domingo, 11 de setembro de 2016

Primeiro passo, Amir Khair, OESP


Uma redução na despesa social do governo causa uma redução de igual valor no PIB
Amir Khair*
11 Setembro 2016 | 15h02
A tese central do governo Michel Temer é de que há excesso de despesas sociais, derivado da Constituição, que não podem ser mantidas pelo Estado sob pena de estourar as contas públicas. O argumento usado é de que essas despesas vêm crescendo há vários anos acima do crescimento da economia. Para frear essa tendência, foi enviada ao Congresso a PEC 241, que congela por 20 anos a despesa federal. A única exceção (?) é a despesa com juros, que fica livre para crescer.
É crescente o número de emendas no Congresso para flexibilizar a PEC 241 pela própria base de sustentação do governo. Afora a delicada questão política dessa PEC, o congelamento acirra a disputa por recursos no interior da demanda social, que cresce: a) pelo déficit histórico em quantidade e qualidade e; b) pelo crescimento demográfico da demanda. Isso é nitroglicerina pura para a explosão social! 
Junto com a PEC, o governo quer nova reforma da Previdência estabelecendo idade mínima de 65 anos para ambos os sexos, para todos os trabalhadores com menos de 50 anos. A tese defendida pelo governo desconsidera que a maior despesa pública e a que mais cresce são os juros da dívida. Em 2015, o déficit da Previdência foi de R$ 85 bilhões e, com juros, de R$ 502 bilhões, seis vezes mais.
Nos últimos 20 anos, em termos reais, a despesa da Previdência cresceu 228% e a de juros 579%, portanto, mais que o dobro. Em 2015, os juros causaram 82% do déficit público!
É por essa razão que, antes da crítica às despesas sociais, que beneficiam a maioria da população, justifica-se o foco fiscal na anomalia dos juros que beneficiam os bancos e uma minoria da população, a de maior renda.
Além disso, ao restringir despesas sociais, é reduzida a atividade econômica, colocando mais uma barreira à retomada do crescimento econômico. Uma redução na despesa social do governo causa uma redução de igual valor no Produto Interno Bruto.
Previdência. A proposta do governo retira direitos da maioria da população e carrega forte dose de rejeição na sociedade, o que poderá trazer séria derrota do governo no Congresso. Ao se fixar na idade mínima como critério de aposentadoria, sem levar em conta o tempo de contribuição, prejudica os que ingressaram mais cedo no mercado de trabalho. Mas o mais grave problema causado pela idade mínima de 65 anos é que desconsidera que o mercado de trabalho expulsa e troca os mais velhos pelos mais jovens, sendo reduzida a presença dos idosos na vida laboral. A perda de vencimentos é agravada com maiores despesas com saúde para essas pessoas.
O sistema atual permite a aposentadoria para essa parcela expulsa do mercado desde que: a) a soma do tempo de contribuição com a idade em que é solicitada a aposentadoria atinja no mínimo 85 anos para as mulheres e 95 anos para os homens ou; b) no caso de não atingir essa soma, mas desde que tenha contribuído no mínimo 30 anos as mulheres e 35 anos os homens, a aposentadoria sofre desconto pelo fator previdenciário.
O excesso de desonerações na quota patronal concedidos pelo governo Dilma deu duro golpe na receita previdenciária, o que ampliou o déficit. Há que reverter isso e buscar novas receitas, como: a) acabar com a forte regressividade imposta pelo limite de contribuição para os salários acima do teto previdenciário; b) estabelecer contribuição para a atividade rural, praticamente inexistente. É preciso aprimorar a gestão, reduzindo a elevada inadimplência e sonegação, coibir desvios e acabar com privilégios injustificados, como acúmulos de pensões e aposentadorias. São dezenas de bilhões de reais perdidos.
A ameaça propalada pelo governo de que ou sai esta reforma ou não haverá dinheiro no futuro para pagar a aposentadoria deve ser confrontada com a transparência das projeções, onde devem ser apresentadas à sociedade as premissas e memórias de cálculo usadas, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse é o primeiro passo de um debate de alto nível.
*Mestre em Finanças Públiicas pela FGV e consultor. Escreve quinzenalmente

O historiador como juiz, Por Leandro Karnal OESP


11 Setembro 2016 | 02h00
A ideia do julgamento póstumo apareceu na fala do advogado José Eduardo Cardozo ao defender a ex-presidente Dilma, assim como no longo discurso dela no Senado. A história seria implacável com aqueles que votassem a favor do impeachment. Cardozo foi mais longe. Entre lágrimas, almejou que algum ministro da justiça teria de pedir desculpas à presidente que caía. Era o apelo ao Supremo Tribunal do Tempo (STT) revestido de profecia.
Pessoas de fora da área da história costumam repetir o que chamamos de “sentido ciceroniano” da memória. Cícero chamou à História “mestra da vida”. Haveria uma reserva moral perceptível no desenrolar dos fatos. O tempo garantiria a retirada das paixões. Só a tinta seca permitiria avaliar o quadro. A serenidade conferida pela distância dos fatos e a verificação cirúrgica das intenções, possibilitaria ao historiador assumir a toga isenta de juiz do mundo pretérito. Tal como um magistrado sério, quem escrevesse sobre o passado não se afogaria nos desequilíbrios partidários do torvelinho atual. Fleuma, a virtude exaltada pelos ingleses; fleuma como sinônimo de tranquilidade e equilíbrio, seria o traço dominante e desejável ao prolatar sentenças.
Objetividade e discernimento são, de fato, atributos de um bom texto histórico. Mas a história não é um tribunal, muito menos um juiz a indicar certo e errado em meio a opiniões. O grande Marc Bloch já insistia, numa obra escrita num campo de concentração nazista (um lugar bom para se dizer o contrário), que a história não deveria julgar. História não tem sentido moral. Pior: nada garante que o estudo do passado evite erros do presente, até porque os fatos não se repetem, são sempre únicos.
Direi de forma direta: a ex-presidente Dilma pode, em 50 anos, ter um avaliação oposta à atual (ainda que não exista uma unanimidade hoje). Isto não será fruto de uma maior justiça ou equilíbrio, mas do que estiver ocorrendo em 50 anos e quais fatos desejaremos esquecer, lembrar ou até criar. A justiça é dada também pelo futuro e por suas necessidades. A lógica do passado não é autônoma.
Quando calarem as personagens envolvidas, quando os polos exaltados tiverem submergido no silêncio, quando Janaína, Dilma, os netos de Dilma citados por ambas, Cardozo, Lula, Lewandowski, bem como você e eu, caro leitor; estivermos todos reintegrados ao ciclo do solo, não emergirá a justiça e a isenção, mas novas personagens com novas paixões e interesses.
São os fatos e posições do presente que dizem se Che Guevara foi um herói (o “maior homem da história” para Sartre) ou um canalha assassino (para outros). Cada tribunal da História terá sempre o juiz do seu tempo, o júri e os advogados da sua historicidade específica. Nunca existirá isenção. Sempre vicejará a subjetividade. Neutralidade é um desejo e uma meta, jamais uma realidade integral.
Não se trata de relativismo extremado, mas de reconhecer que o certo e o errado são determinados historicamente. A presença do STF no imbróglio, por exemplo, foi dada como garantia para a legalidade do processo. Isto é correto para muitos, mas não significa que o julgamento seja, em si justo, apenas que atingiu seus objetivos através do STF. A legalidade não é sinônimo de justiça. Todo tribunal é formado por homens e suas subjetividades. Coisas exclusiva do Direito? Não! Havia médicos assistindo a algumas sessões de tortura durante a ditadura. A presença de um médico não significou a defesa da vida e da saúde, as funções que o juramento de Hipócrates obriga a todo esculápio. Da mesma forma e para não parecer corporativista, a presença do professor não garante a educação. Por vezes, infelizmente, é um obstáculo ao aprendizado.
Nem tragédia e nem farsa, como pensou Marx: a história é apenas uma sucessão caótica de acontecimentos destituída de lógica ou moral. Somos náufragos no gigantesco oceano dos fatos, dando ao passado direções póstumas a partir de morais presentes. Talvez a história absolva Dilma. Talvez a condene com veemência maior. Talvez ela seja esquecida. Talvez vire nome de praças que, depois, serão renomeadas em outro regime. Nem ela e nem nós estaremos aqui para saber. Voltamos à primeira frase. A história absolveu Fidel? O assalto ao quartel de Moncada falhou em 1953, mas o advogado cubano acabou tomando o poder. Assumindo o controle do cabo do chicote que antes o fustigara, ele executou adversários, mudou o judiciário e impôs novas leis. Assim, a história revolucionária da ilha o promoveu a herói, pois foi reinventado por novos donos da memória. Um bom domingo a todos vocês!

Aprovar terceirização é parte importante das reformas - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 11/09
Projeto de lei que se encontra no Senado reduz a enorme insegurança jurídica existente no mercado de trabalho, e assim incentiva a geração de empregos

Estabelece-se que a sociedade e seus costumes seguem na frente no curso da História, para depois vir o arcabouço jurídico e sancionar novas realidades no entrelaçamento social. Não é tão simples assim, mas costuma acontecer dessa forma em atividades muito reguladas, com excessiva interferência do Estado, e que passam por algum choque decorrente da modernização de práticas impostas pela realidade.

Caso exemplar é a varguista Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, aprovada ainda na ditadura do Estado Novo, contaminada pelo fascismo de Mussolini. Não é por acaso que as relações trabalhistas no Brasil são de conflito, porque o Estado tenta normatizar tudo. Talvez fosse possível no Brasil daqueles tempos. Na globalização, nem pensar.

Como leis não são tão fortes quanto a vida real, enquanto elas ficam inamovíveis as pessoas e empresas tratam de resolver seus problemas da maneira possível. Certamente ilegal, à luz de uma legislação fascista de 1943.

A interminável guerra em torno da lei que formaliza as terceirizações é fruto deste choque entre a visão autárquica das relações de trabalho e um mundo das linhas globais de produção, do acirramento da concorrência.

O Brasil foi forçado a se abrir mais ao mundo no governo Collor — sua contribuição ao país. Ocorreu o mesmo com Fernando Henrique, e houve retrocessos com Lula e Dilma, mas nada que revertesse a inexorabilidade da integração planetária da economia. Mesmo apesar do atual movimento em contrário, ditado pelo revigoramento do nacionalismo no mundo. A terceirização passou a ser inevitável para que o sistema produtivo brasileiro mantivesse alguma competitividade com o exterior. Mas a insegurança jurídica do empregador sempre foi, e continua a ser, enorme.

O juiz do trabalho é guiado por uma legislação implacável, sem flexibilidade. Enquanto a estrutura sindical, por sua vez, sobrevive com o dinheiro de um imposto compulsório cobrado de quem vende a força de trabalho no mercado formal. A soma dos dois funciona como dura argamassa para não dar qualquer espaço a entendimentos inovadores entre patrões e empregados, a fim de preservar empregos e defender lucros e salários.

Foram necessários 17 anos para que a Câmara aprovasse, em 2015, o projeto de lei das terceirizações, hoje no Senado, sob a relatoria de um dos inimigos da modernização das relações trabalhistas, senador Paulo Paim (PT-RS).

O projeto, como está, tem a grande vantagem de avançar na questão bizantina da proibição de terceirizações na “atividade-fim” da empresa, segundo uma súmula da Justiça do Trabalho, sem que defina o termo. Tudo fica ao sabor do entendimento subjetivo do juiz.

Com a lei, embora não seja a ideal, pelo menos reduz-se a enorme insegurança jurídica que paira sobre todos os empregadores no país. Esta insegurança é expressa em cifras gigantescas que a empresa poderá ser obrigada pagar a título de indenização trabalhista.

Também são atendidas, no projeto, reivindicações de sindicalistas, o que implica aumento de custo das empresas. Mas se for de fato aplainado o terreno jurídico para as terceirizações, será um progresso, dentro da preocupação de qualquer sociedade de facilitar a geração de empregos.