quinta-feira, 16 de março de 2017

Morre dom Paulo Evaristo Arns, ícone progressista da igreja no Brasil, FSP




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Morreu nesta quarta-feira (14), na capital paulista, o arcebispo emérito de São Paulo e cardeal dom Paulo Evaristo Arns, 95.
Ele estava internado no Hospital Santa Catarina desde o último dia 28 com problemas pulmonares. Nesta semana, havia sofrido uma piora em sua função renal e estava na UTI. A morte ocorreu por volta das 11h45.
Ao longo da vida, o frade franciscano Paulo Evaristo Arns recebeu muitos epítetos.
Foi chamado de cardeal da liberdade, bispo dos oprimidos, cardeal dos trabalhadores, bispo dos presos, bom pastor, cardeal da cidadania, guardião dos direitos humanos e tantos outros.
Mas já ao final da vida, quando lhe perguntaram como gostaria de ser lembrado, deu uma resposta singela: "amigo do povo".
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Como padre, bispo e cardeal, lutou pela liberdade, ficou ao lado dos trabalhadores e dos oprimidos, combateu em defesa dos direitos humanos, mas foi, sobretudo, exatamente como gostaria de ser lembrado, um amigo do povo.
Nesta condição, subiu morros, frequentou favelas, incursionou pelas periferias e enfrentou os generais da ditadura para dar proteção a perseguidos políticos —de religiosos a operários, de advogados a jornalistas.
Quando do assassinato do jornalista Vladimir Herzog por agentes do governo, em 1975, comandou na Catedral da Sé um culto ecumênico que, reunindo milhares de pessoas, acabou por se transformar num dos atos públicos mais significativos da luta contra o regime militar instalado 11 anos antes no país.
O golpe de 1964 colheu o frade franciscano dando assistência religiosa aos moradores dos morros de Petrópolis (RJ). Lá chegara depois de uma trajetória iniciada no dia 14 de setembro de 1921, quando nasceu na colônia de Forquilhinha, região de Criciúma, em Santa Catarina. Teve 13 irmãos, quatro dos quais (três freiras e um padre) se dedicaram também à carreira religiosa —sendo Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança que morreu no terremoto do Haiti em 2010, a mais conhecida.
Ana Ottoni/Folhapress
Divergência com João Paulo 2º marcou trajetória de d. Paulo Evaristo Arns; leia mais
Divergência com João Paulo 2º marcou trajetória de d. Paulo Evaristo Arns; leia mais
Pela mãe, Helena, nutria uma enorme ternura, mas a admiração reverencial pelo caráter do pai, Gabriel, salta das páginas autobiográficas do volume "Da Esperança à Utopia - Trajetória de uma Vida" (Editora Sextante, 2001).
Nas memórias, trata a mãe quase como santa e o pai como ídolo. Identifica nele o "herói anônimo da não violência" que o inspiraria pelo resto da vida.
Relata com dramaticidade -bom escritor que foi- o episódio em que o velho descendente de alemães se coloca à frente de uma arma para apartar uma briga entre irmãos no armazém da colônia, de sua propriedade.
Corajoso, líder e democrata -assim dom Paulo via o próprio pai, em cujos exemplos, conta, baseou-se para implantar uma gestão participativa na Arquidiocese de São Paulo.
Da infância herdou também, sobretudo da mãe, a profunda religiosidade que o acompanharia para sempre.
Pois, apesar de ser mais conhecido, no Brasil e no mundo, por suas ações políticas, dom Paulo dedicou seguramente a maior parte de sua vida à pregação do Evangelho e à propagação da fé católica.
Estudou teologia exaustivamente e se especializou na patrística -a história e a filosofia dos primeiros séculos do cristianismo. Foi um homem culto.
O amor à cultura também vem da infância, por influência de dois tios, Adolfo e Jacó, professores em Forquilhinha e declaradamente seus mais queridos mestres.
Calçou sapatos pela primeira vez aos oito anos -antes, só tamancos- e assim que conseguiu convencer seu pai, que o queria como sucessor à frente do armazém da colônia, partiu para a o seminário menor franciscano de Rio Negro, no Paraná, em 1934. De lá seguiu para Rodeio, Santa Catarina.
Em seguida, transferiu-se para o seminário de Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde foi ordenado sacerdote em 1945.
Escolhido por seu superior para estudar teologia, embarcou para a França, aportando na prestigiosa Sorbonne do pós-guerra.
Lá se dedicou também ao estudo de línguas e recebeu o título de doutor, em 1952.
No mesmo ano voltou ao Brasil, lecionou em instituições franciscanas e dedicou-se a escrever livros e artigos, tornando-se jornalista profissional.
Trabalhou, então, como vigário nos subúrbios de Petrópolis, onde foi à luta organizando a população das favelas locais.
Inspirou-se em ensinamentos tirados da infância: "O povo é a família do padre (...). E o padre (...) não é fujão nem frouxo".
REGIME MILITAR
Nomeado bispo em 1966, por decisão pessoal do papa Paulo 6º, a quem conhecera em Roma, voltou à terra natal para ser ordenado ao lado dos colonos de Forquilhinha.
A seguir assumiu a função de bispo auxiliar de São Paulo, por uma improvável escolha do cardeal Agnelo Rossi, alinhado à ala conservadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Como bispo auxiliar da região norte da maior cidade brasileira, começou a visitar os presos comuns no Carandiru e, por designação do cardeal, foi ao presídio Tiradentes saber das condições de um grupo de frades dominicanos encarcerados por motivos políticos, entre eles frei Betto e frei Tito.
Constatou que foram torturados e encontrou Tito esvaindo-se em sangue. Voltou ao cardeal e relatou o que viu. Para sua surpresa, como relata em "Da Esperança à Utopia", ouviu de seu superior: "Muito obrigado dom Paulo, (...) mas outros me garantem que não há tortura nas nossas prisões". Ele nunca criticou publicamente dom Agnelo pela declaração.
Mas a partir desse batismo de sangue, assumiu em São Paulo a vanguarda da luta pelos direitos humanos e pela defesa dos presos políticos.
Em outubro de 1970, foi designado titular do arcebispado em substituição ao cardeal Rossi, que foi servir em Roma. Outra vez, uma escolha pessoal de Paulo 6º, o papa que dom Paulo mais admirou e de quem se aproximara em passagens de estudos pelo Vaticano.
Folhapress
Dom Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel celebram missa ecumênica de um ano da morte do jornalista Vladimir Herzog, no cemitério Israelita do Butantã
Dom Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel celebram missa ecumênica de um ano da morte do jornalista Vladimir Herzog, no cemitério Israelita do Butantã
À frente da Igreja de São Paulo, aplicou ensinamentos do Concílio Vaticano 2º e transformou em ações concretas a opção preferencial pelos pobres afirmada na Conferência Episcopal de Medellín, Colômbia, em 1968.
Começou a gestão vendendo o imponente palácio episcopal. Com o dinheiro, comprou terrenos em bairros populares para construir centros comunitários e instalações religiosas modestas, dando início à "Operação Periferia".
Jogou os costumes principescos de seus antecessores pela janela. Surpreendeu os religiosos que o serviram na Cúria paulista ao sentar-se com eles às refeições.
Inspirou-se no que ouviu do pai ao contar-lhe que queria ser padre: [você] "sempre será filho de colono e de seu povo".
Agindo como tal, investiu em trabalho comunitário, foi às periferias, voltou-se para os migrantes e espalhou Comunidades Eclesiais de Base pelos quatro cantos da cidade.
Ao mesmo tempo, revitalizou o estudo doutrinário entre os religiosos e fez da evangelização um objetivo constante em todas as ações da Arquidiocese, até nos presídios.
São dessa época seus grandes confrontos com os generais da ditadura. Enfrentou os sucessivos comandantes do 2º Exército (hoje Exército do Sudeste), sediado em São Paulo, e até presidentes da República.
Num encontro com o presidente Emílio Garrastazu Médici, a conversa encerrou-se aos berros. Foi Médici quem decretou, depois, em 1973, a cassação da rádio Nove de Julho, tradicional emissora da igreja em São Paulo.
Do mesmo modo, desafiou as autoridades civis de São Paulo, de governadores afinados com a ditadura a secretários de Segurança e delegados de polícia, tentando preservar a vida e assegurar os direitos fundamentais dos presos políticos.
Com base no exemplo de Paulo 6º no Vaticano, reproduziu na Arquidiocese de São Paulo a Comissão Justiça e Paz, em 1972, indo buscar o jurista Dalmo de Abreu Dallari para ser seu primeiro presidente. Paulo 6º declaradamente o admirava e, no consistório de 1973, elevou-o a cardeal.
Sem perder o foco na ação propriamente religiosa de que pouco se fala, usou a nova insígnia papal para se contrapor aos desmandos da repressão política. Apoiou decididamente o procurador de Justiça Hélio Bicudo em sua luta contra o Esquadrão da Morte -quadrilha policial de assassinos de que fazia parte um notório torturador e ícone da ditadura, o delegado Sergio Paranhos Fleury.
Foi a Comissão Justiça e Paz que publicou nos anos 70 o livro de Bicudo sobre o Esquadrão, recusado por editoras comerciais.
No período sofreu ameaças e calúnias —como denúncias anônimas tachando-o de homossexual. Sobre isso jamais se pronunciou, demonstrando absoluto desprezo por seus detratores.
Mas admitiu ter sido informado de que o acidente de automóvel que sofreu no Rio de Janeiro fora na verdade um atentado à sua vida.
Sobreviveu e ainda bateu muito na ditadura -por exemplo, patrocinando a publicação "Brasil: Nunca Mais", sobre os mortos e desaparecidos na ditadura militar. Apanhou também.
Um dos animadores de suas organizações de base, o operário Santo Dias, presidente da Pastoral Operária, foi assassinado pela polícia com um tiro nas costas durante uma manifestação popular.
O nome do operário -"cuja sorte foi a mesma de Jesus Cristo pregado na cruz", nas palavras de dom Paulo- tornou-se mais um símbolo da luta do cardeal com a criação, anos mais tarde, do Centro Santo Dias de Defesa dos Direitos Humanos, hoje internacionalmente conhecido.
Na prisão, dom Paulo foi ainda visitar —e procurar proteger sob o manto cardinalício- sindicalistas e estudantes.
No episódio Herzog, sua figura se agigantou. O regime militar fez de tudo para desqualificá-lo e ensaiou até manobras diplomáticas junto ao Vaticano por seu afastamento da Arquidiocese de São Paulo.
Foram esforços vãos.
JOÃO PAULO 2º
Surpreendentemente, sofreu seu maior revés no período da restauração democrática do país. Numa iniciativa cujas motivações mais profundas são até hoje mal explicadas, o papa João Paulo 2º fracionou a arquidiocese em seções menores e, por consequência, com menos poderes.
Antes que o fato fosse consumado, o cardeal se queixou pessoalmente ao papa, que negou ter dado a ordem. Porém, como dom Paulo deixa claro em suas memórias, nada dessa magnitude acontece sem autorização expressa do pontífice.
Também na campanha do Vaticano contra a Teologia da Libertação, arquitetada pelo então cardeal Joseph Ratzinger (depois papa Bento 16), João Paulo 2º agiu do mesmo modo.
Disse a dom Paulo que não era contra a doutrina, mas deixou a Cúria Romana mandar um visitador para colher elementos processuais com vistas a bombardear a prática da Teologia da Libertação em São Paulo.
Depois dessas contrariedades, o cardeal se afastou, em 1998, por limite de idade, do comando da Arquidiocese de São Paulo, levando o título de arcebispo emérito.
Aloisio Mauricio /Fotoarena/Folhapreess
Em 2016, Dom Paulo comemora 50 anos de ordenação episcopal
Em 2016, Dom Paulo comemora 50 anos de ordenação episcopal
Passou os últimos anos de sua vida entre orações, leituras e assistência aos idosos, recebendo ainda inúmeras homenagens, entre as quais a da presidente Dilma Rousseff que, em 18 de maio de 2012, foi visitá-lo na Congregação Franciscana Fraternidade Nossa Senhora dos Anjos, em Taboão da Serra (SP).
Na ocasião, Dilma contou a ele as providências do governo para criar a Comissão da Verdade, instalada poucos dias antes. Já bastante combalido, não fez comentários públicos a respeito.
A rigor, seu derradeiro gesto de caráter político -embora de fundo religioso- ocorreu pouco antes de deixar o comando da Arquidiocese, em 1998, quando reagiu de forma dura às atitudes da Cúria Romana, levando João Paulo 2º a admitir, em uma difícil conversa pessoal com o cardeal brasileiro, que era, sim, o responsável final por aquelas decisões polêmicas.
"A Cúria sou eu", disse o papa, provocado por dom Paulo. Mais uma vez, então diante da autoridade máxima da Igreja Católica Romana, o frade mostrou que não era frouxo.
PEDRO DEL PICCHIA é jornalista e escritor. Foi 

terça-feira, 14 de março de 2017

SUSTENTABILIDADE SÃO PAULO Secretário de Alckmin investigado acusa MP de demagogia, OESP



SÃO PAULO - O secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo, Ricardo Salles, investigado pelo Ministério Público em uma ação de improbidade administrativa, acusou o órgão de demagogia e de abrigar antigos funcionários da pasta que estariam agindo em retaliação. Ele insinuou também que o MP quer ditar os rumos da secretaria.

Foto: Pedro Calado/Secretaria do Meio Ambiente
MP abre inquérito de improbidade contra secretário de Meio Ambiente de SP
O secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, Ricardo Salles
As declarações foram dirigidas ao promotor de Justiça Tadeu Badaró, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) no Litoral Norte. Ambos participavam na última quarta-feira, 8, de uma reunião na Câmara Municipal de Ilhabela, sobre saneamento básico. Badaró criticou a gestão do Sistema Ambiental Paulista, questionando a situação precária das unidades de conservação e dos recursos hídricos do Estado. Salles, então, reagiu com duras críticas ao Ministério Público.
"Nós vamos ser obrigados na Secretaria de Meio Ambiente a fazer milagre com o pouco recurso que nós temos. E o pouco recurso que nós temos, aliás, está sendo usado para cumprir um monte de demagogia que o Ministério Público impõe à Secretaria do Meio Ambiente, sem sequer ter corpo técnico para isso", disse o secretário, em tom de voz elevado e aparentando irritação. Um arquivo de áudio apenas com a fala de Salles foi enviado ao Estado por diversas fontes.
Ouça abaixo:


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"O Caex, que é o órgão de apoio técnico do MP, tá cheio de egresso de funcionário que participou da Secretaria do Meio Ambiente e que saiu de lá por incompetência, e hoje fazem coisas para retaliar a Secretaria do Meio Ambiente. Por pura demagogia", continuou.
Reação. Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) afirmou em nota que "rechaça as críticas infundadas do secretário de Estado do Meio Ambiente contra a instituição e contra o promotor de Justiça Tadeu Badaró, um de seus quadros mais destacados".
Em sua fala, Salles disse ainda que o Ministério Público "não tem mais legitimidade do que o governo" para decidir como são gastos os recursos públicos. "Eu não tenho rabo preso com ninguém, e não vai ser o Ministério Público que vai ditar os rumos da secretaria", afirmou.
O MPSP rebateu, ressaltando que "não pretende ditar os rumos da secretaria ou de qualquer outro órgão governamental, mas objetiva, isto sim, o estreito cumprimento da lei para que os direitos consagrados na Constituição sejam efetivos" - entre eles, a defesa do meio ambiente. "Toda vez que um promotor ou procurador de Justiça atua, isso ocorre se levando em conta os preceitos constitucionais, dos quais decorrem a legitimidade do Ministério Público para defender os interesses da coletividade", diz a nota.
Defesa. Questionado pelo Estado sobre as declarações, Salles inicialmente disse, por meio de nota, que deu uma resposta a "exigências absurdas e acusações descabidas apresentadas pelo promotor". Depois, por telefone, sugeriu à reportagem ouvir o áudio de Badaró (não incluído no material divulgado por pessoas que participaram da audiência). O Estado solicitou a gravação do evento à Prefeitura de Ilhabela, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. 
"Ele estava dizendo que o governo do Estado não dá a menor atenção ao meio ambiente, que a gente não faz os investimentos necessários, que não faz o saneamento, que a dotação orçamentária da secretaria e a própria secretaria não dão condições para o pessoal ambiental trabalhar. Foi uma acusação e uma grosseria atrás da outra", afirmou Salles. 
"Nós estávamos lá para discutir investimentos no setor de saneamento e soluções possíveis e ele veio atacar a secretaria e o governo do Estado como um todo. Chegou a dizer que o meio ambiente não é prioridade para o governo, mas não lembro exatamente as palavras. Mas foi uma coisa absurda", prosseguiu.
Indagado se sua resposta não se referia ao MPSP como um todo, pelo fato de estar sendo investigado por alterações no plano de manejo da Área de Proteção Ambiental Várzea do Tietê, disse: "Não tem nada a ver. A questão ali pontual é que ele foi absolutamente deselegante e agressivo comigo e eu respondi."
Badaró rebateu as acusações. Disse que se manifestou de maneira contundente, mas em tom respeitoso. "Não houve qualquer acusação pessoal. Foi uma manifestação dentro de um ambiente democrático, uma discordância em relação ao prévio pronunciamento do secretário", afirmou à reportagem. 
"Eu disse que não se vislumbrava uma priorização do interesse ambiental na atual gestão estadual, como também não se observa em âmbito federal, seja no atual governo, seja naquele que o antecedeu. A resposta do ilustre secretário não se deu dentro de um propósito de construção dialética, mas por meio de um ataque generalizado ao Ministério Público como instituição, a seus membros, seus técnicos, inclusive aqueles ainda vinculados a secretaria".
Explicações. O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), que ouviu relatos de professores presentes ao evento e também o áudio com a fala de Salles, disse que vai entrar com um requerimento de informação na Assembleia Legislativa do Estado, pedindo que Salles explique o que quis dizer. Também vai pedir a convocação dele à comissão do meio ambiente da Alesp. 
"É grave o que ele está dizendo, ele está atacando o único órgão que hoje investiga o governo, a única possibilidade de investigação de acompanhamento. É uma afronta ao estado democrático de direito. Ele atropela e tenta queimar, desqualificar o trabalho do MP. Vai ter de explicar isso por escrito e vir explicar verbalmente."
Planos de manejo. Além das críticas ao Ministério Público, Salles também questionou os contratos firmados pela Fundação Florestal (FF) - órgão da própria secretaria, responsável pela gestão das unidades de conservação do Estado - com organizações não-governamentais (ONGs) para a elaboração de planos de manejo de áreas protegidas. 
"Sabe quanto a Fundação Florestal gastou para fazer consultorias de plano de manejo nos últimos três anos, com essa turma politicamente correta que acha que defende o mundo e sabe tudo? Dezoito milhões de reais", disse o secretário. "Sabe onde foi parar? No bolso de meia dúzia de ONGs que prestam serviço para a secretaria."
Ele já havia citado esse valor em uma reunião do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), em 22 de dezembro, mas na ocasião disse que esse custo era referente aos últimos cinco anos.
Salles assumiu a Secretaria do Meio Ambiente em agosto de 2016. Antes dele, os secretários foram a professora de direito ambiental Patrícia Iglecias, da Universidade de São Paulo (desde janeiro de 2015), e o atual vice-prefeito de São Paulo, Bruno Covas (desde janeiro de 2011); ambos indicados também pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Em dezembro, Salles determinou a paralisação de todos os planos de manejo que estavam em elaboração. Na reunião do Consema, chegou a dizer que havia uma "verdadeira indústria de planos de manejo" em operação, e anunciou que um grupo de trabalho criado pela secretaria iria apresentar, até o final de janeiro, uma "readequação" de todo o processo de elaboração desses estudos. "Sem essa formulação pronta, nenhum plano de manejo vai mais receber recursos do erário na forma atual", afirmou. Até agora, essas novas diretrizes não foram divulgadas.
Entre os projetos paralisados, estão os planos de manejo das três Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Marinhas do Estado, e duas Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIEs) - num total de 1 milhão de hectares. O Instituto Ekos Brasil, contratado para realizar o trabalho, disse que o edital para elaboração dos planos foi feito pela Fundação Florestal, e que a instituição "cumpriu tudo o que a Secretaria do Meio Ambiente decidiu em relação a esse projeto". 
O valor total do contrato é de R$ 2,9 milhões. A coordenadora de projetos do Ekos, Maria Cecília Wey de Brito, destacou que os recursos são provenientes de um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), não do Tesouro do Estado, e que esse valor foi determinado pelo governo.
Veja a seguir a íntegra da fala de Salles e da nota do MP
“Nós vamos ser obrigados a fazer na Secretaria de Meio Ambiente milagre com o recurso que nós temos. E o pouco recurso que nós temos, aliás, está sendo usado para cumprir um monte de demagogia que o Ministério Público impõe à Secretaria do Meio Ambiente sem  sem sequer ter corpo técnico para isso. O Caex, que é o órgão de apoio técnico do Ministério Público, tá cheio de egresso de funcionário que participou da Secretaria do Meio Ambiente e que saiu de lá por incompetência e hoje fazem coisas para retaliar a Secretaria do Meio Ambiente. Por pura demagogia. Então nós estamos enfrentando no governo do Estado de São Paulo diversas frentes. Eu preciso dizer o português bem claro. Cada vez que alguém aqui perder o emprego ou não conseguir desenvolver uma determinada atividade econômica e tiver lá na origem do problema uma demagogia causada pelo Ministério Público, vai se lembrar dessa discussão. 
Então o papel do administrador público é sobre pesar o que você tem de orçamento, o que tem de necessidade e o que há de possibilidade. Não adianta criar uma solução que só existe no conto da fantasia, numa Alice no País das Maravilhas. Nós aqui lidamos com o mundo real, não adianta ir lá pedir pro juiz liminar para fazer coisas que vocês acreditam corretas e não ter ninguém para pagar a conta. Porque quem paga a conta é a sociedade. E o Ministério Público, você vai me desculpar dr. Tadeu, não tem mais legitimidade que o governo para escolher o que se faz com o dinheiro público. Por uma razão muito simples. Enquanto cada promotor passa por um concurso e nunca mais. O governo e o governador teve 30 milhões de votos. 30-milhões-de votos. Então não é um concurso que dá a um promotor nem a um juiz legitimidade para decidir o que é correto e o que não é para nossa sociedade. Então vamos bem devagar com essa discussão porque o governo do Estado de S. Paulo é muito responsável sim. 
E eu vou dizer uma outra coisa para vocês. Sabem quanto a Fundação Florestal gastou para fazer consultoria de plano de manejo nos últimos três anos? Com essa turma politicamente correta aí que acha que defende o mundo e sabe tudo? R$ 18 milhões. Isso aí dava para fazer todas as vigilâncias de todos os parques no ano de 2016. E sabe onde foi parar? No bolso de meia dúzia de ONG que presta consultoria para a secretaria.
Então, vamos muito devagar com o dinheiro público, porque a coisa não é assim. Nós temos de ter muita responsabilidade nessa secretaria. E eu não tenho vergonha nenhuma de dizer isso. Que eu não tenho rabo preso com ninguém. Ninguém. E não vai ser o Ministério Público que vai ditar os rumos da secretaria. Nós somos lá representantes do governo do Estado, cujo governador do Estado foi eleito pela população por 58% dos paulistas para escolher que rumo tomar. Se nós não fazemos mais ou não fazemos diferente é porque nós temos limitações na Secretaria de Estado; limitações de ordem financeira — que aliás o MP não tem, porque todo ano recebe suplementação orçamentária — …. não á assim
(Plateia grita "chega" e vaia)
Vocês devem ser vendedor de consultoria, por isso que está todo mundo … (vaiando?)"
Nota do MPSP
"O MPSP rechaça as críticas infundadas do secretário de Estado do Meio Ambiente contra a instituição e contra o promotor de Justiça Tadeu Badaró, um de seus quadros mais destacados. Ressalta ainda que não pretende ditar os rumos da secretaria ou de qualquer outro órgão governamental, mas objetiva, isto sim, o estreito cumprimento da lei para que os direitos consagrados na Constituição sejam efetivos. Conforme estabelece a Carta Magna em seu artigo 127, compete ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Diz ainda a Constituição, no inciso III do artigo 129, que entre as funções institucionais do Ministério Público está a de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Toda vez que um promotor ou procurador de Justiça atua, isso ocorre se levando em conta os preceitos constitucionais, dos quais decorrem a legitimidade do Ministério Público para defender os interesses da coletividade. Para tanto, o MPSP conta, em apoio ao trabalho de seus membros, com um corpo de técnicos extremamente conceituados. O inquérito civil em que o secretário Ricardo Salles é investigado por supostamente ter cometido ato de improbidade administrativa ainda está em curso, não cabendo, portanto, nenhum comentário de parte da instituição nesse sentido."

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gene dos políticos, por Luiz Carlos Azedo (definitivo)




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A política é velha no Brasil não somente pelos costumes, mas também pela falta de renovação de suas lideranças
O gene egoísta, de Richard Dalkin, publicado em 1976, é uma síntese dos estudos sobre o surgimento e a diversidade das espécies, cujo ponto alto é análise do comportamento dos indivíduos. A tese central é de que somos uma máquina de sobrevivência de um gene egoísta perpetuador da espécie. Apesar da importância dos grupos e organismos (arranjos biológicos), o gene é que comanda. O altruísmo é apenas uma estratégia de sobrevivência: os organismos interagem entre si e com o mundo inanimado, e assim alteram seu ambiente e promovem a propagação de genes presentes em outros corpos.
As delações premiadas da Odebrecht revelaram no Congresso o gene egoísta de deputados e senadores. O melhor exemplo de gene egoísta é o comportamento do cuco, que não faz ninho nem toma conta das crias. Em vez disso, procura o ninho de outra ave. O cuco espera que esta se afaste do ninho. Quando tal acontece, retira um dos ovos e coloca o seu. O ovo é semelhante aos outros em cor e tamanho, para que o truque não seja percebido. A cria do cuco é a primeira a nascer; a ave enganada não nota a diferença e alimenta-a como se fosse sua. É aí que o filhote de cuco mostra sua genética: lança os ovos da outra espécie para fora do ninho para se livrar da concorrência e ser o único a receber comida.
É mais ou menos essa a operação em curso no Congresso. Parlamentares de todos os partidos discutem uma estratégia comum de salvação dos mandatos. Há um consenso de que as delações premiadas, diante do número de políticos envolvidos com o caixa dois da Odebrecht, ameaçam a sobrevivência da elite política do Congresso e podem implodir o sistema partidário. Não se trata apenas da criminalização do caixa dois. O desgaste político que pode inviabilizar a sobrevivência eleitoral dos citados, ainda que consigam se safar ou empurrar com a barriga os processos da Lava-Jato. Trata-se, isso sim, de garantir a própria sobrevivência eleitoral.
Por uma dessas ironias da política, o relator da comissão especial da reforma política na Câmara é o deputado Vicente Cândido (PT-SP). Sua indicação é resultado de um acordo feito entre a bancada do PT e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por ocasião de sua primeira eleição. Para os deputados enrolados na Operação Lava-Jato, o petista é o cara certo, no lugar certo e na hora certa. Por uma simples razão, o PT sempre defendeu o financiamento público de campanha e o voto em lista. Ninguém poderá acusá-lo de adotar um expediente para se safar das delações premiadas.
Mas é disso que se trata, quando os demais partidos começam a aceitar a proposta. Diante do tremendo desgaste causado pela Lava-Jato, o voto em lista é como o ninho invadido pelo cuco. Essa pode ser a única possibilidade de os políticos que controlam os grandes partidos assegurarem a sobrevivência eleitoral. O eleitor vota numa lista, na qual são eleitos os primeiros da fila, na proporção da votação de cada partido. Atualmente, são eleitos os mais votados de cada chapa, embora a proporcionalidade também exista. Assim, seria possível o político queimado viabilizar sua eleição com base na votação da sua lista partidária, dependendo da posição que nela ocupe e do número de vagas conquistadas pela legenda. Com certeza, vai tomar o lugar de alguém com a ficha limpa, como aquele filhote de cuco que não admite concorrência no ninho.
Reforma política
O presidente Michel Temer entrou de cabeça na operação para salvar a elite do Congresso. Amanhã, vai discutir a reforma política e o financiamento de campanhas eleitorais com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia; do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE); e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, de quem partiu a iniciativa. O financiamento público de campanha, testado nas eleições municipais, impediu o financiamento de empresas, mas não a existência de caixa dois; além disso, criou uma situação que favorece candidatos apoiados por organizações religiosas e meios de comunicação. O ministro Gilmar é a favor do financiamento privado, votou contra o financiamento público no Supremo Tribunal Federal (STF).
O fato concreto, porém, é que a discussão não ocorre motivada pela necessidade de renovação política. Pelo contrário, a articulação tem um caráter regressivo. Seu objetivo é exatamente o contrário: bloquear o surgimento de uma nova elite parlamentar. A política é velha no Brasil não somente pelos costumes, mas também pela falta de renovação de suas lideranças. Talvez a reeleição tenha empurrado a fila para trás. Uma simples comparação com os principais líderes mundiais torna evidente a necessidade do surgimento de uma nova geração de políticos. Há muitos jovens parlamentares no Congresso, mas a maioria foi catapultada pelas respectivas oligarquias, basta conferir os sobrenomes.