quinta-feira, 21 de julho de 2016

Usina de Santo Antônio liga sua última turbina


ANNE WARTH - O ESTADO DE S.PAULO
04 Julho 2016 | 05h 00 - Atualizado: 04 Julho 2016 | 05h 00

Projeto previa instalação de 44 turbinas para gerar energia para todo o País; hidrelétrica produzirá 4% da carga nacional

BRASÍLIA - A Hidrelétrica de Santo Antônio colocou em operação na semana passada a última turbina. A usina, que começou a gerar eletricidade em 2012, conseguiu acionar a 44.ª turbina um mês antes do previsto em seu cronograma. A partir de agora, Santo Antônio vai produzir 2,218 mil megawatts médios, o equivalente a 4% da carga nacional e ao consumo de 40 milhões de pessoas.
O presidente da concessionária Santo Antônio Energia, Eduardo de Melo Pinto, considera que a usina atingiu o marco mais importante de sua história. É o primeiro dos grandes projetos estruturantes de energia a ficar pronto – Jirau e Belo Monte estão em fase de motorização. “Estamos gerando toda a energia prevista inicialmente. A sensação é de dever cumprido, embora os desafios não tenham se exaurido”, afirmou o executivo, em entrevista exclusiva ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.
Leiloada em 2007, a usina nas margens do Rio Madeira, em Rondônia, foi arrematada por um preço final de R$ 78,87 o megawatt hora (MWh), por um consórcio liderado por Furnas e composto por Odebrecht, Andrade Gutierrez, Cemig e um fundo de investimentos formado por Banif e Santander – hoje pertencente à Caixa Econômica.

Com custo de R$ 20 bilhões, a usina de Santo Antônio esteve próxima de quebrar. Ao longo dos últimos anos, atrasos no processo de licenciamento ambiental, greves, problemas com o rendimento de suas turbinas e a seca causaram um prejuízo de R$ 5,6 bilhões para a concessionária, calcula o presidente da Santo Antônio Energia. A empresa pleiteia o ressarcimento desses custos à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e na Justiça, onde obteve liminares para limitar o rombo.
Nove anos depois da licitação, os sócios privados iniciaram negociações para vender sua participação para companhias chinesas. O governo também já anunciou a intenção de vender a fatia de empresas do Grupo Eletrobrás nos empreendimentos organizados em Sociedades de Propósito Específico (SPEs), caso da Santo Antônio Energia. “Conseguimos uma tarifa muito competitiva no leilão, mas fatores externos e imprevisíveis prejudicaram a concessionária”, afirmou.
Mesmo com os problemas financeiros e as notícias a respeito da venda de fatias da concessionária, o executivo nega que a usina tenha se tornado um mau negócio. “Não acredito que os sócios estejam arrependidos, mas sim inconformados com algumas dessas situações que nos afetaram”, disse. Ele ressalta, porém, que a mudança na composição acionária da concessionária não afetaria a operação do empreendimento. “A usina tem vida própria.”
Região Norte. Após a entrega das 44 turbinas para o mercado nacional, a usina de Santo Antônio deve iniciar em agosto a montagem das seis máquinas destinadas exclusivamente aos Estados de Acre e Rondônia. Elas devem resolver o problema dos blecautes que atingem a região há anos. Somente no ano passado, foram 15 apagões.
A concessionária construiu 20 quilômetros de linhas de baixa tensão para conectar essas máquinas diretamente ao sistema regional da Eletronorte, em uma subestação que fica em Porto Velho, na BR-364. Assim, será possível formar uma “ilha” para elevar a estabilidade do fornecimento da região e blindá-la de eventuais quedas de abastecimento pelo linhão do Madeira.
Por estarem no fim da linha de transmissão, Rondônia e Acre são os primeiros Estados que ficam sem energia e os últimos a terem o abastecimento restabelecido.

Quando a montagem dessas turbinas for concluída, em novembro, a usina será responsável por suprir 40% da demanda dos dois Estados.

O funcionamento da economia segundo a direita e a esquerda, Ilustríssima, FSP (definitivo)


MARCOS DE BARROS LISBOA
SAMUEL PESSÔA
ilustração JOSÉ BECHARA
17/07/2016  02h00
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RESUMO Os autores argumentam que entre nós, a diferença entre direita e esquerda na economia decorre de maneiras distintas de entender seu funcionamento. Ao contrário do que se vê em nações ricas, aqui as diferenças são mais de natureza positiva (como o mundo funciona), do que normativa (qual é o mundo desejado).
Divulgação
O debate sobre política econômica nas principais economias decorre da contraposição de objetivos. Alguns preferem países mais igualitários, ainda que isto signifique menor crescimento econômico. Outros, por sua vez, aceitam maior desigualdade em troca de maior crescimento. Norberto Bobbio, por exemplo, define a esquerda pela defesa de políticas que promovam maior igualdade na distribuição de renda.
Não há, no entanto, discordância sobre a evidência empírica. As diversas vertentes utilizam o mesmo método de análise. A divergência decorre de preferências distintas sobre as implicações das políticas públicas.
A escolha entre crescimento ou igualdade requer juízo de valor. Nesse caso, a economia nada tem a dizer. Seu papel é apenas apresentar a melhor evidência sobre as diversas possibilidades e suas implicações. Cabe à sociedade, por meio de suas instâncias deliberativas, decidir sobre a política pública.
Nos países desenvolvidos, direita e esquerda defendem diferentes modelos de sociedade. A direita quer menor carga tributária e menor oferta de serviços públicos e de seguro social. A esquerda deseja o oposto. A controvérsia recente nos EUA sobre a criação de um serviço de saúde mais abrangente ilustra a natureza da divergência.
No Brasil, o debate é totalmente distinto. São outras as razões da divergência e para compreendê-las é útil recuperar o estudo dos modelos econômicos comparados.
EIXOS
As diferentes formas de organização da produção e da seguridade social podem ser caracterizadas em dois eixos.
O primeiro decorre da extensão de políticas e seguros sociais: saúde, educação, seguro-desemprego, programas que protejam os grupos sociais mais vulneráveis, como auxílio doença e pensão por morte, entre outros. As sociedades podem decidir construir ampla rede de bem-estar social, ou optar por fazê-la bem reduzida. Existe, evidentemente, um contínuo de possibilidades entre os extremos.
A segunda dimensão em que os modelos diferem é na intervenção do setor público nos mercados: a abertura da economia ao comércio internacional e aos fluxos de capital, a escala de empréstimos subsidiados concedidos pelos bancos públicos, a regulação e intervenção pública no preço de bens, como dos combustíveis, o grau de intervenção discricionária em setores selecionados, a regulação estatal do mercado de trabalho, entre várias outras.
As duas dimensões estão associadas ao papel do Estado na economia. No entanto, as escolhas em cada uma são independentes, uma não impõe restrições à outra.
Os países asiáticos, por exemplo, não apresentam significativas políticas de bem-estar social –a seguridade social é, em boa parte, responsabilidade dos indivíduos– mas seu modelo de desenvolvimento contou com elevada intervenção pública na economia. Os anglo-saxões escolheram um Estado de bem-estar social reduzido e pouco interferem nos mercados.
Já os países escandinavos apresentam um generoso Estado de bem-estar social, porém, como nos anglo-saxões, interferem pouco no funcionamento dos mercados. Por exemplo, a demissão de um funcionário é relativamente pouco custosa para uma empresa nesses países, mas os desempregados são protegidos por um amplo programa de seguro social, financiado por meio de impostos. Finalmente, as sociedades latinas da Europa apresentam um amplo Estado de bem-estar social e intervêm mais fortemente nos mercados. Todas as combinações são possíveis. As duas dimensões da ação do Estado são independentes.
Gian Claudio Biancuzzi/Divulgação
CONSENSO OU DISSENSO
Parece-nos que há, no Brasil, amplo consenso de que devemos construir um abrangente Estado de bem-estar social, à imagem dos vigentes na Europa continental, como sistematizado na Constituição de 1988 e referendado em todos os pleitos eleitorais posteriores. Não há indícios de força política com expressão no Congresso que seja contra esse consenso, como aponta a evidência disponível.
Esse consenso resultou no aumento progressivo da carga tributária e do gasto social. No Governo FHC, o gasto social cresceu 1,5 p. p. (pontos percentuais) do PIB, sem considerar a implantação do SUS e os ganhos com a reorganização dos recursos da educação promovidos pelo Fundef. Ao longo dos oito anos do governo Lula, o gasto social cresceu 1,7 p.p. do PIB. O salário mínimo subiu 22% acima da inflação entre 1995 e 2002, ante 54% nos oitos anos de Lula.
Pode-se argumentar que o maior crescimento do gasto social e do salário mínimo no governo Lula resulte de diferenças programáticas entre os dois partidos. Pode-se contrapor, porém, que esse maior crescimento foi fruto de melhores circunstâncias, decorrentes dos ganhos da estabilização econômica, de reformas institucionais e do boom de commodities.
Em que medida Lula, se eleito em 1994, teria feito mais na área social do que FHC e, simultaneamente, continuado a agenda macroeconômica da estabilização? Vale lembrar que o PT foi contra o Plano Real, fundamental para a estabilização da economia, e que resultou em forte queda da desigualdade. O crescente desequilíbrio fiscal do governo Dilma sugere pessimismo com a resposta.
De qualquer forma, no governo FHC a carga tributária e o gasto social cresceram significativamente, não cabendo, portanto, o selo de governo liberal nessa dimensão. A construção de um amplo Estado de bem-estar social não distingue os governos tucanos e petistas. Ambos defendem políticas bem mais generosas do que as da agenda liberal anglo-saxã.
RUPTURA
A ruptura na política econômica não ocorreu em 2003, com a substituição do governo PSDB pelo PT, mas sim após a saída do ministro Palocci, quando se iniciou uma lenta inflexão na direção de aumento da intervenção do governo nos mercados. Esse processo foi radicalizado na reação à crise internacional de 2008, e passou a ser parte do discurso oficial com o governo Dilma.
A política macroeconômica do primeiro Lula foi ainda mais conservadora do que a adotada no segundo FHC. Houve aumento do superavit primário e aumento da taxa de juros. As críticas, à época, decorreram do excessivo conservadorismo da política econômica.
O mesmo ocorreu com a política social. O PT defendia os programas Fome Zero e Primeiro Emprego. Ambos fracassaram. A equipe econômica propôs, em abril de 2003, a unificação dos programas de transferência de renda e que eles se voltassem aos grupos sociais mais vulneráveis, o que resultou no Bolsa Família, e foi severamente criticada por intelectuais e ministros vinculados ao PT.
A ruptura na política econômica não ocorreu em 2003, mas, sobretudo, a partir de 2009. E não decorreu da revisão da política social, mas sim da intervenção do Estado na economia. As seguintes medidas distinguem os governos petistas após a saída de Palocci da Fazenda:
1. alteração no regime de câmbio flutuante para fortemente administrado;
2. adoção recorrente de artifícios contábeis (Refis, contabilidade criativa, e pedalada fiscal), com a progressiva, e pouco transparente, redução do superavit primário;
3. redução, sem que os fundamentos permitissem, da taxa real de juros de curto prazo e, portanto, maior tolerância com a inflação (contrariamente ao esperado, a menor taxa de juros paga pelo Banco Central e a maior taxa de câmbio não resultaram em maior crescimento, mas sim em maior inflação e em queda progressiva do crescimento e maior taxa de juros de longo prazo);
4. controle de preços como mecanismo alternativo para conter a inflação;
5. expansão do crédito subsidiado, sobretudo por meio do BNDES, para estimular o investimento, com forte discricionariedade em relação aos favorecidos;
6. redução da abertura da economia ao comércio internacional;
7. ampliação das políticas discricionárias, como a desoneração tributária de setores ou de bens selecionados, em detrimento das políticas horizontais;
8. aumento da intervenção pública e do papel da Petrobras no setor de petróleo;
9. intervenção no setor elétrico para baixar as tarifas e antecipar a renovação das concessões;
10. uso dos bancos públicos para reduzir o "spread" bancário;
11. resistência à participação do setor privado na oferta de serviços de utilidade pública e de infraestrutura em geral;
12. adoção indiscriminada da política de conteúdo nacional e de estímulo à produção local, sem a preocupação com o custo de oportunidade dos recursos públicos.
Não há nada de social-democrata nessas medidas. A sua motivação foi promover maior crescimento econômico. Alguns intelectuais, populares na academia brasileira, consideram que o desenvolvimento econômico decorre do intervencionismo estatal. Essa interpretação esteve na origem do novo rumo da política econômica a partir de 2009, que resultou na versão tropicalizada do modelo asiático de desenvolvimento.
HETERODOXIA
A saída de Palocci do ministério da Fazenda resultou na ida para o centro da formulação da política econômica dos economistas heterodoxos, que têm uma participação na academia brasileira impressionantemente maior do que nos países desenvolvidos.
Para os economistas tradicionais, o desenvolvimento econômico decorre do crescimento da produtividade, que depende de dois fatores principais. O primeiro é a formação dos trabalhadores. Por esse motivo, a existência de um sistema público de educação eficiente seria essencial para o crescimento econômico. O segundo, a produtividade sistêmica, está associada à qualidade do marco institucional, como documentada em diversos trabalhos acadêmicos nas últimas duas décadas, e sistematizada por Acemoglu e Robinson no livro "Por que as Nações Fracassam" (2012). Regras e processos importam. Exatamente o que será produzido, porém, não parece ser essencial para determinar o grau de desenvolvimento econômico.
Para a heterodoxia, por outro lado, o desenvolvimento econômico decorre do crescimento de atividades produtivas específicas, como a indústria e, para isso, seria essencial a intervenção do Estado para alterar o mix de produção.
Economistas tradicionais e heterodoxos também discordam sobre a gestão de curto prazo da política econômica. Para os primeiros, a evidência indica que, em geral, as economias operam nas proximidades do pleno emprego. Há, no entanto, sociedades que apresentam ociosidade crônica. Nesse caso observa-se deflação e juros nominais próximos de zero. Esse é o caso, por exemplo, do Japão desde os anos 1990, e das economias centrais após a crise de 2008.
Para a heterodoxia, por outro lado, todas as economias quase sempre apresentam ociosidade dos fatores. Nesse caso, a política fiscal conduz ao crescimento sem pressionar a inflação: o aumento do gasto público induz maior utilização da capacidade instalada.
Além de haver entre os dois grupos divergências de conteúdos há, principalmente, divergência no método de análise, o que causa as diferenças de conteúdos.
DIVERGÊNCIAS
Nos principais centros da academia internacional, o debate deve ser resolvido pela evidência estatística dos dados disponíveis.
Muitas vezes, no entanto, a evidência não é conclusiva sobre qual conjectura deve ser validada. Em alguns casos, os testes não são finais ou variações na técnica e nos dados utilizados apresentam resultados conflitantes. Além disso, novos estudos, decorrentes do acesso a novos instrumentos de análise, podem rever antigos consensos. Esse contínuo processo de proposição de conjecturas, análise da evidência e debate acadêmico sobre a robustez dos resultados caracteriza a economia tradicional.
No Brasil, o debate é diferente. Economistas, mesmo os que concordam com os objetivos da política econômica, muitas vezes discordam sobre o método de análise, os fundamentos da economia e como as divergências deveriam ser dirimidas.
Os economistas tradicionais preferem a evidência dos dados, como na academia internacional.
Já com a heterodoxia, a história é outra. Parte-se da conclusão. A visão de mundo determina os principais aspectos de funcionamento das economias. Como na escolástica medieval, os argumentos são discriminados pela sua concordância com a narrativa, construída com base em alguns princípios sobre a dinâmica da economia, dados esparsos, exemplos da história econômica e argumentos de autoridade.
Não há, nessa tradição, a preocupação em identificar conjecturas específicas que possam ser testadas pela melhor estatística disponível. Ao contrário, o ponto de partida é a grande narrativa que procura ser consistente com alguns fatos estilizados.
Não são apresentados, por exemplo, argumentos estatísticos que justifiquem a tese de que as economias em geral apresentem ociosidade crônica e que, por essa razão, a expansão dos gastos públicos permitiria maior produção sem resultar em maior inflação. A narrativa é suficiente.
Para Celso Furtado e a tradição estruturalista, o desenvolvimento econômico requer uma matriz industrial diversificada. Quando, no início dos anos 1980, ficou claro que o Brasil já tinha uma matriz diversificada, inclusive com um sofisticado setor produtor de bens de capital, e, assim mesmo, continuava subdesenvolvido, a heterodoxia propôs que o problema decorria de o país não ter internalizado a produção de novas tecnologias. A desastrosa política de informática, por exemplo, foi concebida a partir desse entendimento.
Da mesma forma, a heterodoxia acredita que os subsídios públicos concedidos aos grandes conglomerados empresariais –cheibols e keiratsu– foram essenciais para o desenvolvimento da Coreia e do Japão.
Essa narrativa pode ser plausível para explicar algumas experiências de desenvolvimento. Muitos outros países, porém, optaram por políticas semelhantes e fracassaram. Alguns, por sua vez, se desenvolveram apesar de adotarem políticas distintas.
Na economia tradicional, cabe à análise dos dados verificar em que medida os subsídios seriam os responsáveis pelo desenvolvimento desses países. Caso a evidência seja confirmada, devem ser identificadas as condições que permitiram esses resultados, na contramão de outros países em que políticas semelhantes fracassaram, como no Brasil, Iraque e Índia, entre tantos outros.
Na Coreia, os subsídios ao setor produtivo estavam atrelados a metas de exportação e foi adotada, simultaneamente, uma política que permitiu, em uma geração, a escolarização, com elevada qualidade, de toda a população. Adicionalmente, esses países sempre apresentaram taxas domésticas de poupança acima de 30% do PIB.
Surpreende que a narrativa estruturalista tenha sido aceita, e que políticas muito custosas tenham sido implantadas, sem evidências empíricas com um mínimo de robustez que a sustente.
A patologia da heterodoxia (que, como toda patologia, compromete alguns, mas não a todos) ocorre quando se recorre à desqualificação dos métodos estatísticos ou da motivação do pesquisador para rejeitar alguma evidência.
A evidência empírica tem pouca relevância nesse debate. Seu papel seria apenas de ilustração. Se a favor, decorre de pessoas que compartilham da visão. Se contrária, decorre daqueles que têm outra visão de mundo e deve ser rejeitada.
AUSTERIDADE
Existe um debate sobre em que casos a expansão do gasto público auxilia ou prejudica a retomada do crescimento econômico. Discute-se a eficácia do instrumento, não o objetivo da política pública. Muitos heterodoxos no Brasil, no entanto, partem do princípio de que o gasto público é sempre eficaz caso a economia se encontre em recessão.
A economia tradicional, por outro lado, procura testar as conjecturas tendo por base os dados disponíveis. Em alguns casos, a expansão do gasto público parece auxiliar a retomada da atividade; em outros, pode ser contraproducente. Cabe à análise dos dados diferenciar os diversos casos.
No Brasil, os dados indicam que a expansão do gasto público nos últimos sete anos contribuiu para a grave crise que atravessamos. A expansão dos subsídios não resultou em aumento do investimento e colaborou para a grave crise fiscal que o país atravessa.
Alguns heterodoxos, porém, propõem que a recessão de 2015 foi o resultado do cenário internacional desfavorável e da política econômica adotada após a reeleição da presidente. Esse argumento vai de encontro, por um lado, ao impacto da crise externa no crescimento dos demais países, que tiveram suas taxas de crescimento reduzidas de 4% para 3% ao ano, em média, enquanto o Brasil passou de um crescimento de 4% para uma recessão de mais de 3% ao ano.
Carlos Eduardo Gonçalves estima, utilizando um grupo sintético de controle, que o impacto apenas da crise externa seria a redução do nosso crescimento para perto de 2% ao ano. O nosso pior desempenho parece decorrer da política econômica adotada a partir de 2009.
Por outro lado, a evidência internacional indica que, em geral, o multiplicador keynesiano, que estima o impacto da política fiscal sobre a atividade econômica, é de cerca de 1,5 (1 real a menos de gasto público implica 1,5 a menos de produção) e apresenta uma defasagem de cerca de nove meses, prazo entre a redução do gasto e o seu impacto na atividade. Além disso, Zeina Latif e Tatiana Pinheiro estimam que, com a deterioração fiscal a partir de 2010, o multiplicador foi progressivamente reduzido, podendo ser nulo, ou mesmo negativo, depois de 2014. Por fim, a expansão fiscal é contraproducente quando apenas resulta em aumento da inflação.
Caso o argumento heterodoxo estivesse correto, para que a recessão de 2015 fosse resultado do ajuste fiscal implementado naquele ano, o multiplicador deveria ser de quase 5, e com efeito instantâneo, na contramão da evidência empírica.
Os economistas tradicionais rejeitam essa conjectura precisamente por ser contrária aos dados disponíveis. Alguns heterodoxos, no entanto, a defendem sem apresentar qualquer resultado estatístico que contradiga a evidência empírica existente. Os economistas heterodoxos afirmam que aumentos dos gastos públicos resultariam no aumento da produção e dos impostos arrecadados, equilibrando as contas públicas. Seria esperado que disponibilizassem as evidências empíricas que suportam seus argumentos.
Pode-se, e deve-se, questionar a evidência disponível. Com outras evidências ou técnicas de análise. Apenas dessa forma a economia contribui para reduzir a incerteza sobre os rumos a tomar. Desqualificar os argumentos como representando interesses contra o crescimento reflete, apenas, falta de rigor acadêmico.
COMEÇO
A inflexão da política econômica iniciada em 2009 ilustra o argumento principal deste artigo. No Brasil, a diferença entre direita e esquerda decorre de diferentes maneiras de entender o funcionamento da economia. Trata-se, portanto, de diferenças de natureza positiva (como o mundo funciona), e não normativa (qual é o mundo desejado), ao contrário da divergência nos países desenvolvidos.
O contraste do debate brasileiro com o americano entre os economistas é ilustrativo. Lá, a esquerda é representada por Krugman e Stiglitz, que compartilham a mesma forma de construir conhecimento dos economistas de direita, por exemplo, Fama e Lucas. Não há divergência de método entre eles. A divergência decorre do modelo desejado de sociedade. Krugman e Stiglitz gostariam de um Estado de bem-estar mais abrangente e de uma carga tributária maior do que Lucas e Fama, que temem o seu impacto sobre o crescimento.
Evidentemente, há discordâncias sobre os impactos da intervenção pública. Mesmo porque há inúmeros temas de natureza positiva para os quais a academia não tem resposta definitiva. Por exemplo, muitos economistas tradicionais avaliam que serão baixos os impactos de um aumento do salário mínimo sobre o desemprego. Outros, porém, temem que aumentos do salário mínimo resultem em aumentos apreciáveis do desemprego. Todos concordam, no entanto, que a divergência deva ser resolvida pela análise dos dados disponíveis.
No Brasil, por outro lado, a imensa maioria defende políticas sociais abrangentes. O debate polarizado decorre de uma controvérsia entre os que utilizam evidências para determinar a eficácia das políticas públicas e os que denunciam a divergência por, supostamente, defender interesses indevidos.
Alguns países se desenvolveram e superaram desafios básicos, como a educação em massa e a proteção dos mais vulneráveis. Outros repetem antigos equívocos.
MARCOS DE BARROS LISBOA, 51, doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia, é presidente do Insper.
SAMUEL PESSÔA, 52, doutor em economia pela USP, é pesquisador da FGV e colunista da Folha.

JOSÉ BECHARA, 59, artista plástico, está em cartaz com "Voadoras" na galeria Marília Razuk, em São Paulo, até 20/7. 

Contra a natureza, FSP Patrão


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Causou alguma estranheza a aproximação feita na coluna passada (19/6) entre modernismo e romantismo. Analogias desse tipo nunca são exatas, mas esses dois movimentos de ideias tinham em comum o impulso de romper regras, a exaltação de um eu espontâneo e a busca de inspiração nas fontes irracionais e nas sociedades e épocas ditas "primitivas". Mantiveram também uma atitude hostil em face da máquina e do progresso técnico, apesar de numerosas exceções, desde logo a de artistas futuristas como os poetas Marinetti e Maiakóvski.
Talvez não seja mecânico demais especular que todo surto de desenvolvimento tecnológico tende a gerar como contrapartida alguma reação de recusa inconsciente e de idealização nostálgica da natureza. Se for assim, torna-se tentador perceber o romantismo como réplica ideológica à primeira revolução industrial (tear e máquina a vapor) e o modernismo como seu equivalente em relação à segunda (eletricidade e motor a combustão).
Por mais que o computador pessoal embutido em telefones móveis interligados não pareça tanto se comparado aos avanços da virada de século anterior (telefone, lâmpada elétrica, automóvel, cinema, rádio e avião foram criados entre 1880 e 1905), não resta dúvida de que estamos em meio a mais um desses surtos tecnológicos. Não por acaso, presenciamos também uma das mais poderosas ondas periódicas de idealização da natureza, ressaltada agora pelas evidências de que estamos exaurindo recursos e ameaçando o futuro das espécies, inclusive a nossa.
Ao se tornar campanha popular, que varre as instituições culturais em todos os quadrantes, da pré-escola à mídia, a mentalidade ambientalista adquire um maniqueísmo didático, quando não beligerante e autoritário. Dado que as teorias críticas da sociedade moderna, como o marxismo e a psicanálise, mergulharam em crise intelectual, o que sobressai no caos ideológico é uma espécie de rousseauismo difuso, em que a sociedade aparece como "má" e a natureza como "boa".
Não é exatamente essa a imagem da natureza que a teoria de Darwin permitiu vislumbrar. O abalo que seu advento provocou, na segunda metade do século 19, era religioso, conforme aparecia pela primeira vez uma explicação plausível para a complexidade dos seres vivos que dispensava a criação divina. Mas é viável ser religioso e darwinista; basta imaginar que Deus tenha engendrado as leis da seleção natural da mesma forma que as da gravidade ou as da termodinâmica.
O maior abalo foi moral; a natureza afável, bem-aventurada, próspera e harmoniosa dos românticos não existia. Desde Malthus, talvez o autor que mais influenciou Darwin, o que irrompia era uma natureza cruel, avara, na qual plantas e animais se reproduzem além dos meios de subsistência, sobrevivendo no limiar da fome, forçados a uma luta implacável uns contra outros. Uma hipótese científica, confirmada pela genética no século 20, dava materialidade à concepção de Hobbes segundo a qual, na natureza, a vida é "solitária, miserável, sórdida, brutal e curta".
Claro que a natureza não é boa nem má, somos nós que lhe atribuímos tais predicados imaginários. Ela é perfeitamente amoral, admitindo uma só exceção à lei do mais forte, que é a daquele capaz de iludir o mais forte por dissimulação. Alguns arranjos, bastante raros e instáveis, configuram um toma lá dá cá que é a matriz da qual emergiram todos os sistemas morais e jurídicos dos humanos.
O segundo abalo foi ocasionado pela síntese científica entre darwinismo e genética no decorrer do século passado. Brilhante historiador desse período, o naturalista inglês Richard Dawkins concebeu uma metáfora aterradora ao imaginar que os seres vivos são como autômatos, fantoches ou zumbis comandados por partículas alojadas em suas células, os genes. Nós, "máquinas desajeitadas", nascemos e morremos, mas os genes perduram; em certo sentido, como verdadeiras divindades, eles nos "usam" na forma de veículo rumo à eternidade.
Ao adquirir consciência dessa situação terrível, tudo o que os humanos fazem, quando melhoram suas condições de vida e inventam propósitos fantasiosos para um mundo sem sentido, implica uma revolta contra a natureza, uma insubordinação perante as limitações que ela impõe, uma astúcia para superá-las. O homem é o ser que reforma a si mesmo reformando a natureza. Por mais que desejemos e tenhamos de entrar em concórdia com ela, o que define nossa espécie é esse antagonismo essencial.