domingo, 5 de março de 2017

O novo inimigo, por Mario Vargas Llosa OESP




O populismo frenético de Trump a convenceu de que é possível deter o tempo



05 Março 2017 | 05h00
O comunismo não é mais o inimigo principal da democracia liberal - da liberdade - e sim o populismo. Aquele deixou de sê-lo quando a URSS desapareceu por sua incapacidade de resolver os problemas econômicos e sociais mais elementares, e quando (pelos mesmos motivos) a China se transformou num regime capitalista autoritário. Os países comunistas sobreviventes - Cuba, Coreia do Norte, Venezuela - têm situação tão calamitoso que dificilmente poderiam ser um modelo, como a URSS pareceu sê-lo em sua hora, para retirar uma sociedade da pobreza e do subdesenvolvimento. O comunismo é hoje uma ideologia residual e seus seguidores, grupos e grupelhos, estão nas margens da vida política das nações.
Mas, diferentemente do que muitos acreditavam - que o desaparecimento do comunismo reforçaria a democracia liberal -, surgiu a ameaça populista. Não se trata de uma ideologia, mas uma epidemia viral - no sentido mais tóxico da palavra - que ataca de igual maneira países desenvolvidos e atrasados, adotando em cada caso máscaras diversas, de esquerdismo no terceiro mundo, de direitismo no primeiro. Nem mesmo países de tradições democráticas mais arraigadas como Reino Unido, França, Holanda e EUA estão vacinados contra essa doença: prova disso é o triunfo da Brexit, a presidência de Donald Trump, que o partido de Geert Wilders apareça à frente nas pesquisas para as próximas eleições holandesas e a Frente Nacional de Marine Le Pen para as francesas.

Foto: Efe
Trump
Documento divulgado pelo governo americano não menciona diretamente a China, mas evidencia críticas ao país
O que é o populismo? Antes de tudo, a política irresponsável e demagógica de alguns governantes que não vacilam em sacrificar o futuro de uma sociedade por um presente efêmero. Por exemplo, estatizando empresas, congelando preços e aumentando salários, como fez no Peru o presidente Alan García durante seu primeiro governo, produzindo uma bonança momentânea que fez sua popularidade disparar. Depois, viria uma hiperinflação que esteve a ponto de destruir a estrutura produtiva. (Aprendida a lição à custa do povo, García fez uma política bastante sensata em seu segundo governo).
O ingrediente central do populismo é o nacionalismo - a fonte, depois da religião, das guerras mais mortíferas de que a humanidade já padeceu. Trump promete a seus eleitores que a “América será grande de novo” e “voltará a ganhar guerras”; que os EUA não se deixarão explorar pela China, a Europa, nem pelos demais países do mundo, pois agora seus interesses prevalecerão. Os partidários do Brexit - eu estava em Londres e ouvi, estupefato, a fieira de mentiras chauvinistas e xenófobas propaladas por pessoas como Boris Johnson e Nigel Farage, o líder do Ukip, na televisão durante a campanha - eles ganharam o referendo proclamando que, com a saída da União Europe ia, o Reino Unido recuperaria sua soberania e sua liberdades, então submetidas aos burocratas de Bruxelas.
Inseparável do nacionalismo é o racismo, e ele se manifesta, sobretudo, na busca de bodes expiatórios para culpá-los por tudo que anda mal no país. Os imigrantes de etnias diferentes ou os muçulmanos são, neste momento, as vítimas propiciatórias do populismo no Ocidente. Por exemplo, esses mexicanos que o presidente Trump acusou de serem estupradores, ladrões e narcotraficantes, e os árabes e africanos que Geert Wilders na Holanda e Marine Le Pen na França, para não mencionar Viktor Orbán na Hungria e Beata Szydlo na Polônia, acusam de tirar trabalho dos nativos, de abusar da seguridade social, de degradar a educação pública etc.
Na América Latina, governos como os de Rafael Correa no Equador, do comandante Daniel Ortega na Nicarágua e de Evo Morales na Bolívia se vangloriam de ser anti-imperialistas e socialistas, mas são, na verdade, a encarnação exata do populismo. Os três tratam de aplicar as receitas comunistas de nacionalizações em massa, coletivismo e estatismo econômicos, pois, com melhor faro que o iletrado Nicolás Maduro, conhecem o desastre a que conduzem essas políticas. Eles apoiam de viva voz Cuba e Venezuela, mas não as imitam. Praticam antes o mercantilismo de Putin (isso é, o capitalismo corrupto dos compadres), estabelecendo alianças mafiosas com empresários servis, aos quais favorecem com privilégios e monopólios, sempre que forem submissos ao poder e pagarem as comissões adequadas. 
Todos eles consideram, como o ultraconservador Trump, que a imprensa livre é o pior inimigo do progresso e estabeleceram sistemas de controle, direto ou indireto, para subjugá-la. Nisso, Rafael Correa foi mais longe que ninguém: ele aprovou a lei de imprensa mais antidemocrática da história da América Latina. Trump ainda não o fez porque a liberdade de imprensa é um direito profundamente arraigado nos Estados Unidos e provocaria uma reação negativa enorme das instituições e do público. Mas não se pode descartar que, mais cedo ou mais tarde, ele tome medidas que - como na Nicarágua sandinista ou na Bolívia de Evo Morales - restrinjam e deturpem a liberdade de expressão.
O populismo tem uma tradição muito antiga, embora nunca tenha atingido a magnitude atual. Uma das principais dificuldades para combatê-lo é que ele apela aos instintos mais profundos nos seres humanos, o espírito tribal, a desconfiança e o medo do outro, aos que são de raça, língua ou religião distintas, a xenofobia, o chauvinismo, a ignorância. Isso se percebe de maneira dramática nos Estados Unidos de hoje. A divisão política no país nunca foi tão grande, e nunca foi tão clara a linha divisória: de um lado, toda a América culta, cosmopolita, educada, moderna; do outro, a mais primitiva, isolada, provinciana, que vê com desconfiança ou medo pânico a abertura de fronteiras, a revolução das comunicações, a globalização. O populismo frenético de Trump a convenceu de que é possível deter o tempo, retroceder àquele mundo supostamente feliz e previsível, sem riscos para os brancos e cristãos, que foram os Estados Unidos dos anos 50 e 60. O despertar dessa ilusão será traumático e, infelizmente, não só para o país de Washington e Lincoln, mas também para o restante do mundo.
É possível combater o populismo? Certamente que sim. Estão dando um exemplo disso os brasileiros com sua formidável mobilização contra a corrupção, os americanos que resistem às políticas dementes de Trump, os equatorianos que acabam de infligir uma derrota aos planos de Correa impondo um segundo turno eleitoral que poderá levar ao poder Guillermo Lasso, um genuíno democrata, e os bolivianos que derrotaram Evo Morales no referendo com o qual ele pretendia poder se reeleger por séculos e séculos. E o estão dando os venezuelanos que, apesar da selvageria da repressão desatada contra eles pela ditadura narcopopulista de Nicolás Maduro, continuam combatendo pela liberdade. No entanto, a derrota definitiva do populismo, como foi a do comunismo, será causada pela realidade, pelo fracasso traumático das políticas irresponsáveis que agravarão todos os problemas sociais e econômicos dos países incautos que se renderam ao seu feitiço. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA
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Dia do Pastor e do Rugby: 50% das leis aprovadas em São Paulo celebram aniversários ou mudam nome de rua



Dos 270 projetos aprovados na Assembleia Legislativa em 2016, somente 18% têm caráter coletivo ou inclusivo


O cidadão paulista provavelmente não sabe, mas em 2016 o calendário de eventos oficiais do Estado ganhou várias datas comemorativas - cuja elaboração e inclusão na agenda foram pagas com seu dinheiro de impostos. O primeiro domingo do mês de novembro, por exemplo, é o Dia do Pastor Quadrangular - uma denominação da igreja evangélica. Já o primeiro domingo de junho é o Dia do Pastor Assembleiano, que homenageia a Assembleia de Deus. De forma mais genérica, o segundo domingo de junho é apenas o Dia do Pastor. Em 3 de junho comemora-se o Dia da Igreja Pentecostal Deus é Amor, e para completar as efemérides do mês, o dia 25 daquele mês é o Dia do Policial Militar Evangélico. Estes são alguns dos projetos de lei propostos pela bancada evangélica e aprovados na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no ano passado.


O deputado estadual Fernando Capez. ALESP

Um levantamento feito pelo EL PAÍS revela que das cerca de 270 leis aprovadas em 2016 na Assembleia, quase 50 (22%) legislavam sobre a criação de dias específicos no calendário para celebrar profissões e religiões. E também esportes e veículos: dia 6 de outubro é o Dia Estadual do Rugby, 3 de janeiro é o Dia Estadual do Fusca. Mas a produção legislativa dos deputados não para por aí. No ano passado, 76 leis aprovadas (28%) dizem respeito à mudança do nome de ruas, praças, viadutos e escolas. Completam o total de leis 87 projetos (32%) que tornam de utilidade pública algumas entidades de auxílio e cultura– parte delas ligadas a centros religiosos - como a Associação de Tropeirismo raiz de Porongaba. Outras 49 leis (18%)  podem ser consideradas de interesse coletivo ou inclusivo, como a lei que proíbe a cobrança de taxas extras em escolas para matricular crianças com down ou necessidades especiais.



Esta aparente baixa produtividade dos deputados para legislar assuntos que afetam diretamente a vida do paulista contrasta com a fatura que o Legislativo Estadual apresenta ao contribuinte. Ainda mais em um contexto de crise econômica no país, com vários Estados quebrados pedindo ajuda ao Governo Federal - São Paulo ainda respira sem aparelhos nesse quesito. No total, a Assembleia custa por ano mais de um bilhão de reais, entre gastos com pessoal e outras despesas correntes. Os 94 deputados estaduais recebem 25.322 reais cada. Mas eles dispõe também de uma verba de gabinete mensal que chega a 30.000. Gastos de gabinete mais encargos como auxílio hospedagem custaram aos cofres públicos 23,3 milhões de reais em 2016. As informações são do balanço oficial da Assembleia.
Não bastasse a tormenta econômica, o ano de 2016 na política paulista foi marcado pelo escândalo que ficou conhecido como a Máfia da Merenda. O esquema de corrupção, descoberto pela Polícia Civil no início daquele ano durante a Operação Alba Branca, envolvia a reedição de um triste clássico brasileiro, com pagamento de suborno a políticos, superfaturamento de contratos e prejuízo aos cofres públicos.
O lobista Marcel Júlio, lobista ligado à Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar, uma das empresas envolvidas no caso, afirmou em sua delação premiada que o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, o tucano Fernando Capez, pediu dinheiro para agilizar contratos de venda de suco de laranja para as escolas estaduais. Júlio afirmou que um assessor do deputado estadual pediu o repasse de 2% do valor do contrato firmado com a Secretaria da Educação mais 450.000 reais para custear a campanha do tucano. Capez sempre negou qualquer envolvimento no esquema: “eu jamais participaria de superfaturamento, muito menos nesta área”. Ele deve deixar a presidência da Casa no dia 15 de março, e em seu lugar deve assumir o também tucano Cauê Macris.


Em fevereiro a operação que desvendou o esquema de corrupção da merenda completou um ano. Ninguém foi punido

O escândalo da merenda sacudiu os bastidores da política no Estado arrastando nomes do establishment político tucano, como o ex-secretário de Educação do Governo de Geraldo Alckmin, Herman Voorwald, e o ex-chefe de gabinete do secretário da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos, conhecido como Moita, flagrado em grampos telefônicos.
Ao ver seu presidente envolvido no caso e cobrados nas ruas pelas ocupações de escolas organizadas pelos estudantes secundaristas que pediam a apuração dos fatos, os deputados decidiram agir. Instaurou-se na Assembleia uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o caso. O PSDB tem maioria na Casa, e dos nove deputados que integram a CPI oito são da base governista. Em dezembro a CPI aprovou um relatório isentando políticos de qualquer malfeito, mas apontando a responsabilidade de 20 pessoas, incluindo Jéter Rodrigues Pereira e José Merivaldo dos Santos, ex-assessores de Capez. Parlamentares da oposição se insurgiram contra o texto votado e tentaram emplacar um relatório alternativo, que recomendava ao Ministério Público a investigação de Capez. 
Em outra frente na Assembleia, o deputado estadual Davi Zaia (PPS), relator de uma representação contra o tucano no Conselho de Ética da Casa, considerou desnecessário ouvir Capez, de acordo com reportagem do portal UOL. Em fevereiro, a operação que desvendou o esquema de corrupção da merenda completou um ano. Ninguém foi punido.
O EL PAÍS em contato com a assessoria de imprensa e com o departamento de comunicação da Assembleia por email e telefone com questionamentos sobre a CPI da Máfia da Merenda, os elevados custos da Casa e a produtividade legislativa. Até o fechamento desta reportagem nenhuma pergunta havia sido respondida.

As prisões da Lava-Jato - SÉRGIO MORO, VEJA


REVISTA VEJA

As críticas às vezes severas contra as prisões preventivas da operação não encontram fundamento nem na quantidade nem na extensão — e talvez só existam porque, atrás das grades, há presos ilustres



A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA e um escudo tanto contra condenações injustas como contra punições prematuras. Contra condenações injustas, a presunção de inocência exige, para uma condenação criminal, prova categórica, acima de qualquer dúvida razoável. Segue-se o velho ditado de que é preferível ter vários culpados soltos a um único inocente condenado. Contra punições prematuras, significa que a prisão, pena moderna por excelência, deve seguir-se ao julgamento, e não precedê-lo. Na última perspectiva, o principio também significa que as prisões antes do julgamento, ainda que não definitivo, as chamadas prisões preventivas, são excepcionais e devem ser longamente justificadas. Tem havido uma série de críticas a supostos abusos na decretação de prisões preventivas na Operação Lava-Jato. Escrevi este artigo para esclarecer alguns aspectos delas.

Existem atualmente sete acusados presos preventivamente na Operação Lava-Jato sem que tenha havido julgamento por sentença na ação penal. O total das prisões preventivas decretadas e bem maior, 79, mas elas foram paulatinamente revogadas ou substituídas por sentenças condenatórias. Apesar das discussões em torno dessa substituição, são diferentes a situação do preso provisório não julgado e a do preso provisório já julgado e condenado. Setenta e nove prisões preventivas, em quase três anos, e um número significativo, mas outros casos de investigações rumorosas, como a Operação Mãos Limpas, na Itália, envolveram um número muito superior de prisões provisórias, cerca de 800 nos três primeiros anos, entre 1992 e 1994, somente em Milão. De forma similar, 79 prisões preventivas em quase três anos é um número muito menor que o de prisões preventivas decretadas em um ano em qualquer vara de inquéritos ou em varas de crime organizado em uma das grandes capitais brasileiras.

Não procede, portanto, a crítica genérica as prisões preventivas decretadas na Operação Lava-Jato, pelo menos considerando-se a quantidade delas.

Também não procede a crítica à longa duração das prisões. Há pessoas presas. e verdade, desde março de 2014, mas nesses casos já houve sentença condenatória e, em alguns deles, até mesmo o julgamento das apelações contra a sentença. Quanto aos presos provisórios ainda sem julgamento, as prisões têm no máximo alguns meses, o que não é algo extraordinário na prática judicial, e não raramente os julgamentos tardam pela própria atuação da defesa, por vezes interessada em atrasar o julgamento para alegar junto a ouvidos sensíveis a demora excessiva da prisão provisória. Outra critica recorrente é que se prende para obter confissões. Entretanto, a maioria dos acusados decidiu colaborar quando estava em liberdade, e há acusados presos que resolveram colaborar e acusados presos que não colaboraram. Os dados não autorizam conclusão quanto à correlação necessária entre prisão e colaboração.

A questão real — e é necessário ser franco sobre isso — não é a quantidade, a duração ou as colaborações decorrentes, mas a qualidade das prisões, mais propriamente a qualidade dos presos provisórios. O problema não são as 79 prisões ou os atualmente sete presos sem julgamento, mas sim que se trata de presos ilustres. Por exemplo, um dirigente de empreiteira, um ex-ministro da Fazenda, um ex-governador e um ex-presidente da Câmara dos Deputados. Mas, nesse caso, as criticas às prisões preventivas refletem, no fundo, o lamentável entendimento de que há pessoas acima da lei e de que ainda vivemos em uma sociedade de castas, distante de nós a igualdade republicana.

Mesmo considerando-se as 79 preventivas e o fato de elas envolverem presos ilustres, é necessário ter presente que a Operação Lava-Jato revelou, segundo casos já julgados, um esquema de corrupção sistêmica, no qual o pagamento de propinas em contratos públicos consistia na regra do jogo. A atividade delitiva durou anos e apresentou caráter repetido e serial, caracterizando, da parte dos envolvidos, natureza profissional. Para interromper o ciclo delitivo, a prisão preventiva foi decretada de modo a proteger a ordem pública, especificamente a sociedade, outros indivíduos e os cofres públicos da prática serial e reiterada desses crimes.

Ocasionalmente, foram invocados outros fundamentos, como a necessidade de prevenir fuga ou a dissipação do produto do crime, ou de proteger a investigação contra a destruição ou a manipulação de provas. Cabe, nessa linha, lembrar que todos os quatro diretores da Petrobras presos preventivamente — e já condenados — mantinham milhões de dólares em contas secretas no exterior, não sendo possível ignorar, nesse caso, o risco de que fugissem ou, pior, de que, foragidos no exterior, ficassem como produto do crime. Apesar das genéricas críticas a supostos excessos nas prisões preventivas, a análise circunstanciada revela que todas estavam bem justificadas.

Para ficar em um exemplo, foi decretada, em junho de 2015, a prisão preventiva de dirigentes de um grande grupo empresarial. Os fundamentos foram diversos, mas a garantia da ordem pública estava entre eles, Posteriormente, tais dirigentes foram condenados criminalmente, embora com recursos pendentes. As criticas contra essas prisões foram severas, tanto pelas partes como por interessados ou desinteressados, que apontaram o suposto exagero da medida diante da prisão de "pessoas conhecidas". Posteriormente, dirigentes desse grupo empresarial resolveram colaborar com a Justiça e admitiram o pagamento sistemático de propinas não só no Brasil, isso por anos, mas também em diversos países no exterior, bem como a participação em ajustes fraudulentos de licitações da Petrobras. Mais do que isso: confirmaram a existência no grupo empresarial de um setor próprio encarregado do pagamento de propina (Departamento de Operações Estruturadas) e que este permaneceu funcionando mesmo durante as investigações da Lava-Jato, tendo sido desmantelado apenas com a prisão preventiva dos dirigentes, em junho de 2015.

O caso é bem ilustrativo do equívoco das criticas, pois o tempo confirmou ainda mais o acerto da prisão. Foi a prisão preventiva, em junho de 2015, que causou o desmantelamento do departamento de propinas do grupo empresarial, interrompendo a continuidade da prática de sérios crimes de corrupção. Assim não fosse, o departamento da propina ainda estaria em plena atividade. O tempo confirmou que não houve nenhuma violação da presunção de inocência na prisão preventiva de pessoas culpadas e que persistiam na prática profissional de crimes.

Isso não significa que a prisão preventiva pode ser vulgarizada, mas ilustra que, em um quadro de corrupção sistêmica, com prática serial, reiterada e profissional de crimes sérios, é preciso que a Justiça, na forma do direito, aja com a firmeza necessária e que, presentes boas provas, imponha a prisão preventiva para interromper o ciclo delitivo, sem se importar com o poder político ou econômico dos envolvidos.

Se a firmeza que a dimensão dos crimes descobertos reclama não vier do Judiciário, que tem o dever de zelar pelo respeito às leis, não virá de nenhum outro lugar.

Enfim, críticas à atuação do Poder Judiciário são bem-vindas, pois nenhuma atividade pública deve ser imune a elas. Entretanto, as criticas genéricas ás prisões preventivas na Lava-Jato não aparentam ser consistentes com os motivos usualmente invocados pelos seus autores. Admita-se que é possível que, para parte minoritária dos críticos, os motivos reais sejam outros, como a aludida qualidade dos presos ou algum desejo inconfesso de retornar ao status quo de corrupção e impunidade, mas, com esses, nem sequer e viável debater, pois tais argumentos são incompatíveis com os majestosos princípios da liberdade, da igualdade e da moralidade pública consagrados pela Constituição brasileira.

*Sergio Moro é juiz federal da 13a Vara Criminal em Curitiba, responsável pela condução da Lava-Jato