terça-feira, 21 de março de 2017

Reforma da Previdência mira o passado, não o futuro FSP

A aprovação da PEC do "teto de gastos" pode ter levado o governo a um erro de avaliação.
A grande mobilização desta quarta (15) em todo o país revela que a população não está disposta a engolir a seco a reforma da Previdência proposta, desmentindo a afirmação de Temer de que "quem reclama é quem ganha mais".
Segundo estudo de 2015 do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, os benefícios previdenciários sozinhos são responsáveis por reduzir o percentual de pobres no Brasil de 37,8% para 24,2% da população. Defender que a diminuição drástica na cobertura e no valor das aposentadorias não ampliará nossas desigualdades é passar longe da realidade das famílias brasileiras.
É verdade que ajustes no sistema previdenciário sempre serão necessários quando há melhora na expectativa de vida da população. E sempre serão impopulares. Talvez por isso, muitos países tenham criado mecanismos automáticos que vinculam as regras de aposentadoria à expectativa de vida projetada. Mas há formas e formas de fazê-lo.
Além de não levar em conta nossas desigualdades profundas, a reforma de Temer concentra todas as mudanças no lado das despesas, sem nenhuma preocupação com a base de arrecadação do sistema.
A PEC do "teto de gastos" plantou a armadilha: com o total de despesas federais congelado e a expectativa de vida crescente, as despesas previdenciárias ocuparão parcela cada vez maior no Orçamento.
Como há piso para gastos com saúde e educação, as demais rubricas (e.g. Bolsa Família, Cultura, Infraestrutura) tenderão a zero se não houver uma redução dramática na cobertura previdenciária e no valor dos benefícios. Agora virem-se, brasileiras, para escolher o cenário menos pior.
O problema é que, mesmo se reformado sucessivas vezes para incorporar mudanças demográficas, um regime público de Previdência só será sustentável se a razão entre ativos e inativos se mantiver elevada, o que depende também do baixo desemprego e do alto grau de formalização do mercado de trabalho.
Dado o quadro permanente de estagnação em que jogamos o país, não surpreende que tais pressupostos não estejam no centro do modelo de projeção atuarial do governo —sobre o qual quase nada sabemos.
Quanto aos efeitos da reforma proposta, seu impacto é mesmo maior sobre quem começou a trabalhar mais cedo e nas piores condições. Afinal, nos centros urbanos, a aposentadoria por idade já é de 63,1 anos em média, um patamar próximo ao dos países desenvolvidos.
Entender a idade mínima exigida como uma simples convergência para o padrão de países da OCDE é ignorar que na França, por exemplo, onde a idade de aposentadoria já é de 65 anos, a expectativa de vida da população supera os 82. No Brasil, a expectativa média é de 75 anos, e, nas áreas rurais, muito menos.
Além disso, a expectativa de vida saudável no país é de apenas 64 anos. Exigir 49 anos de contribuição para recebimento da aposentadoria integral nada mais é do que uma forma de reduzir dramaticamente valor real dos benefícios para a grande parcela da população que terá de aposentar-se mais cedo.
Como se não bastasse, a reforma prevê também o aumento da idade de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) de 65 para 70 anos e desvincula o seu valor do salário mínimo, golpeando idosos e portadores de deficiência cuja renda familiar per capita é inferior a um quarto de salário mínimo.
Em vez de preparar-nos para o futuro, essa reforma parece mesmo mirar o velho Brasil, campeão das desigualdades. 

domingo, 19 de março de 2017

Erotização e gravidez precoce - CARLOS ALBERTO DI FRANCO, OESP


ESTADÃO - 13/03

A raiz do problema está na onda de baixaria que tomou conta do ambiente nacional


O leitor é o melhor termômetro para medir a temperatura do cidadão comum. Tomar o seu pulso equivale a uma pesquisa qualitativa informal. Aos que há anos me honram com sua leitura neste espaço opinativo transmito uma experiência recorrente: família, ética e valores aumentam o índice de leitura. Dão ibope. Há uma forte demanda de pautas positivas. As pessoas estão cansadas do bombardeio politicamente correto. Querem reflexão aberta, sem tabus ideológicos.

Em recentes artigos tratei da crise da família. Recebi muitos e-mails, sem dúvida uma sugestiva amostragem de opinião pública, sobretudo considerando o rico mosaico etário, profissional e social dos remetentes.

Neste Brasil sacudido por uma brutal crise ética, alimentada pelo cinismo dos homens públicos e pela mentira dos que deveriam dar exemplo de integridade, há, felizmente, uma ampla classe média sintonizada com valores e princípios que podem fazer a diferença. E nós, jornalistas, devemos escrever para a classe média. Nela reside o alicerce da estabilidade democrática.

Escreva algo, sublinhavam alguns dos e-mails que recebi, a respeito da desorientação da juventude. Meu artigo de hoje, caro leitor, foi pautado por você. Tomarei como gancho um dado objetivo e preocupante.

Adolescentes deram à luz 431 mil bebês em 2016, o equivalente a 21% dos nascimentos no ano no Brasil. A gravidez precoce é hoje no Brasil a maior causa da evasão escolar entre garotas de 10 a 17 anos. Estudo do Ipea aponta que 76% das mães brasileiras de 10 a 17 anos não estudam e 58% não estudam nem trabalham. Outros estudos revelam que complicações decorrentes da gestação e do parto são a terceira causa de morte entre as adolescentes, atrás apenas de acidentes de trânsito e homicídios. A gravidez afeta até quem mal saiu da infância.

A gravidez precoce realmente se está tornando um grande problema na educação. Crianças condenadas a não estudar. Horizonte cruel. Futuro triste. Cenário complicado. Mas dramaticamente coerente com um país em que o ministro mais importante não é o da Educação ou da Saúde, mas o da Fazenda.

É um absurdo acreditar que uma criança vá ter maturidade para ter um filho com essa idade. Pregar a abstinência sexual de meninas de 10 a 14 anos não significa ser moralista ou careta, mas responsável. Não se trata de histeria conservadora, mas de bom senso.

A culpa não é só do entretenimento permissivo ou da TV, que frequentemente apresenta bons programas. É de todos nós – governantes, formadores de opinião e pais de família –, que, num exercício de anticidadania, aceitamos que o País seja definido mundo afora como o paraíso do sexo fácil, barato, descartável. É triste, para não dizer trágico, ver o Brasil ser citado como um oásis excitante para os turistas que querem satisfazer suas taras e fantasias sexuais com crianças e adolescentes. Reportagens denunciando redes de prostituição infantil, algumas promovidas com o conhecimento ou até mesmo com a participação de autoridades públicas, crescem à sombra da impunidade.

O governo, assustado com o crescimento da gravidez precoce e com o crescente descaso dos usuários da camisinha, investe pesadamente nas campanhas em defesa do preservativo. A estratégia não funciona. E não funcionará. Afinal, milhões de reais já foram gastos num inglório combate aos efeitos. A raiz do problema, independentemente da irritação que eu possa despertar em certas falanges politicamente corretas, está na onda de baixaria e vulgaridade que tomou conta do ambiente nacional. Diariamente, na televisão, nos outdoors, nas mensagens publicitárias o sexo é guindado à condição de produto de primeira necessidade.

Atualmente, graças ao impacto da TV e da internet, qualquer criança sabe mais sobre sexo, violência e aberrações do que os adultos de um passado não tão remoto. Não é preciso ser psicólogo para que se possam prever as distorções afetivas, psíquicas e emocionais dessa perversa iniciação precoce. Com o apoio das próprias mães, fascinadas pela perspectiva de um bom cachê, inúmeras crianças estão sendo prematuramente condenadas a uma vida “adulta” e sórdida.

Promovidas a modelos, e privadas da infância, elas se estão comportando, vestindo, consumindo e falando como adultos. A inocência infantil está sendo impiedosamente banida. Por isso, a multiplicação de descobertas de redes de pedofilia não deve surpreender ninguém. Trata-se, na verdade, das consequências criminosas da escalada de erotização infantil promovida por alguns setores do negócio do entretenimento.

Se quisermos um entretenimento de qualidade, precisamos separar o exercício da liberdade de expressão da prática do entretenimento mundo-cão. Há uma liberdade de mercado que produz um mercado da liberdade. De resto, mesmo que exista uma demanda de vulgaridade e perversão, deve-se aceder a ela?

Suponhamos que exista um público interessado em abuso sexual de crianças, assassinatos ao vivo, violência desse tipo. Nem por isso a TV deveria ter programas especializados em pedofilia e assassinatos. O mercado não é um juiz inapelável. Não se deve atuar à margem dele, mas tampouco se pode sobrevalorizá-lo.

As campanhas de prevenção da aids e da gravidez precoce batem de frente com novelas e programas de auditório que fazem da exaltação do sexo bizarro uma alavanca de audiência. A iniciação sexual precoce, o abuso sexual e a prostituição infantil são, de fato, o resultado da cultura da promiscuidade que está aí. Sem nenhum moralismo, creio que chegou a hora de dar nome aos bois, de repensar o setor de entretenimento e de investir em programação de qualidade.

O Brasil, não obstante suas dramáticas chagas sociais, políticas e econômicas, é uma nação emergente. É, sem dúvida, bom de samba. Mas é muito mais que o país do gingado e do carnaval.

Prevendo o desastre - HÉLIO SCHWARTSMAN, FSP


Folha de SP - 17.03

SÃO PAULO - Dezenas de milhares foram às ruas contra a reforma da Previdência. Na ponta do lápis, eu também deveria ser contra. Já passei dos 50 e, portanto, estou "quase lá". É improvável, ainda, que o sistema quebre nos próximos 30 ou 35 anos, de modo que um eventual colapso não me afetaria diretamente.

Quanto a meus filhos, que poderiam, sim, ser prejudicados pela inação, estou lhes dando uma educação que permitirá que busquem uma carreira fora do Brasil, se o país insistir em marchar voluntariamente para a inviabilidade. Mas, por motivos que transcendem a pura racionalidade, eu não quero que o Brasil fracasse, mesmo que já não esteja neste mundo para testemunhá-lo.

A discussão da Previdência é, no fundo, simples. Lá no início, adotamos o sistema de repartição simples, pelo qual são os trabalhadores em atividade e os contribuintes que arcam com as despesas das aposentadorias dos idosos e as pensões. É um sistema que pode dar-se ao luxo de ser generoso enquanto houver muitas crianças nascendo, precisa ir se tornando mais cauteloso (quase avarento) à medida que a população envelhece, e fica perigosamente perto da inexequibilidade quando a fecundidade cai muito e já não repõe a PEA (população economicamente ativa).

O Brasil já deixou de ser um país que produz muitos jovens e caminha rapidamente para ser um que gera muitos velhos. A taxa de fecundidade caiu de 6,28 filhos por mulher em 1960 para 1,72 em 2015 —o que é menos do que o necessário para manter a população constante. Nesse meio tempo, a proporção de idosos (mais de 60 anos) passou de 4,7% da população para 14,3%. E as projeções não indicam nenhum alívio à frente.

Nada contra buscar mais recursos para o INSS, mas não vislumbro crescimento econômico, maior formalização ou aumento de tributos que dê conta do tsunami demográfico que já está contratado. Ou fazemos uma boa reforma, ou não vai dar.