José Goldemberg*
20 Fevereiro 2017 | 05h00
Algumas tecnologias que foram desenvolvidas no correr do século 20, como a computação e a informática, o foram de forma tão rápida que nos acostumamos a pensar que todas as tecnologias se desenvolvem em velocidade similar. Progressos se verificam continuamente, mas progressos revolucionários costumam ser muito mais raros.
Esse é o caso das tecnologias de produção e uso de energia, fundamentais no mundo moderno. Cada ser humano consome atualmente, em média, cem vezes mais energia do que seu ancestral primitivo, há 10 mil anos.
Essa energia se origina agora, principalmente, de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), mas durante milhares de anos derivava da madeira para uso residencial, de quedas d’água para mover moinhos e ventos para a navegação.
O carvão dominou o consumo mundial no século 19, mas no século 20 seu papel de preponderância foi substituído pelo petróleo, mais conveniente para ser transportado e utilizado. Nos dias atuais, por motivos similares, o uso do gás está aumentando e gradativamente vem substituindo o petróleo.
As transformações na área de energia foram lentas até muito recentemente. Assim, métodos e processos se solidificaram e o poder dos principais atores se perpetuou. Por essa razão, as empresas que produzem carvão ou petróleo são companhias tradicionais que enriqueceram extraordinariamente; o melhor exemplo é a família Rockefeller, proprietária originalmente da Standard Oil, hoje a Exxon, a maior petroleira do mundo.
A Arábia Saudita emergiu mais tarde como o país maior produtor de petróleo usando tecnologias tradicionais, dominando o mercado mundial e fixando o preço do barril de petróleo por meio de um cartel que controlava, a Opep, criado em 1973. A Opep chegou a elevar o preço do petróleo a mais de US$ 100/barril. Hoje em dia, fazem parte da Opep uns poucos países exportadores de petróleo – Rússia, Venezuela, Irã, Iraque e Líbia são os principais.
O preço elevado do petróleo teve um papel geopolítico muito importante a partir de 1973, mas vem perdendo espaço nos últimos dez anos. Hoje o preço do barril caiu dramaticamente e está em torno de US$ 50 o barril. Essa queda foi causada por uma ou várias verdadeiras revoluções tecnológicas.
• Os países altamente industrializados (Estados Unidos, Japão e as nações da Europa Ocidental) estão consumindo menos petróleo, dado o aumento da eficiência técnica no uso de combustíveis. Nos Estados Unidos o consumo caiu 1% ao ano desde 2005 e o país, que era um grande importador de petróleo, é hoje exportador.
• Uma nova tecnologia foi desenvolvida nos Estados Unidos e permitiu produzir petróleo de depósitos subterrâneos de xisto, uma rocha abundante nesse país. As instalações necessárias para esse processo são muito mais simples do que para explorar petróleo a grandes profundidades no solo, podem ser montadas em poucos meses e a custos muito inferiores.
• Vários países descobriram grandes reservas de petróleo abaixo do leito dos oceanos, entre os quais o Brasil, usando tecnologias inovativas.
A Arábia Saudita tentou “quebrar” os produtores de petróleo de xisto dos Estados Unidos, mas eles lograram sobreviver e prosperar melhorando suas tecnologias. A produção de petróleo no mar também avançou, apesar do alto custo, principalmente no pré-sal do Brasil.
Não há hoje, portanto, o risco de as reservas de petróleo se esgotarem. Ao contrário, há um excesso de produção e foi por isso que o preço do barril caiu abaixo de US$ 50. A consequência imediata foi a redução dos investimentos das grandes empresas de petróleo em exploração de novos campos, que levam anos até atingir o estágio de produção.
A situação que temos no mundo hoje é a seguinte: a produção da Rússia e da América Latina mantém-se constante, a da África tem caído, a dos Estados Unidos cresceu muito e a do Oriente Médio cresceu pouco.
No quadro mundial, a única razão para o fato de o consumo estar aumentando é o crescimento econômico da China e da Índia. O consumo per capita desses dois países é ainda pequeno (seis vezes menor na China, 16 vezes menor na Índia) e poderia crescer muito, mas ainda vai demorar várias décadas para que eles atinjam o nível de consumo dos países da Europa Ocidental. Até lá, progressos tecnológicos na área de transporte, como automóveis elétricos, poderão reduzir ainda mais o consumo de derivados de petróleo.
Há 50 anos discutia-se nos meios acadêmicos a exaustão iminente das reservas de petróleo no mundo, com estimativas de que não durariam mais do que meio século. Hoje, passado esse meio século, o que se vê é um excesso na produção de petróleo e provavelmente uma redução no seu consumo. Ironicamente, o “fim da era do petróleo” está ocorrendo, mas não por falta de petróleo, e sim pela queda progressiva do consumo, como já havia acontecido com o carvão.
Mesmo a China, que era extremamente dependente do carvão, está reduzindo drasticamente o seu uso em boa parte por questões ambientais. Já na Inglaterra, a sra. Margaret Thatcher, primeira-ministra na década dos anos 80 do século 20, promoveu o abandono do carvão não por motivos ambientais, mas econômicos.
Nesse quadro há ainda uma “janela de oportunidade” para que novos produtores de petróleo, como o Brasil, que não pertencem ao cartel da Opep, conquistem mercados. Para isso é essencial acelerar a exploração do pré-sal, formando parcerias com sócios do exterior para dividir riscos e custos dos investimentos, para recuperar os anos de parálise do governo anterior, que era dominado por visões ideológicas estreitas.
Hoje, com as novas tecnologias existentes, o valor das empresas de petróleo depende não apenas do volume das suas reservas, mas também da eficiência no uso dessas novas tecnologias para trazer o petróleo para a superfície e enviá-lo às destilarias.
*Professor Emérido da USP, foi secretário de Ciência e Tecnologia da Presidência da República