Especialista em contas públicas, o economista Fabio Giambiagi não vê espaço no Orçamento para atenuar o impacto da reforma proposta pelo presidente Michel Temer para conter a expansão dos gastos da Previdência Social.
Concessões poderão ser feitas para viabilizar a aprovação no Congresso, ele diz, mas seria custoso demais para o país mexer em pilares como a idade mínima para aposentadoria e a regra de transição proposta para os que estão perto de se aposentar.
Mesmo se a reforma passar, afirma, serão necessários novos ajustes daqui a dois anos para evitar que o aumento dos gastos previdenciários tire recursos de programas sociais e outras áreas.
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Folha - Como esta reforma se compara com as anteriores?
Fabio Giambiagi - É claramente mais abrangente.
As três reformas do passado, nos governos FHC e Lula, foram muito parciais. Esta é abrangente, porque aponta para um futuro, daqui a 20 anos, em que teremos
convergência de regimes* entre o geral e dos servidores, entre trabalhadores urbanos e rurais, entre professores e não professores e entre gêneros.
O ponto de chegada simplesmente não pode ser negociado, não há espaço.
Se a
idade de referência** no final cair de 65 para 60, se para mulher for diferente, se para os rurais for diferente, a reforma é ferida de morte.
*O governo prevê que, no futuro, trabalhadores de todos os setores do país tenham as mesmas regras para se aposentar
**Pela proposta do governo, no futuro todos os brasileiros precisarão ter 65 anos de idade para se aposentar
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Por que as condições políticas hoje seriam melhores para impor a idade mínima?
Um aspecto é o amadurecimento da discussão, que ocorre há mais de 20 anos. Pessoas visceralmente contra começam a perceber que "algo tem que ser feito", a conta não fecha. Outro é o retrospecto recente do governo Temer. A reforma de FHC foi uma via-crúcis. Na primeira comissão, demorou um tempo enorme. Agora foi um dia. Isso dá uma ideia simbólica das mudanças nas condições de operação desse processo.
A Folha mostrou que a maioria da comissão refuta a idade mínima de 65 anos, e este é o mesmo Congresso que aprovou as pautas-bomba em 2015.
Sim, é a mesma Legislatura. Mas eles mesmos aprovaram a regra do teto. O Brasil não é para principiantes [risos].
Mas a reforma é impopular.
Não há um economista, independentemente da igreja a que pertença, que duvide que a aprovação do
teto dos gastos públicos* levou calmaria ao mercado financeiro nos últimos quatro ou cinco meses.
E, se o coração da reforma for derrubado, é muito difícil que essa calmaria continue. O mercado financeiro está comprando a ideia de que boa parte da reforma vai passar.
Se houver dúvidas disso, veremos uma mudança na trajetória dessas variáveis, na perspectiva muito clara de a inflação estar em torno de 4,5% em 12 meses já em meados do ano e, o que é mais importante, a perspectiva de os juros se reduzirem até 9% sem absolutamente nada de artificialismo, em contraste com o que houve em 2012 –e com vantagens inequívocas para 100% dos brasileiros.
Sobre os deputados, há um processo de construção da maioria, que leva seu tempo.
É importante que o grosso da batalha seja vencida, que não seja como no governo Fernando Henrique, em que, a cada etapa, a reforma sofria um processo de lipoaspiração que a transformou em um arremedo da proposta original.
*Legislação aprovada em dezembro do ano passado que, pelos próximos 20 anos, limita os gastos federais à inflação do ano anterior
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A atual tem gordura para sobreviver a uma lipoaspiração?
Tem menos, porque boa parte do otimismo do mercado financeiro está calcada na perspectiva de que 80% ou 90% da reforma passe.
Se o ponto de chegada for preservado, há três grandes questões para discussão: primeiro, a do
regime dos militares e análogos*. Seria melhor se já estivesse na mesa. Mas, pela analogia com os regimes estaduais, entendo a prudência do governo em evitar mexer num tema tão nevrálgico num momento de crise tão dramática como a dos Estados.
Será preciso encarar em algum momento, não é possível continuar indefinidamente com aposentadorias precoces de salários mais elevados etc.
A segunda questão é um conjunto de detalhes paramétricos que poderiam ser ligeiramente modificados sem afetar o todo. E o terceiro é a
regra de transição**.
*O governo deixou de fora da proposta de reforma os militares e policiais, que hoje têm condições específicas de aposentadoria
**Mulheres a partir dos 45 anos de idade e homens a partir dos 50 terão direito às regras de transição
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E o salário mínimo?
Podemos considerar um quarto ponto. Mas vamos falar antes da regra de transição.
Do jeito que a proposta foi enviada, pode haver diferenças substanciais nas regras para pessoas que façam aniversário de 45 anos, se mulheres, ou 50 anos, se homens, pouco antes ou depois de quando ela for aprovada.
A única forma de evitar o problema seria uma transição sem mudanças abruptas, mas isso implica espaço fiscal, que o país perdeu. Num país que passou a ter deficit da ordem de 8% ou 10% do PIB, o espaço fiscal ficou mais restrito.
| Ricardo Borges/Folhapress | |
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O economista Fabio Giambiagi, especialista em contas públicas, no Rio |
Qual seria o impacto de uma transição mais suave?
Sejamos francos: a proposta do governo é bastante benigna para as pessoas próximas de se aposentar.
Mesmo aprovando a reforma, conviveremos nos próximos anos com duas realidades que vão se chocar e gerar tensão para o governo de 2019: um teto rígido e uma despesa do INSS que talvez continue crescendo em termos absolutos, o que achata o espaço de Bolsa Família, investimento...
Já estamos na presença do que tenho denominado de canibalismo do gasto social.
Eu, como cidadão que mora no Rio de Janeiro, gostaria de ter mais segurança na rua. É uma função do Estado, ou do município, mas qual o espaço para o governo federal ajudar?
Zero. Por quê? Porque há quem se aposente aos 50 anos.
Onde está a justiça social?
É um Estado disfuncional, que beneficia pessoas específicas e prejudica a sociedade como um todo, por causa da má provisão de serviços importantes para o bem-estar.
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O principal vetor de crescimento do gasto previdenciário em relação ao PIB foi a regra de reajuste real do salário mínimo. Eliminar a vinculação não resolveria uma parte desse problema?
Não tenho dúvida de que a desvinculação é importante. Mas essa não é uma discussão madura na sociedade. O tema da reforma previdenciária, sim, está caindo de maduro.
Por outro lado, vamos avaliar objetivamente: não há ninguém que ache que vai aprovar 100% do que o governo mandou para o Congresso.
Alguma concessão vai ter que ser feita. O que este governo perde se retirar a desvinculação do salário mínimo com o BPC? Nada. Para 2018 e mesmo 2019, é um tema inócuo.
O próximo governo terá que suar a camisa. Há toda uma agenda vasta de reformas no país, e o próximo governo precisará dar continuidade a elas.
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O que o próximo governo deveria fazer com o salário mínimo?
A política de aumento real do salário mínimo foi vítima do próprio sucesso. Como instrumento de melhoria da situação das pessoas efetivamente mais pobres, foi bem-sucedida.
Não é preciso ser especialista em ciência política para entender as vantagens de elevar a remuneração de 30 milhões ou 40 milhões de pessoas.
Mas, como combate à pobreza extrema, não é mais um instrumento eficiente, pois quem estava no grau 2 de renda já passou para o grau 4 ou 5.
É eficiente para reduzir o índice de desigualdade, pela forma como ele é apurado, mas não pelo benefício das pessoas que estão entre os 10% ou os 20% mais pobres.
Em 94, o salário mínimo era US$ 65, havia um contingente ainda significativo de miseráveis, fazia todo o sentido pensar em aumento real do salário mínimo como prioridade nacional.
Será que agora, nessa situação trágica, na maior recessão da história do país, com uma necessidade dramática de religar o motor de arranque da economia, com 13% de desemprego, aumento real do salário mínimo é a prioridade nacional?
O que fazer? Em janeiro de 2019, envia-se um projeto de lei, que só precisa de metade dos presentes, indexando o salário mínimo ao INPC por dez anos.
Ninguém vai perder, e dez anos depois, num país mais maduro, discute-se em melhores condições.
Onde é possível mexer, então, na proposta do governo?
Um ponto é a
regra dos 51%* mais 1 ponto por ano para o cálculo do benefício, que gera a famosa crítica dos 49 anos.
Para mim, está claro que é um convite à negociação. Só espero que o país tenha cuidado para que os 51% não virem 60%, porque aí a conta já fica muito salgada.
Um número que faz sentido é 55%, porque quem entrar aos 20 anos pode se aposentar aos 65 com 100% do benefício.
Os outros se aposentarão com menos. Mas por que seria injusto que quem contribuiu por 45 anos ganhe mais que quem contribuiu por 35? Este vai se aposentar com 90% do salário de contribuição, uma taxa de reposição elevada.
O segundo detalhe é a regra da
pensão por morte**. Não é razoável que, num casal de dois aposentados, se um morrer, a renda seja reduzida em 50%. O custo não vai cair 50%, há despesas como condomínio, aluguel, equipamentos que continuam as mesmas.
Entre 0 e 100% há um vasto espaço para negociação.
Dá para fazer algo intermediário, como 30% ou 40%.
Um terceiro ponto é o adicional por filho menor.
É possível ter regra mais generosa, com impacto fiscal ínfimo, reduzindo a tragédia de algumas situações específicas. São essas as situações em que, com um pouco de boa vontade e espírito de negociação de parte a parte –e não num clima de flá-flu ideológico partidário–, se pode chegar a soluções melhores com pequeno custo fiscal.
*O cálculo do benefício proposto é 51% da média dos salários mais 1 ponto para cada ano de contribuição. Quem contribuir por 25 anos, por exemplo, teria 51 + 25 = 76% da média salarial
**O governo propõe proibir que uma mesma pessoa acumule aposentadoria e pensão por morte
Deveria haver incentivo à poupança, para compensar a perda de renda e a negociação política?
Incentivo tem custo fiscal, renúncia tributária, e não há espaço para isso.
Quem se aposentava por idade com 15 anos de contribuição não pode achar impossível chegar aos 25 e desistir?
Pode ter certeza de que, ao passar de 15 para 25, quem contribuía 15 anos vai contribuir 25. Quem ganha muito pode preferir outro mecanismo. Mas há sempre um risco de avaliar mal as consequências da, entre aspas, "excessiva" longevidade.
Nada paga a tranquilidade de um benefício vitalício.
Para quem não tem condições financeiras, sair do INSS é suicídio. Se ele sair do INSS...
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...vai para o Loas.
Sim, e aí a passagem dos 65 para os 70 anos talvez seja muito abrupta. Uma alternativa seria elevar até 68 anos ao longo de seis anos, em vez de até 70 anos em dez anos.
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Há espaço para discutir fontes de receita que compensem eventuais concessões?
Uma óbvia, mas que precisará ficar para o próximo governo, é na
regra de transição*. Na que está proposta, ainda vai ter gente se aposentando aos 50, 51, 52 anos. Podemos estabelecer uma idade mínima para a própria transição: por exemplo, 60 anos.
*Pela proposta atual de regra de transição, quanto mais perto de se aposentar estiver um trabalhador, menor o 'pedágio' a pagar
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Imposto não?
Acho que não. Terá que ficar para o próximo governo.
Se, mesmo que a reforma fosse aprovada sem mudanças, há risco de que ela conflite com o teto, qual a chance de as pessoas começarem a pensar em flexibilizar o teto?
Uma vez que o teto é fundamental para termos credibilidade internacional, juros baixos etc., a questão que precisará ser colocada em 2019 é: faz sentido, do ponto de vista do país, haver gente que ainda se aposenta aos 50, 51, 52 anos, e menos dinheiro para segurança, investimento, ciência e tecnologia?
Vamos ver. A cada dia a sua agonia.
Mas o importante é aprovar o coração da reforma agora.
Não falta isso na comunicação da reforma: precisamos parar de gastar com aposentadoria para gastar com a, b ou c. Um projeto? Ou isso fica também para o próximo governo?
O mote do governo, reformar para preservar, me parece muito feliz. É a síntese do que está acontecendo.
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RAIO-X/FABIO GIAMBIAGI
Nascimento
9 de maio de 1962
Formação
Mestre em ciências econômicas pela UFRJ
Carreira
Foi professor da PUC-RJ e da UFRJ, economista do BID, assessor do Ministério do Planejamento e coordenador no Ipea
É superintendente de Planejamento e Pesquisa do BNDES, onde trabalha desde 1996
É autor de "Finanças Públicas", "Demografia, A Ameaça Invisível" e "Previdência no Brasil", entre outros