dos Reis. O governo também trabalha para se desfazer das Sociedades de Propósito Específico (SPEs), empresas formadas pela Eletrobrás em parceria com outras companhias e que têm um objetivo definido.
Antes mesmo de colocar em prática esse enxugamento mais drástico, o governo adotou medidas para melhorar os resultados das estatais. O conjunto de empresas federais saiu de um prejuízo de R$ 32 bilhões, no resultado global em 2015, para um lucro de R$ 4,6 bilhões em 2016. O desempenho, que incluiu 154 empresas, só foi fechado ontem pelo Ministério do Planejamento e divulgado com exclusividade ao Estadão/Broadcast.
Para o secretário, em 2017 o desempenho será ainda melhor, também por causa das duas maiores companhias estatais. “O resultado de R$ 4,6 bilhões para 2017 é piso. Vamos melhorar mais ainda”, garantiu. “A tendência é que os resultados das Eletrobrás e Petrobrás venham a melhorar por tudo que está sendo feito.”

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Conheça as principais privatizações anunciadas pelo governo

Desinvestimento. No caso da Petrobrás, o secretário citou a política de desinvestimentos, centrada na venda de empresas que não atuam na área prioritária de exploração, produção e refino de petróleo. Para ele, a melhora do resultado das estatais é muito relevante para as contas do governo por três razões: evita a necessidade de aportes com recursos do Orçamento com impacto nos gastos primários; melhora o repasse de dividendos, e barra o risco de que empresas hoje não dependentes se tornem no futuro dependentes do Tesouro Nacional.
Pelo menos duas estatais correm o risco de passar a depender do Tesouro: Infraero e Correios. “Infraero está no radar, estamos preocupados”, disse o secretário, ressaltando a importância do trabalho de reformulação que está sendo feito nas duas empresas. No caso da estatal aeroportuária, o governo já precisou incluir no Orçamento desse ano a previsão de aporte de R$ 1,5 bilhão para reforçar o caixa da empresa.
O secretário ponderou que o processo de privatização “não é 8 ou 80” e ressaltou que há muitas possibilidades para melhorar a eficiência das estatais, como fusões, extinções e parcerias. No caso de fusão, ele citou a incorporação da BB Cor Participações pela BB Corretora e da Telebrás Copa pela holding Telebrás. No caso de extinção, está em andamento o fechamento da BNDES PLC, subsidiária do banco com sede em Londres.
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