quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Constituição Federal faz 28 anos, mas não há o que comemorar

Constituição Federal faz 28 anos, mas não há o que comemorar

+ 12
Canal Ciências Criminais
há 20 horas
172 visualizações
Constituio Federal faz 28 anos mas no h o que comemorar
Por Igor Amaral da Costa
Constituição Federal. Vinte e oito anos. A data é emblemática, mas não há o que comemorar. Explico: leio hoje que um ministro do STJ disse em evento recente que “às vezes é preciso fazer injustiça no varejo para conseguir fazer justiça no atacado” (veja aqui). É certo que não se referia especificamente ao tema em questão, mas é o simbólico disso que nos preocupa, sobretudo quando se tenta transportar essa lógica para o processo penal.
Estamos sendo conduzidos a um estágio de enorme déficit de democraticidade. Sob argumentos de combate à impunidade e celeridade processual, direitos e garantias fundamentais se esvaziam como se nunca houvessem existido, contrariando o principal papel de uma Constituiçãono Constitucionalismo Contemporâneo: a proteção contra maiorias eventuais.
Terreno perigoso, porque se torna lugar comum bradar pelo fim da corrupção. A questão é definir a que custo. Quanto estamos dispostos a pagar por um objetivo natimorto? (Não que com isso seja um pessimista moral. Trata-se, em síntese, de situar os elementos legitimadores do agir estatal. É dizer não à lógica utilitarista de que os fins justificam os meios.) O ponto fora da curva ainda persiste, não fora transitório como se esperava, mas sua missão sucumbiu. Corruptos? Amanhã virão outros! E a Constituição? Bem … Não se sabe por quanto tempo resistirá!
O ponto nevrálgico, entretanto, é que, coincidência ou não, na presente data caberá ao Supremo Tribunal Federal debruçar-se sobre o que talvez seja o mais importante julgamento de sua história, o cerne da Magna Carta: o status libertatis. Qual a extensão da presunção de inocência? Otexto constitucional é incontroverso, mas em terras tupiniquins nada mudou, “o óbvio ainda há de ser des-velado” (STRECK, 2015, p. 9).
Parece-me que um dos grandes dilemas da contemporaneidade é o de que“a que expectativas deve corresponder uma decisão judicial?” (MARTINS, 2013). Deve corresponder às expectativas sociais criadas ou às expectativas jurídico-constitucionais? Cumpre-me, assim, situar o lugar de onde falo: o de defesa do Estado de Direito. Preservar a integridade do Direito tem um preço. É pouco? É muito? Não me parece ser papel da Suprema Corte avaliar isso.
Em que pese o respeito acadêmico ao ministro Roberto Barroso, argumentos de pragmática como o de que “está rompida a presunção de não culpabilidade quando há exaurimento da apreciação de matéria fática” (voto proferido no julgamento do HC 126.292/SP), bem como a ocorrência de mutação constitucional em decorrência da mudança de valores sociais, não se mostram cabíveis diante da ordem constitucional vigente.
(Aliás, o próprio ministro (2015, p. 162-162)diz que “(…) a mutação constitucional tem limites, e se ultrapassá-los estará violando o poder constituinte e, em última análise, a soberania popular.” Diz mais: “as mutações que contrariem a Constituição podem certamente ocorrer, gerando mutações inconstitucionais.”)
Na atual quadra da história, há que se levar em conta que a Constituiçãode 1988 promove uma ruptura paradigmática e o direito assume um grau de autonomia. De há muito, Lenio Streck tem insistido nisto: a relação entre a Moral e o Direito é cooriginária, dá-se na ordem do a priori, eis que a moral conforma o direito. Mas depois de votado e aprovado o texto e, estando conforme a constituição, a lei deve ser obedecida (STRECK; OLIVEIRA, 2012, p. 11).
A questão é que se estamos a admitir que o Poder Judiciário ignore a produção legislativa democraticamente aprovada, ainda que sob alegação de garantir efetividade ao sistema penal, como saberemos qual será o limite ao exercício do poder? Em uma era em que se deveria valorizar o exercício da Jurisdição Constitucional, o que fazer diante de uma Suprema Corte que não reconhece os limites que lhe são impostos? Eis o busílis!
Chegada a hora, não se espera do Pretório Excelso nada mais do que lhe fora conferido pela Constituição, tão somente sua guarda, não sua apropriação. Que diga, pois, que uma decisão de tal porte não pode se dar por critérios quantitativos. Simples assim.
Portanto, independentemente do resultado que tenha o julgamento das ADC’s 43 e 44, pautadas hoje, só faço um pedido: mantenham-se sempre pela resistência democrática. Ninguém disse que seria fácil, mas escolhemos ser a última trincheira da liberdade, sempre em defesa do que tem se tornado um ato revolucionário: o respeito à legalidade constitucional (como nos ensina Lenio Luiz Streck, a par de Elías Díaz). Avante!
Post ScriptumDiz o poeta Guilherme de Almeida:
(…)
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que deu à terra o seu suor,
a que deu à terra a sua lágrima,
a que deu à terra o seu sangue!
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que é nossa bandeira gravada no chão,
pelo branco do nosso Ideal,
pelo negro do nosso Luto,
pelo vermelho do nosso Coração.
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que atenta nos vigia,
a que invicta nos defende,
a que eterna nos glorifica!
Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que não transigiu,
a que não esqueceu,
a que não perdoou!
Esta é a trincheira que não se rendeu:
aqui a vossa presença, que é relíquia,
transfigura e consagra num altar
para o voo até Deus da nossa fé! (…)

REFERÊNCIAS
MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito: the Brazilian lessons. 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência?5. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O que é isto – as garantias processuais penais? – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015.

Jurisprudência defensiva é "injustiça no varejo para justiça no atacado", diz ministro, CONJUR

TORRENTE RECURSAL


“Às vezes é preciso fazer injustiça no varejo para conseguir fazer justiça no atacado”. A avaliação é do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, ao comentar a quantidade de recursos que chegam à corte. Ele explica: “Essa cachoeira recursal que desaba sobre a cabeça dos ministros fez com que surgisse no STJ uma jurisprudência defensiva”.
Segundo o ministro, esse tipo de jurisprudência consiste em um conjunto de entendimentos destinados a obstaculizar o exame do mérito dos recursos. No caso do STJ, esses entendimentos estão representados em algumas súmulas.
A fala do ministro se deu em evento no Conselho da Justiça Federal, em Brasília, que debateu direito constitucional e administrativo. O ministro reconheceu que o direito ao recurso faz parte do núcleo essencial de acesso à Justiça da Constituição do país. Por esse motivo, não se pode negar a possibilidade de recorrer de uma decisão judicial.
Segundo o ministro, muitos países considerados desenvolvidos e liberais garantem o acesso à Justiça, mas não aos recursos. Ele conta que escutou de um presidente de tribunal de Quebec, no Canadá, que entrar com uma ação na Justiça de lá é um direito, mas recorrer é um privilégio, inclusive porque se paga muito por isso.
Na opinião do ministro, mesmo com a existência de filtros para impedir que um processo chegue aos tribunais superiores, recursos especiais chegam ao STJ “em um volume inaudito”. Segundo dados do tribunal, até o dia 18 de agosto estavam em tramitação no STJ 407 mil processos. No ano de criação do tribunal, em 1989, eram cerca de 6 mil processos. 
Mudanças
Segundo o ministro, o legislador, ao fazer o novo Código de Processo Civil, porém, mandou recados aos tribunais dizendo que não serão mais tolerados alguns tipos de jurisprudência defensiva, como a que surgiu no STJ. Na avaliação dele, o artigo 941, parágrafo 3º do novo CPC, caducou a súmula 320 do STJ. O dispositivo citado diz que “o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento”. Conforme a súmula, a questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do pré-questionamento.
Já o parágrafo 5º do artigo 1024 do CPC, afirma, foi criado para “matar” a súmula 418. De acordo com o dispositivo processual, se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação. “E também veio no CPC o dispositivo possibilitando ao tribunal desconsiderar ou mandar corrigir vício formal que não o repute grave. Isso vai possibilitar a superação das súmulas 115 e 187 do STJ”. 

No aniversário da Constituição, o rabo abanou o cachorro (pauta Ives)






Rafael Mafei Rabelo Queiroz
06 Outubro 2016 | 08h23

por RAFAEL MAFEI RABELO QUEIROZ*

O STF resolveu comemorar o aniversário da Constituição decidindo pela possibilidade de prisão após o segundo grau, mesmo pendentes recursos ao STF e STJ.

Falando em abstrato, não acho que seja, em si mesmo, atentatório à presunção de inocência um sistema em que a pena seja executada após a condenação em segundo grau. Há muitos países que assim fazem sem que as qualidades das suas justiças sejam contestadas.

Há, porém, duas particularidades no caso brasileiro.

A primeira: entre as diversas maneiras de regrar o equilíbrio entre presunção de inocência e início do cumprimento das penas, nossa Constituição, a aniversariante, optou pela mais protetiva para o acusado: diz, expressamente, que é necessário o trânsito em julgado. Não precisava ter dito, mas disse. Os recursos ao STJ e STF, como recursos que são, impedem o trânsito e, nos termos da letra fria da Constituição, o início do cumprimento da pena. Não basta a condenação em segundo grau.

A segunda: desde sempre, o entendimento prevalecente dado pelo STF a esse dispositivo constitucional afirmava exatamente isso que está escrito no parágrafo acima: recursos ao STF e STJ impedem o trânsito e, assim, o início do cumprimento da pena. Também aqui o STF poderia, desde o princípio, ter decidido de outra maneira, qualificando a natureza jurídica dos recursos aos tribunais superiores. Mas não o fez, embora provocado milhares de vezes há décadas, notadamente após a Lei 8.038 de 1990.

É relevante lembrar que, durante a presidência de Cezar Peluso, tentou-se fazer andar uma emenda constitucional, apoiada por ele, para transformar os recursos a tribunais superiores em ações rescisórias autônomas (PEC 15/2011). O objetivo era justamente compatibilizar a execução após a segunda instância com o dispositivo que só permite a execução da pena após o trânsito em julgado. O texto da PEC está disponível no portal do Senado e pode ser lido aqui.

O projeto, que está parado, era o reconhecimento do próprio tribunal de que essa mudança precisava de uma reforma constitucional. Na falta dela, o STF resolveu ter uma epifania jurídica ontem: o que sempre esteve certo “descobriu-se” errado.

O STF pode mudar sua posição? Pode, claro. Mas para isso precisa apontar por que as decisões anteriores estavam certas durante anos, mas estão erradas a partir de agora, sem que tenha havido qualquer alteração relevante no texto da lei ou nos fatos a que se aplicam – chamamos de “teoria do erro” os parâmetros que permitem identificar esses casos.

Esses “erros” devem limitar-se a situações restritíssimas e muito bem explicadas. Entendimentos jurisprudências, especialmente dos tribunais superiores, devem ser estáveis. Não podem ser alterados com a invocação de platitudes com as ditas ontem no plenário.

Mais do que a presunção de inocência, a concessão desse poder aos tribunais agride a segurança jurídica que os entendimentos jurisprudenciais nos devem fornecer. (Pergunte a um tributarista o que ele acha da volatilidade da jurisprudência do STJ para entender por que estabilidade é uma virtude.) Juízes e tribunais descompromissados com seus entendimentos históricos, que se permitem mudar de posição sob a justificativa de que “a sociedade quer” ou “bem da sociedade civilizada exige”, são menos controláveis quanto aos verdadeiros motivos de suas decisões. Por essa porta passam os reclamos da “sociedade de bem” quanto ao cumprimento de penas, mas passam também aquelas liminares inexplicáveis das quais a mesma sociedade benemérita desconfia.

As “demandas de justiça da sociedade brasileira”, esse ente mitológico tão invocado ontem no plenário, são um recurso tópico que o tribunal invoca quando lhe convém. Não nos deixemos tapear. Fossem elas genuinamente efetivas como determinantes decisórias, o STF teria de se comprometer com o fim dos 60 dias de férias para juízes, que todos os seus membros defendem. E o que dirá a mesma sociedade de bem em relação à extensão, por liminar que já dura mais de dois anos, do auxílio moradia a todos os magistrados do país, independentemente de regulamentação do CNJ? A cassação dessa decisão monocrática representaria também a prevalência da justiça sobre a chicana, tomando emprestado um bordão que vi sair da boca de alguns juízes após a decisão de ontem?

Conta outra STF.

O julgamento de ontem foi um clássico exemplo do rabo abanando o cachorro: o tribunal curvou a interpretação da Constituição para todo o Poder Judiciário brasileiro às conveniências de um conjunto restrito de causas, de que a Lava Jato é o maior exemplo.
______
* É professor da Faculdade de Direito da USP e, de uns tempos para cá, tem dificuldade em convencer os seus alunos de que a Constituição não é apenas um estado de espírito.