sábado, 13 de maio de 2017

Um ano de impopularidade e de algum avanço - CELSO MING

ESTADÃO  - 12/05

Não é na aprovação do povo que Temer pretende ganhar pontos


Até mesmo quem apostou no “Fora Temer” e nas “Diretas Já” parece convencido de que não há o que mudar: ruim com ele, pior sem ele. E, assim, nesta sexta-feira, o governo Temer chega ao segundo outono.

Um ano é um ano e suas circunstâncias. Temer completa 12 meses de forte impopularidade e, como Dom Quixote, não é nesse quesito que pretende conquistar pontos. Uma passagem que não consta do livro de Cervantes relata que, ao chegar à primeira aldeia logo após iniciada a grande viagem, a comitiva foi recebida com intenso ladrar de cães. Foi quando o confiante Quixote disse para seu fiel escudeiro: “Ladran, Sancho, es señal que avanzamos”.

Do ponto de vista político, Temer conquistou a façanha de obter boa maioria no Congresso e, com ela, aprovar leis também impopulares, que levam ao início do saneamento das contas públicas.

Seu governo herdou a maior recessão da história recente e o mais alto índice de desemprego. Mas segue avançando nos ajustes e nas reformas, em ritmo mais lento do que o anunciado, mas segue avançando, Sancho, apesar das avarias políticas produzidas pela oposição e pela Operação Lava Jato.

Mais do que resultados imediatos, a equipe econômica, agora constituída por profissionais notáveis, conseguiu juntar grande capital em credibilidade que afastou a ameaça iminente de novos rebaixamentos pelas agências de classificação de risco. Em um ano, o Credit Default Swap, o título que mede o índice de risco do País no mercado financeiro internacional, baixou dos 327 pontos para os 204,9 registrados nesta quinta-feira, dia que também trouxe a boa notícia de virada nos resultados da Petrobrás.

O Banco Central, antes desacreditado, voltou a comandar as expectativas do mercado. Há quem ainda critique a direção de Ilan Goldfajn por excessivo conservadorismo na condução da política monetária, mas não de seguir com a enrolation com que se caracterizou a administração anterior.

O fundo do poço pode ter sido atingido, como assegura o ministro da Fazenda, mas ainda não há evidências suficientes de que a recuperação tenha se iniciado. O desemprego continua recorde e não parece que tão cedo dê sinais de virada. Mas há pelo menos três grandes feitos a exibir e mais dois com provável avanço.

Já não há represamento de preços e tarifas e, no entanto, a inflação despencou dos 9,28% em 12 meses registrados no final do governo Dilma para os atuais 4,08%. Nesse rastro, os juros também começaram a cair. As contas externas, ponto de grande vulnerabilidade nas crises passadas, mostram grande robustez. E, na área produtiva, o setor do agronegócio dá show. Deverá apontar neste ano aumento de produção física de 26% (veja o Confira), conjugado com bons preços em moeda estrangeira.

Embora mais lentamente do que o desejado, os leilões de concessão de serviços públicos e de áreas de petróleo foram retomados e deverão se intensificar no segundo semestre.

Mas não há ilusões a embalar. Os riscos reais de um desastre de enormes proporções continuam aí. A recuperação é frágil e a maioria no Congresso também. Um fracasso na aprovação das reformas pode pôr tudo a perder. Nesse caso, nem o ladrar dos cães apontará para algum avanço.

CONFIRA:

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» Supersafra

Mês após mês, os dois organismos encarregados de avaliar o comportamento das safras aumentam as estimativas. Para o IBGE, a produção física de grãos aumentará neste ano 26,2%, para 233,1 milhões de toneladas. E para a Conab, 24,3%, para 232 milhões de toneladas. Contribuirão para isso tanto o aumento da área agricultável como o da produtividade, graças, em parte, à boa distribuição de chuvas. Em faturamento bruto, R$ 550 bilhões deverão irrigar a economia a partir do interior.

Um banco amigo - MIRIAM LEITÃO


O Globo - 13/05
O BNDES aportou mais de R$ 620 milhões para o JBS comprar a National Beef nos Estados Unidos, mas a autoridade antitruste de lá vetou a aquisição. O banco, então, deixou o dinheiro com o grupo para ajudar no fluxo de caixa na crise ou para outras compras. O BNDES e o JBS eram assim: amigos. A operação de ontem está investigando várias esquisitices no tratamento que o grupo recebeu do banco.

Há de tudo, segundo se pode ver em quatro casos periciados pela Polícia Federal. Prazos que terminam e são sucessivamente prorrogados, ações convertidas a preços favorecidos, explicações contraditórias, dispensa de garantias. No caso da National Beef, a BNDESPar poderia ter cancelado a subscrição quando o negócio não pôde ser realizado. Mas não o fez. Alegou, num dos aditivos, que havia uma crise de liquidez no mundo em 2009 e isso eliminaria uma folga de caixa na JBS. Em outro aditivo informou que a empresa faria “uma ou mais compras” de ativos no exterior. A perícia da PF estranha essa mudança de motivos. “Na única seção opinativa, eles repetiram o argumento da análise anterior sobre a folga de caixa do JBS e acrescentaram que ‘é factível que surjam oportunidades de aquisição em decorrência da desvalorização generalizada dos ativos no mundo.’ Essa frase além de genérica, não foi seguida de uma manifestação dos próprios técnicos quanto ao seu mérito”.

Normalmente uma operação assim é precedida de um estudo sobre a viabilidade do negócio específico, não pode ser genericamente transferida para outra finalidade. Portanto a operação teria que ser desfeita. “Os técnicos do BNDES se abstiveram de emitir opinião, favorável ou contrária, acerca do termo aditivo mencionado, limitando-se a informar que ele tinha sido ‘negociado com os controladores do JBS’”.

A Polícia Federal concluiu, com base na perícia em documentos e em auditoria do TCU, que algumas operações produziram prejuízo para o banco. Ao todo o JBS recebeu R$ 8,1 bilhões de empréstimos, ou venda de debêntures à BNDESPar para comprar ativos no exterior. A ideia por trás das operações era que o banco ajudaria o grupo a se internacionalizar.

No fim de 2009 foi feita outra operação no valor de R$ 3,5 bilhões para que o grupo pudesse comprar o frigorífico Pilgrim’s Pride e o grupo Bertin. Neste caso, a perícia da PF apontou que o valor da conversão das debêntures em ações foi por um preço acima do que deveria ter sido se seguisse os próprios termos do contrato. Essa diferença de valor representou no cálculo da Polícia Federal um prejuízo de R$ 614,5 milhões para a BNDESPar.

“Observe-se que o prejuízo calculado está expresso em valores da época e não leva em conta possíveis benefícios inerentes ao investimento em capital societário, tais como: dividendos, bônus de subscrição, diretos de subscrição de ações”.

Nos documentos do BNDES, a PF diz que a explicação do banco foi que era preciso evitar “um crescimento excessivo na participação societária do BNDESPar na JBS”. A operação também foi criticada pelo TCU. “Poderia a BNDESPar ter buscado em conjunto com a JBS outra solução econômico financeira que não resultasse em cessão graciosa de dinheiro público”. Onze meses depois, o banco concordou em transferir as ações ao JBS a um preço 14% inferior ao usado na conversão das debêntures. A PF ressalta três outros pontos: nesta operação o BNDES dispensou as garantias; abriu mão do prêmio de 10% a que tinha direito e fez uma aprovação expressa. O prazo de processamento é em média de 210 dias. Na compra da Pilgrim’s Pride foi de 29 dias.

O crescimento do JBS foi vertiginoso. No primeiro trimestre de 2007, quando a empresa começou a publicar suas informações financeiras, o patrimônio líquido era de R$ 1,39 bi. Essa linha do balanço saltou para R$ 23,77 bi ao final de 2016, de acordo com a consultoria Economatica. Ou seja, em dez anos, o patrimônio do JBS cresceu 17 vezes.

A operação de ontem teve como alvo o ex-presidente do banco Luciano Coutinho, que está voltando do exterior, e os dois principais acionistas do JBS, Joesley e Wesley Batista. Os motivos que levaram a tanta generosidade do banco com o grupo nunca ficaram bem entendidos. E a dúvida continua.

Diferença gritante - EDITORIAL ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 13/05


Para cobrir o rombo previdenciário do setor privado, foram necessários R$ 4,4 mil por aposentado, enquanto no setor público o montante per capita chegou a R$ 49 mil



O déficit do INSS e das previdências públicas consome anualmente R$ 315 bilhões da União e dos Estados. Enquanto o sistema de aposentadorias do setor privado leva algo em torno de R$ 150 bilhões para ajudar a pagar os benefícios de pouco mais de 29 milhões de aposentados, as previdências dos funcionários públicos demandam R$ 165 bilhões para atender 3 milhões de servidores civis e militares. A espantosa diferença, destacada em recente reportagem do Estado, ilustra o tratamento privilegiado dado ao setor público, na comparação com o setor privado, e ajuda a explicar o alarido dos servidores públicos contra a reforma da Previdência.

Para cobrir o rombo previdenciário do setor privado, foram necessários R$ 4,4 mil por aposentado, enquanto no setor público o montante per capita chegou a R$ 49 mil. O valor sobe para R$ 113 mil quando se consideram apenas os militares. A explicação para tamanha discrepância é que os servidores públicos dispõem de uma série de regalias. Embora desde 2004 esteja em vigor uma regra que limita a 80% dos salários na ativa o benefício pago aos servidores aposentados, a maioria atualmente no funcionalismo foi contratada antes daquele ano e, portanto, continua a ter direito à aposentadoria integral, relativa ao último salário. Além disso, sempre que o salário dos servidores na ativa é reajustado, o aumento é repassado aos aposentados. Como houve deliberada política de valorização salarial dos funcionários públicos nos governos petistas, o aumento real das aposentadorias chegou a quase 40% nos últimos dez anos.

Leonardo Rolim Guimarães, ex-secretário de Políticas de Previdência Social, resumiu a questão de maneira clara: “Há uma enorme disparidade entre público e privado porque os servidores têm privilégios que elevam o valor do benefício”. A reforma da Previdência encaminhada pelo governo visa justamente a reduzir o abismo entre os trabalhadores do setor privado e os funcionários públicos, ao estabelecer limite de idade para a aposentadoria dos servidores, reajustar os benefícios do funcionalismo pela inflação e impor regras mais severas para o seu cálculo.

Não se pode mais admitir que haja trabalhadores – nem aposentados – de primeira e de segunda classe. Por muitos anos os servidores públicos foram mimoseados com benefícios que a maioria dos empregados da iniciativa privada apenas sonha ter. Agora, a título de defender “direitos”, os servidores lideram os protestos contra a reforma da Previdência, por razões mais do que compreensíveis, já que a proposta do governo, se não acaba integralmente com seus privilégios, ao menos os torna menos escancarados.

Os adversários das reformas acusam o governo de pretender reduzir ou mesmo eliminar benefícios que, segundo esse discurso, atendem majoritariamente os mais pobres. As aposentadorias seriam, então, parte do que os sindicatos à frente dos protestos chamam de “justiça social”, como se fosse função da Previdência contribuir para a redistribuição de renda no País.

O problema, como sempre, é a aritmética. A conta simplesmente não fecha, a não ser que se negue a realidade, como têm feito os sindicatos, em especial quando argumentam, pasme o leitor, que a Previdência não é deficitária.

No mundo real, a Previdência não só é deficitária, como o déficit é explosivo e, se não for contido por uma expressiva reforma, comprometerá as contas públicas nas próximas décadas. Se o Congresso decidir manter os privilégios dos funcionários públicos aposentados, será necessário aumentar impostos, o que trava o crescimento econômico e a geração de empregos; tirar dinheiro de outros setores, como saúde, educação e investimentos em infraestrutura, que geralmente atendem as classes mais baixas da população; e aumentar a dívida pública, o que gera inflação, espécie de “imposto” que pesa muito mais sobre os pobres. Ou seja, a elite do funcionalismo quer manter seus privilégios mesmo que inviabilize totalmente a “justiça social” que tanto diz defender.