sábado, 14 de janeiro de 2017

Construtora poderá ficar com 10% do valor do imóvel em caso de distrato. OESP


Números se referem aos dados de janeiro a outubro; setor imobiliário diz que aumento dos distratos prejudica investimentos
Murilo Rodrigues Alves ,
O Estado de S.Paulo
14 Janeiro 2017 | 05h00
BRASÍLIA - A proposta de regulamentação dos distratos no setor imobiliário – o nome que se dá quando há desistência da compra ou venda do imóvel na planta – em discussão no governo deve instituir que a construtora terá direito a ficar com 10% do valor do imóvel, desde que esse porcentual não ultrapasse 90% do valor já pago pelo comprador.
Em um imóvel de R$ 500 mil, por exemplo, a empresa poderia ficar com R$ 50 mil no caso de distrato. Mas, se o valor já pago for de apenas R$ 30 mil, a construtora poderá reter 90%, ou R$ 27 mil.
Foto: ÉRICA DEZONNE / ESTADÃO
Construção
Grupo também discute a questão do patrimônio de afetação das construtoras
Estado apurou com fontes que participam das discussões que essa é opção que tem mais consenso entre o governo e o setor da construção. No entanto, a Abrainc (associação que representa as incorporadoras) ainda tenta emplacar uma variável desta regra para imóveis acima de R$ 1 milhão. Neste caso, a parcela com a construtora subiria para o limite de 15% ou 20% do valor do imóvel. O entendimento é que um comprador com maior renda teria mais “discernimento” sobre a compra e poderia ser, então, “punido” com um alíquota maior em caso de desistência.
Sem regulamentação, os distratos têm sido fonte de longas disputas judiciais entre compradores e construtoras. Dados da Abrainc apontam que 37,7 mil imóveis tiveram as vendas canceladas entre janeiro e outubro de 2016, o correspondente a 45% das unidades vendidas no mesmo período. Os dados consideram as operações das 19 maiores incorporadoras do País.
Em 2016, foi assinado um acordo no Rio entre representantes do governo federal, do setor imobiliário, dos Procons e da Justiça para deixar mais claro os direitos e deveres de consumidores e empresas e evitar que os casos fossem parar na Justiça.
Nesse acordo, além da modalidade que deve ser adotada agora – de multa de 10% sobre o valor do imóvel, desde que não ultrapasse 90% do valor pago –, também foi dada uma segunda opção: o comprador perde o valor do sinal mais 20% sobre o que foi desembolsado. Agora, porém, o governo federal quer fechar a proposta em apenas uma modalidade para evitar que os distratos continuem motivando várias ações na Justiça.
O acordo do ano passado não tem força de Lei e envolvia outros assuntos. Atualmente, há apenas jurisprudências e súmulas que consolidaram a avaliação de que é abusiva e ilegal a retenção integral ou a devolução ínfima das parcelas pagas pelo comprador pelo imóvel adquirido na planta. Esse ponto foi ratificado em 2013 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“O aumento dos distratos tem prejudicado os investimentos no setor, isso afeta emprego, produção imobiliária e o próprio comprador no final”, disse o vice-presidente executivo da Abrainc, Renato Ventura. “Estamos em busca da fórmula que traga o maior equilíbrio.”
Afetação. Junto com a questão dos distratos, o setor também discute com o governo o chamado patrimônio de afetação, para dar mais garantia aos diretores dos compradores de imóveis na planta em caso de falência do incorporador.
O patrimônio de afetação é um mecanismo que impede a empresa de construção de utilizar recursos captados com a venda de determinados empreendimentos em outros lançamentos, evitando a quebra em efeito dominó da contabilidade das obras. Foi anunciada como salvação para os problemas da insolvência no setor da construção imobiliária e como forma de garantir o consumidor de situação como a que aconteceu com a construtora Encol, que deixou 42 famílias lesadas.
A norma também beneficia os bancos, uma vez que confere mais qualidade ao papel (“recebível imobiliário”) vendido às companhias securitizadoras, facilitando a geração de recursos no mercado. No entanto, atualmente o patrimônio de afetação também está sendo questionado na Justiça.
“Nossa proposta vai dar mais segurança jurídica às empresas e maior proteção ao comprador”, disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins.
O grupo de trabalho – formado por representantes da Cbic, da Abrainc, da Secretaria Nacional do Consumidor, órgão ligado ao Ministério da Justiça (Senacom); do Ministério do Planejamento e do Ministério Público – se reuniu nesta semana em Brasília e volta a se encontrar novamente na próxima terça, dia 17, quando há expectativa de que um acordo seja fechado.
Se há consenso na proposta, o grupo ainda diverge sobre a forma como ela deve ser encaminhada. A Abrainc gostaria que fosse por meio de uma medida provisória (MP), que já teria força de lei. O governo defende que seja encaminhado ao Congresso um Projeto de Lei com os termos acertados. Já para a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o melhor caminho seria modificar um projeto já em tramitação com as novas regras.
Um deles é do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que propõe uma “pena convencional” sobre o consumidor de 25% sobre o que foi pago até o momento do distrato, além do abatimento da taxa de corretagem de 5% sobre o preço da venda.

Inveja do ganso, OESP (Fernando Reinach)

Enquanto pensava em como explicar metamemória os gansos não saíam da minha cabeça. Aí mudei de ideia.
Segundas, quartas e sextas levanto mal-humorado com a perspectiva de ter de cuidar um pouco do corpo. Me arrasto até a academia, corro até perder o fôlego, levanto peso até ter certeza que nos dias seguintes vou ficar dolorido, faço cara de sofrimento para ver se consigo uma moleza do treinador. Nada. São três séries de 15. Alongo e me arrasto de volta. Tudo isso para ficar minimamente em forma, garantir uma glicemia razoável, um colesterol aceitável e evitar um segundo “stent”.
E o pior é que meus músculos não têm memória, basta ficar um mês sem treinar que tudo descamba, o fôlego falta, o braço amolece. Por que os músculos não são como nosso cérebro, que uma vez submetido ao exercício de aprender, guarda a informação por décadas? Como seria a vida se após dois meses de exercício ficássemos em forma por décadas, se os músculos desaprendessem tão lentamente quanto o cérebro. Se um mês de exercício por década fosse suficiente. Ou, melhor ainda, se nosso corpo uma vez treinado se mantivesse treinado por toda a vida, se musculação fosse como andar de bicicleta, uma vez aprendido nunca esquecido.
Esses pensamentos ocuparam minha meia hora de esteira. E tudo por causa dos malditos gansos que não me deixavam concentrar na história sobre a metamemória que tinha decidido escrever.
O fato é que cientistas que estudam migração de pássaros descobriram algo impressionante. Esses caras instalam pequenos sistemas de rádio com GPS nas aves para estudar sua migração. Para isso precisam capturar o bicho, instalar o equipamento, soltar o animal e esperar que ele inicie a migração, o que pode ocorrer semanas ou mesmo meses depois de o equipamento ser instalado. Durante décadas, usando esse protocolo, foi possível estudar as incríveis proezas migratórias das aves. Muitas delas voam milhares de quilômetros sem pousar, se orientando pelas estrelas. O ganso que me atormentou a manhã faz a rota Mongólia-Índia, por cima do Himalaia, duas vezes por ano. Uma maratona de 3 mil quilômetros sem escalas.
Até recentemente, os cientistas só se preocupavam com os dados enviados pelos equipamentos durante o voo. Ninguém conta como isso aconteceu, mas imagino que algum estudante, provavelmente um maratonista, resolveu estudar como os tais gansos se preparavam para a jornada. Será que eles faziam voos curtos e aumentavam a intensidade antes da migração? Se entupiam de carboidratos? Treinavam? E foi essa curiosidade que levou os cientistas a recuperar e analisar os dados enviados pelo GPS entre o dia da instalação e o dia do início da migração. Já imagino o projeto de pesquisa submetido pelo aluno: “Preparo físico entre os gansos asiáticos”. E o subtítulo, caso o financiador fosse interessado em tecnologia: “Sua aplicação no treinamento de atletas”.
Pois bem, os caras juntaram os dados e foram estudar o que os gansos faziam nas semanas e meses que antecedem a jornada. E o resultado foi surpreendente. Eles não fazem nada. Ficavam numa boa, curtindo a vida, comendo, namorando, passeando na borda do lago ou nadando relaxados. E num dado momento decolam e voam 3 mil quilômetros. Sem treino, sem aquecimento, sem preparo.
Feita a descoberta, diversos grupos resolveram reexaminar os dados que haviam coletado e o resultado foi semelhante, os pássaros, em sua grande maioria, não se preparam para suas longas maratonas semestrais. São meses de ócio intercalados por dias de exercício intenso. Entendeu por que os gansos não saíam da minha cabeça?
Agora falta entender por que animais como nós precisam treinar para não perder a forma física, enquanto outros se mantêm em forma sem qualquer esforço. Quero virar ganso.
Voltando da academia fiquei pensando. Será que trocaria minha memória durável e meus músculos lábeis pelos músculos duráveis das galinhas e sua memória efêmera? Aliás, você já reparou que quando você para de correr atrás de uma galinha ela vai do pânico total ao ciscar tranquilo em menos de três segundo? Vale a pena fazer o experimento.
* É BIÓLOGO

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COLUNA

 

Alan Tygel: Globo ajudou agronegócio com novela e Basf comprou o samba da Vila Isabel, mas este ano tem resposta na Sapucaí


13 de janeiro de 2017 às 16h39
  
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Imperatriz acerta em cheio umbigo do agronegócio
Enredo é tudo que o agronegócio não quer ouvir
Há alguns meses, publicamos neste espaço um artigo sobre a tentativa desesperada do agronegócio em salvar sua imagem perante a sociedade com a novela O Velho Chico.
Na ocasião, afirmamos que o investimento na novela tentava construir a imagem de um agro-pop-tudo em oposição ao velho coronelismo.
A motivação para esse esforço veio de uma percepção do próprio agronegócio de que a sociedade o associa ao desmatamento, aos agrotóxicos e ao trabalho escravo.
Em 2012, o mesmo agronegócio, representado pela Basf, comprou o samba da Vila Isabel.
O (lindo, por sinal!) enredo, que tinha Martinho da Vila como um dos autores, não era sobre os agrotóxicos e transgênicos produzidos pela empresa, mas sim sobre a vida camponesa cumprindo sua missão de alimentar o povo.
Por trás, havia a tentativa subliminar de associar esta linda imagem ao agronegócio.
Neste ano, é da mesma Sapucaí que vem um belo golpe na imagem do agronegócio.
Depois de um ano marcado, entre outros, por ruralistas formando milícias para atacar indígenas, a Imperatriz Leopoldinense acerta com beleza e elegância o ego daqueles que se acham donos do país.
O enredo, chamado “Xingu, o clamor que vem da Floresta”, fala basicamente sobre luta pela terra. E tudo que o agronegócio não quer ouvir.
Um dos trecho diz que “O belo monstro rouba as terras dos seus filhos / Devora as matas e seca os rios / Tanta riqueza que a cobiça destruiu”, e emoldura alas como os “Olhos da cobiça”, “Chegada dos invasores” e “Fazendeiros e seus agrotóxicos”.
Acostumados a olhar apenas para o próprio umbigo, sem enxergar um palmo além da sua soja transgênica, ruralistas irados lançam notas e escrevem matérias a torto e a direito.
Por mais que se procure, sempre batem nos mesmo dois argumentos falaciosos: (1) o agronegócio alimenta o Brasil; (2) o agronegócio sustenta o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O primeiro argumento é o mais débil de todos; sabemos que a grande massa de produção agrícola se concentra nas commodities de exportação (soja, milho para ração, cana-de-açúcar), e o Censo Agropecuário de 2006 mostrou que 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa vêm da agricultura familiar, mesmo tendo ela direito à apenas 24% das terras. Portanto, esse argumento é claramente falacioso.
Em relação ao PIB, a análise é um pouco mais profunda, mas o argumento não é menos falacioso. Em primeiro lugar, precisamos entender que o PIB representa o conjunto de riquezas produzidas pelo país.
Não fala sobre distribuição de renda, nem geração de empregos.
Não se importa no bolso de quem essa riqueza vai parar. Pois bem: em 2015, a produção de soja rendeu ao Brasil R$90 bilhões. Ótimo? Nem tanto.
Como vimos recentemente, a enorme dependência de insumos externos do agronegócio faz com que grande parte deste valor fique nas mãos das empresas transnacionais.
Custos com sementes, agrotóxicos, fertilizantes e máquinas podem chegar a 90% do preço final, num mercado completamente oligopolizado por gigantes transnacionais como Bayer, Monsanto, Cargill, Basf, Syngenta, Bunge, Dreyfus, ADM…
Nem no Brasil o dinheiro fica.
Não custa lembrar que o subsídio do governo no Plano Safra chegou à casa dos R$ 200 bilhões no ano passado, só para o agronegócio.
É transferência direta do governo para as transnacionais, e ainda dizem que isso sustenta o PIB.
Como nota de rodapé, poderíamos incluir ainda que o agronegócio não gera empregos: são apenas 1,7 pessoas por 100 hectare (ha), enquanto a agricultura familiar emprega 9 vezes mais: 15,3 pessoas por 100 ha.
Entre 2004 e 2013, o agronegócio reduziu 4 milhões de empregos, ou 22% do total. No mesmo período, o desemprego no Brasil caiu de 11,7% para 4,3%.
Que chorem os plantadores de soja, criadores de zebu e especuladores da fome: o Carnaval de 2017 já tem vencedor, e somos nós: povos indígenas, quilombolas, camponeses, sem terra, do campo, das florestas e das águas, todas e todos que lutam por seus territórios sadios contra o agronegócio.
Todo nosso respeito à Imperatriz Leopoldinense.
*Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
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