04 Julho 2016 | 05h 00-Atualizado: 04 Julho 2016 | 05h
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Projeto previa instalação de 44 turbinas para
gerar energia para todo o País; hidrelétrica produzirá 4% da carga nacional
BRASÍLIA - A Hidrelétrica de Santo Antônio colocou em operação
na semana passada a última turbina. A usina, que começou a gerar eletricidade
em 2012, conseguiu acionar a 44.ª turbina um mês antes do previsto em seu
cronograma. A partir de agora, Santo Antônio vai produzir 2,218 mil megawatts
médios, o equivalente a 4% da carga nacional e ao consumo de 40 milhões de
pessoas.
O presidente da concessionária Santo Antônio Energia, Eduardo de
Melo Pinto, considera que a usina atingiu o marco mais importante de sua
história. É o primeiro dos grandes projetos estruturantes de energia a ficar pronto
– Jirau e Belo Monte estão em fase de motorização. “Estamos gerando toda a
energia prevista inicialmente. A sensação é de dever cumprido, embora os
desafios não tenham se exaurido”, afirmou o executivo, em entrevista exclusiva
aoBroadcast, serviço em
tempo real daAgência Estado.
Leiloada em 2007, a usina nas margens do Rio Madeira, em
Rondônia, foi arrematada por um preço final de R$ 78,87 o megawatt hora (MWh),
por um consórcio liderado por Furnas e composto por Odebrecht, Andrade
Gutierrez, Cemig e um fundo de investimentos formado por Banif e Santander –
hoje pertencente à Caixa Econômica.
Com custo de R$ 20 bilhões, a usina de Santo Antônio esteve
próxima de quebrar. Ao longo dos últimos anos, atrasos no processo de
licenciamento ambiental, greves, problemas com o rendimento de suas turbinas e
a seca causaram um prejuízo de R$ 5,6 bilhões para a concessionária, calcula o
presidente da Santo Antônio Energia. A empresa pleiteia o ressarcimento desses
custos à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e na Justiça, onde obteve
liminares para limitar o rombo.
Nove anos depois da licitação, os sócios privados iniciaram
negociações para vender sua participação para companhias chinesas. O governo
também já anunciou a intenção de vender a fatia de empresas do Grupo Eletrobrás
nos empreendimentos organizados em Sociedades de Propósito Específico (SPEs),
caso da Santo Antônio Energia. “Conseguimos uma tarifa muito competitiva no
leilão, mas fatores externos e imprevisíveis prejudicaram a concessionária”, afirmou.
Mesmo com os problemas financeiros e as notícias a respeito da
venda de fatias da concessionária, o executivo nega que a usina tenha se
tornado um mau negócio. “Não acredito que os sócios estejam arrependidos, mas
sim inconformados com algumas dessas situações que nos afetaram”, disse. Ele
ressalta, porém, que a mudança na composição acionária da concessionária não
afetaria a operação do empreendimento. “A usina tem vida própria.”
Região Norte.Após a entrega das 44 turbinas
para o mercado nacional, a usina de Santo Antônio deve iniciar em agosto a
montagem das seis máquinas destinadas exclusivamente aos Estados de Acre e
Rondônia. Elas devem resolver o problema dos blecautes que atingem a região há
anos. Somente no ano passado, foram 15 apagões.
A concessionária construiu 20 quilômetros de linhas de baixa
tensão para conectar essas máquinas diretamente ao sistema regional da
Eletronorte, em uma subestação que fica em Porto Velho, na BR-364. Assim, será
possível formar uma “ilha” para elevar a estabilidade do fornecimento da região
e blindá-la de eventuais quedas de abastecimento pelo linhão do Madeira.
Por estarem no fim da linha de transmissão, Rondônia e Acre são
os primeiros Estados que ficam sem energia e os últimos a terem o abastecimento
restabelecido.
Quando a montagem dessas turbinas for concluída, em novembro, a
usina será responsável por suprir 40% da demanda dos dois Estados.
RESUMOOs autores argumentam que entre nós, a diferença
entre direita e esquerda na economia decorre de maneiras distintas de entender
seu funcionamento. Ao contrário do que se vê em nações ricas, aqui as
diferenças são mais de natureza positiva (como o mundo funciona), do que
normativa (qual é o mundo desejado).
Divulgação
O debate sobre política econômica
nas principais economias decorre da contraposição de objetivos. Alguns preferem
países mais igualitários, ainda que isto signifique menor crescimento
econômico. Outros, por sua vez, aceitam maior desigualdade em troca de maior
crescimento. Norberto Bobbio, por exemplo, define a esquerda pela defesa de
políticas que promovam maior igualdade na distribuição de renda.
Não há, no entanto, discordância
sobre a evidência empírica. As diversas vertentes utilizam o mesmo método de análise.
A divergência decorre de preferências distintas sobre as implicações das
políticas públicas.
A escolha entre crescimento ou
igualdade requer juízo de valor. Nesse caso, a economia nada tem a dizer. Seu
papel é apenas apresentar a melhor evidência sobre as diversas possibilidades e
suas implicações. Cabe à sociedade, por meio de suas instâncias deliberativas,
decidir sobre a política pública.
Nos países desenvolvidos, direita e
esquerda defendem diferentes modelos de sociedade. A direita quer menor carga
tributária e menor oferta de serviços públicos e de seguro social. A esquerda
deseja o oposto. A controvérsia recente nos EUA sobre a criação de um serviço
de saúde mais abrangente ilustra a natureza da divergência.
No Brasil, o debate é totalmente distinto.
São outras as razões da divergência e para compreendê-las é útil recuperar o
estudo dos modelos econômicos comparados.
EIXOS
As diferentes formas de organização
da produção e da seguridade social podem ser caracterizadas em dois eixos.
O primeiro decorre da extensão de
políticas e seguros sociais: saúde, educação, seguro-desemprego, programas que
protejam os grupos sociais mais vulneráveis, como auxílio doença e pensão por
morte, entre outros. As sociedades podem decidir construir ampla rede de
bem-estar social, ou optar por fazê-la bem reduzida. Existe, evidentemente, um
contínuo de possibilidades entre os extremos.
A segunda dimensão em que os modelos
diferem é na intervenção do setor público nos mercados: a abertura da economia
ao comércio internacional e aos fluxos de capital, a escala de empréstimos
subsidiados concedidos pelos bancos públicos, a regulação e intervenção pública
no preço de bens, como dos combustíveis, o grau de intervenção discricionária
em setores selecionados, a regulação estatal do mercado de trabalho, entre
várias outras.
As duas dimensões estão associadas
ao papel do Estado na economia. No entanto, as escolhas em cada uma são
independentes, uma não impõe restrições à outra.
Os países asiáticos, por exemplo,
não apresentam significativas políticas de bem-estar social –a seguridade
social é, em boa parte, responsabilidade dos indivíduos– mas seu modelo de
desenvolvimento contou com elevada intervenção pública na economia. Os
anglo-saxões escolheram um Estado de bem-estar social reduzido e pouco
interferem nos mercados.
Já os países escandinavos apresentam
um generoso Estado de bem-estar social, porém, como nos anglo-saxões,
interferem pouco no funcionamento dos mercados. Por exemplo, a demissão de um
funcionário é relativamente pouco custosa para uma empresa nesses países, mas
os desempregados são protegidos por um amplo programa de seguro social,
financiado por meio de impostos. Finalmente, as sociedades latinas da Europa
apresentam um amplo Estado de bem-estar social e intervêm mais fortemente nos
mercados. Todas as combinações são possíveis. As duas dimensões da ação do
Estado são independentes.
Gian
Claudio Biancuzzi/Divulgação
CONSENSO OU DISSENSO
Parece-nos que há, no Brasil, amplo
consenso de que devemos construir um abrangente Estado de bem-estar social, à
imagem dos vigentes na Europa continental, como sistematizado na Constituição
de 1988 e referendado em todos os pleitos eleitorais posteriores. Não há
indícios de força política com expressão no Congresso que seja contra esse
consenso, como aponta a evidência disponível.
Esse consenso resultou no aumento
progressivo da carga tributária e do gasto social. No Governo FHC, o gasto
social cresceu 1,5 p. p. (pontos percentuais) do PIB, sem considerar a
implantação do SUS e os ganhos com a reorganização dos recursos da educação
promovidos pelo Fundef. Ao longo dos oito anos do governo Lula, o gasto social
cresceu 1,7 p.p. do PIB. O salário mínimo subiu 22% acima da inflação entre
1995 e 2002, ante 54% nos oitos anos de Lula.
Pode-se argumentar que o maior
crescimento do gasto social e do salário mínimo no governo Lula resulte de
diferenças programáticas entre os dois partidos. Pode-se contrapor, porém, que
esse maior crescimento foi fruto de melhores circunstâncias, decorrentes dos
ganhos da estabilização econômica, de reformas institucionais e do boom de
commodities.
Em que medida Lula, se eleito em
1994, teria feito mais na área social do que FHC e, simultaneamente, continuado
a agenda macroeconômica da estabilização? Vale lembrar que o PT foi contra o
Plano Real, fundamental para a estabilização da economia, e que resultou em
forte queda da desigualdade. O crescente desequilíbrio fiscal do governo Dilma
sugere pessimismo com a resposta.
De qualquer forma, no governo FHC a
carga tributária e o gasto social cresceram significativamente, não cabendo,
portanto, o selo de governo liberal nessa dimensão. A construção de um amplo
Estado de bem-estar social não distingue os governos tucanos e petistas. Ambos
defendem políticas bem mais generosas do que as da agenda liberal anglo-saxã.
RUPTURA
A ruptura na política econômica não
ocorreu em 2003, com a substituição do governo PSDB pelo PT, mas sim após a
saída do ministro Palocci, quando se iniciou uma lenta inflexão na direção de
aumento da intervenção do governo nos mercados. Esse processo foi radicalizado
na reação à crise internacional de 2008, e passou a ser parte do discurso
oficial com o governo Dilma.
A política macroeconômica do
primeiro Lula foi ainda mais conservadora do que a adotada no segundo FHC.
Houve aumento do superavit primário e aumento da taxa de juros. As críticas, à
época, decorreram do excessivo conservadorismo da política econômica.
O mesmo ocorreu com a política
social. O PT defendia os programas Fome Zero e Primeiro Emprego. Ambos
fracassaram. A equipe econômica propôs, em abril de 2003, a unificação dos
programas de transferência de renda e que eles se voltassem aos grupos sociais
mais vulneráveis, o que resultou no Bolsa Família, e foi severamente criticada
por intelectuais e ministros vinculados ao PT.
A ruptura na política econômica não
ocorreu em 2003, mas, sobretudo, a partir de 2009. E não decorreu da revisão da
política social, mas sim da intervenção do Estado na economia. As seguintes
medidas distinguem os governos petistas após a saída de Palocci da Fazenda:
1. alteração no regime de câmbio
flutuante para fortemente administrado;
2. adoção recorrente de artifícios
contábeis (Refis, contabilidade criativa, e pedalada fiscal), com a
progressiva, e pouco transparente, redução do superavit primário;
3. redução, sem que os fundamentos
permitissem, da taxa real de juros de curto prazo e, portanto, maior tolerância
com a inflação (contrariamente ao esperado, a menor taxa de juros paga pelo
Banco Central e a maior taxa de câmbio não resultaram em maior crescimento, mas
sim em maior inflação e em queda progressiva do crescimento e maior taxa de
juros de longo prazo);
4. controle de preços como mecanismo
alternativo para conter a inflação;
5. expansão do crédito subsidiado,
sobretudo por meio do BNDES, para estimular o investimento, com forte
discricionariedade em relação aos favorecidos;
6. redução da abertura da economia
ao comércio internacional;
7. ampliação das políticas
discricionárias, como a desoneração tributária de setores ou de bens
selecionados, em detrimento das políticas horizontais;
8. aumento da intervenção pública e
do papel da Petrobras no setor de petróleo;
9. intervenção no setor elétrico
para baixar as tarifas e antecipar a renovação das concessões;
10. uso dos bancos públicos para
reduzir o "spread" bancário;
11. resistência à participação do
setor privado na oferta de serviços de utilidade pública e de infraestrutura em
geral;
12. adoção indiscriminada da
política de conteúdo nacional e de estímulo à produção local, sem a preocupação
com o custo de oportunidade dos recursos públicos.
Não há nada de social-democrata
nessas medidas. A sua motivação foi promover maior crescimento econômico.
Alguns intelectuais, populares na academia brasileira, consideram que o
desenvolvimento econômico decorre do intervencionismo estatal. Essa
interpretação esteve na origem do novo rumo da política econômica a partir de
2009, que resultou na versão tropicalizada do modelo asiático de
desenvolvimento.
HETERODOXIA
A saída de Palocci do ministério da
Fazenda resultou na ida para o centro da formulação da política econômica dos
economistas heterodoxos, que têm uma participação na academia brasileira
impressionantemente maior do que nos países desenvolvidos.
Para os economistas tradicionais, o
desenvolvimento econômico decorre do crescimento da produtividade, que depende
de dois fatores principais. O primeiro é a formação dos trabalhadores. Por esse
motivo, a existência de um sistema público de educação eficiente seria
essencial para o crescimento econômico. O segundo, a produtividade sistêmica,
está associada à qualidade do marco institucional, como documentada em diversos
trabalhos acadêmicos nas últimas duas décadas, e sistematizada por Acemoglu e
Robinson no livro "Por que as Nações Fracassam" (2012). Regras e
processos importam. Exatamente o que será produzido, porém, não parece ser
essencial para determinar o grau de desenvolvimento econômico.
Para a heterodoxia, por outro lado,
o desenvolvimento econômico decorre do crescimento de atividades produtivas
específicas, como a indústria e, para isso, seria essencial a intervenção do
Estado para alterar o mix de produção.
Economistas tradicionais e
heterodoxos também discordam sobre a gestão de curto prazo da política
econômica. Para os primeiros, a evidência indica que, em geral, as economias
operam nas proximidades do pleno emprego. Há, no entanto, sociedades que
apresentam ociosidade crônica. Nesse caso observa-se deflação e juros nominais
próximos de zero. Esse é o caso, por exemplo, do Japão desde os anos 1990, e
das economias centrais após a crise de 2008.
Para a heterodoxia, por outro lado,
todas as economias quase sempre apresentam ociosidade dos fatores. Nesse caso,
a política fiscal conduz ao crescimento sem pressionar a inflação: o aumento do
gasto público induz maior utilização da capacidade instalada.
Além de haver entre os dois grupos
divergências de conteúdos há, principalmente, divergência no método de análise,
o que causa as diferenças de conteúdos.
DIVERGÊNCIAS
Nos principais centros da academia
internacional, o debate deve ser resolvido pela evidência estatística dos dados
disponíveis.
Muitas vezes, no entanto, a
evidência não é conclusiva sobre qual conjectura deve ser validada. Em alguns
casos, os testes não são finais ou variações na técnica e nos dados utilizados
apresentam resultados conflitantes. Além disso, novos estudos, decorrentes do
acesso a novos instrumentos de análise, podem rever antigos consensos. Esse
contínuo processo de proposição de conjecturas, análise da evidência e debate
acadêmico sobre a robustez dos resultados caracteriza a economia tradicional.
No Brasil, o debate é diferente.
Economistas, mesmo os que concordam com os objetivos da política econômica,
muitas vezes discordam sobre o método de análise, os fundamentos da economia e
como as divergências deveriam ser dirimidas.
Os economistas tradicionais preferem
a evidência dos dados, como na academia internacional.
Já com a heterodoxia, a história é
outra. Parte-se da conclusão. A visão de mundo determina os principais aspectos
de funcionamento das economias. Como na escolástica medieval, os argumentos são
discriminados pela sua concordância com a narrativa, construída com base em
alguns princípios sobre a dinâmica da economia, dados esparsos, exemplos da
história econômica e argumentos de autoridade.
Não há, nessa tradição, a
preocupação em identificar conjecturas específicas que possam ser testadas pela
melhor estatística disponível. Ao contrário, o ponto de partida é a grande
narrativa que procura ser consistente com alguns fatos estilizados.
Não são apresentados, por exemplo,
argumentos estatísticos que justifiquem a tese de que as economias em geral
apresentem ociosidade crônica e que, por essa razão, a expansão dos gastos
públicos permitiria maior produção sem resultar em maior inflação. A narrativa
é suficiente.
Para Celso Furtado e a tradição
estruturalista, o desenvolvimento econômico requer uma matriz industrial
diversificada. Quando, no início dos anos 1980, ficou claro que o Brasil já
tinha uma matriz diversificada, inclusive com um sofisticado setor produtor de
bens de capital, e, assim mesmo, continuava subdesenvolvido, a heterodoxia
propôs que o problema decorria de o país não ter internalizado a produção de
novas tecnologias. A desastrosa política de informática, por exemplo, foi
concebida a partir desse entendimento.
Da mesma forma, a heterodoxia
acredita que os subsídios públicos concedidos aos grandes conglomerados
empresariais –cheibols e keiratsu– foram essenciais para o desenvolvimento da
Coreia e do Japão.
Essa narrativa pode ser plausível
para explicar algumas experiências de desenvolvimento. Muitos outros países,
porém, optaram por políticas semelhantes e fracassaram. Alguns, por sua vez, se
desenvolveram apesar de adotarem políticas distintas.
Na economia tradicional, cabe à
análise dos dados verificar em que medida os subsídios seriam os responsáveis
pelo desenvolvimento desses países. Caso a evidência seja confirmada, devem ser
identificadas as condições que permitiram esses resultados, na contramão de
outros países em que políticas semelhantes fracassaram, como no Brasil, Iraque
e Índia, entre tantos outros.
Na Coreia, os subsídios ao setor
produtivo estavam atrelados a metas de exportação e foi adotada,
simultaneamente, uma política que permitiu, em uma geração, a escolarização,
com elevada qualidade, de toda a população. Adicionalmente, esses países sempre
apresentaram taxas domésticas de poupança acima de 30% do PIB.
Surpreende que a narrativa
estruturalista tenha sido aceita, e que políticas muito custosas tenham sido
implantadas, sem evidências empíricas com um mínimo de robustez que a sustente.
A patologia da heterodoxia (que,
como toda patologia, compromete alguns, mas não a todos) ocorre quando se
recorre à desqualificação dos métodos estatísticos ou da motivação do
pesquisador para rejeitar alguma evidência.
A evidência empírica tem pouca
relevância nesse debate. Seu papel seria apenas de ilustração. Se a favor,
decorre de pessoas que compartilham da visão. Se contrária, decorre daqueles
que têm outra visão de mundo e deve ser rejeitada.
AUSTERIDADE
Existe um debate sobre em que casos
a expansão do gasto público auxilia ou prejudica a retomada do crescimento
econômico. Discute-se a eficácia do instrumento, não o objetivo da política
pública. Muitos heterodoxos no Brasil, no entanto, partem do princípio de que o
gasto público é sempre eficaz caso a economia se encontre em recessão.
A economia tradicional, por outro
lado, procura testar as conjecturas tendo por base os dados disponíveis. Em
alguns casos, a expansão do gasto público parece auxiliar a retomada da
atividade; em outros, pode ser contraproducente. Cabe à análise dos dados
diferenciar os diversos casos.
No Brasil, os dados indicam que a
expansão do gasto público nos últimos sete anos contribuiu para a grave crise
que atravessamos. A expansão dos subsídios não resultou em aumento do
investimento e colaborou para a grave crise fiscal que o país atravessa.
Alguns heterodoxos, porém, propõem
que a recessão de 2015 foi o resultado do cenário internacional desfavorável e
da política econômica adotada após a reeleição da presidente. Esse argumento
vai de encontro, por um lado, ao impacto da crise externa no crescimento dos
demais países, que tiveram suas taxas de crescimento reduzidas de 4% para 3% ao
ano, em média, enquanto o Brasil passou de um crescimento de 4% para uma
recessão de mais de 3% ao ano.
Carlos Eduardo Gonçalves estima,
utilizando um grupo sintético de controle, que o impacto apenas da crise
externa seria a redução do nosso crescimento para perto de 2% ao ano. O nosso
pior desempenho parece decorrer da política econômica adotada a partir de 2009.
Por outro lado, a evidência internacional
indica que, em geral, o multiplicador keynesiano, que estima o impacto da
política fiscal sobre a atividade econômica, é de cerca de 1,5 (1 real a menos
de gasto público implica 1,5 a menos de produção) e apresenta uma defasagem de
cerca de nove meses, prazo entre a redução do gasto e o seu impacto na
atividade. Além disso, Zeina Latif e Tatiana Pinheiro estimam que, com a
deterioração fiscal a partir de 2010, o multiplicador foi progressivamente
reduzido, podendo ser nulo, ou mesmo negativo, depois de 2014. Por fim, a
expansão fiscal é contraproducente quando apenas resulta em aumento da
inflação.
Caso o argumento heterodoxo
estivesse correto, para que a recessão de 2015 fosse resultado do ajuste fiscal
implementado naquele ano, o multiplicador deveria ser de quase 5, e com efeito
instantâneo, na contramão da evidência empírica.
Os economistas tradicionais rejeitam
essa conjectura precisamente por ser contrária aos dados disponíveis. Alguns
heterodoxos, no entanto, a defendem sem apresentar qualquer resultado
estatístico que contradiga a evidência empírica existente. Os economistas
heterodoxos afirmam que aumentos dos gastos públicos resultariam no aumento da
produção e dos impostos arrecadados, equilibrando as contas públicas. Seria
esperado que disponibilizassem as evidências empíricas que suportam seus
argumentos.
Pode-se, e deve-se, questionar a
evidência disponível. Com outras evidências ou técnicas de análise. Apenas
dessa forma a economia contribui para reduzir a incerteza sobre os rumos a tomar.
Desqualificar os argumentos como representando interesses contra o crescimento
reflete, apenas, falta de rigor acadêmico.
COMEÇO
A inflexão da política econômica
iniciada em 2009 ilustra o argumento principal deste artigo. No Brasil, a
diferença entre direita e esquerda decorre de diferentes maneiras de entender o
funcionamento da economia. Trata-se, portanto, de diferenças de natureza
positiva (como o mundo funciona), e não normativa (qual é o mundo desejado), ao
contrário da divergência nos países desenvolvidos.
O contraste do debate brasileiro com
o americano entre os economistas é ilustrativo. Lá, a esquerda é representada
por Krugman e Stiglitz, que compartilham a mesma forma de construir
conhecimento dos economistas de direita, por exemplo, Fama e Lucas. Não há
divergência de método entre eles. A divergência decorre do modelo desejado de
sociedade. Krugman e Stiglitz gostariam de um Estado de bem-estar mais
abrangente e de uma carga tributária maior do que Lucas e Fama, que temem o seu
impacto sobre o crescimento.
Evidentemente, há discordâncias
sobre os impactos da intervenção pública. Mesmo porque há inúmeros temas de
natureza positiva para os quais a academia não tem resposta definitiva. Por
exemplo, muitos economistas tradicionais avaliam que serão baixos os impactos
de um aumento do salário mínimo sobre o desemprego. Outros, porém, temem que
aumentos do salário mínimo resultem em aumentos apreciáveis do desemprego.
Todos concordam, no entanto, que a divergência deva ser resolvida pela análise
dos dados disponíveis.
No Brasil, por outro lado, a imensa
maioria defende políticas sociais abrangentes. O debate polarizado decorre de
uma controvérsia entre os que utilizam evidências para determinar a eficácia
das políticas públicas e os que denunciam a divergência por, supostamente,
defender interesses indevidos.
Alguns países se desenvolveram e
superaram desafios básicos, como a educação em massa e a proteção dos mais
vulneráveis. Outros repetem antigos equívocos.
MARCOS DE
BARROS LISBOA, 51, doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia, é
presidente do Insper.
SAMUEL
PESSÔA, 52, doutor em economia pela USP, é pesquisador da FGV e
colunista daFolha.
JOSÉ
BECHARA, 59, artista plástico, está em cartaz com "Voadoras" na
galeria Marília Razuk, em São Paulo, até 20/7.
Causou alguma estranheza a
aproximação feita na coluna passada (19/6) entre modernismo e romantismo.
Analogias desse tipo nunca são exatas, mas esses dois movimentos de ideias
tinham em comum o impulso de romper regras, a exaltação de um eu espontâneo e a
busca de inspiração nas fontes irracionais e nas sociedades e épocas ditas
"primitivas". Mantiveram também uma atitude hostil em face da máquina
e do progresso técnico, apesar de numerosas exceções, desde logo a de artistas
futuristas como os poetas Marinetti e Maiakóvski.
Talvez não seja mecânico demais
especular que todo surto de desenvolvimento tecnológico tende a gerar como
contrapartida alguma reação de recusa inconsciente e de idealização nostálgica
da natureza. Se for assim, torna-se tentador perceber o romantismo como réplica
ideológica à primeira revolução industrial (tear e máquina a vapor) e o
modernismo como seu equivalente em relação à segunda (eletricidade e motor a
combustão).
Por mais que o computador pessoal
embutido em telefones móveis interligados não pareça tanto se comparado aos
avanços da virada de século anterior (telefone, lâmpada elétrica, automóvel,
cinema, rádio e avião foram criados entre 1880 e 1905), não resta dúvida de que
estamos em meio a mais um desses surtos tecnológicos. Não por acaso,
presenciamos também uma das mais poderosas ondas periódicas de idealização da
natureza, ressaltada agora pelas evidências de que estamos exaurindo recursos e
ameaçando o futuro das espécies, inclusive a nossa.
Ao se tornar campanha popular, que
varre as instituições culturais em todos os quadrantes, da pré-escola à mídia,
a mentalidade ambientalista adquire um maniqueísmo didático, quando não
beligerante e autoritário. Dado que as teorias críticas da sociedade moderna,
como o marxismo e a psicanálise, mergulharam em crise intelectual, o que
sobressai no caos ideológico é uma espécie de rousseauismo difuso, em que a
sociedade aparece como "má" e a natureza como "boa".
Não é exatamente essa a imagem da
natureza que a teoria de Darwin permitiu vislumbrar. O abalo que seu advento
provocou, na segunda metade do século 19, era religioso, conforme aparecia pela
primeira vez uma explicação plausível para a complexidade dos seres vivos que
dispensava a criação divina. Mas é viável ser religioso e darwinista; basta
imaginar que Deus tenha engendrado as leis da seleção natural da mesma forma
que as da gravidade ou as da termodinâmica.
O maior abalo foi moral; a natureza
afável, bem-aventurada, próspera e harmoniosa dos românticos não existia. Desde
Malthus, talvez o autor que mais influenciou Darwin, o que irrompia era uma
natureza cruel, avara, na qual plantas e animais se reproduzem além dos meios
de subsistência, sobrevivendo no limiar da fome, forçados a uma luta implacável
uns contra outros. Uma hipótese científica, confirmada pela genética no século
20, dava materialidade à concepção de Hobbes segundo a qual, na natureza, a
vida é "solitária, miserável, sórdida, brutal e curta".
Claro que a natureza não é boa nem
má, somos nós que lhe atribuímos tais predicados imaginários. Ela é
perfeitamente amoral, admitindo uma só exceção à lei do mais forte, que é a
daquele capaz de iludir o mais forte por dissimulação. Alguns arranjos,
bastante raros e instáveis, configuram um toma lá dá cá que é a matriz da qual emergiram
todos os sistemas morais e jurídicos dos humanos.
O segundo abalo foi ocasionado pela
síntese científica entre darwinismo e genética no decorrer do século passado.
Brilhante historiador desse período, o naturalista inglês Richard Dawkins
concebeu uma metáfora aterradora ao imaginar que os seres vivos são como
autômatos, fantoches ou zumbis comandados por partículas alojadas em suas
células, os genes. Nós, "máquinas desajeitadas", nascemos e morremos,
mas os genes perduram; em certo sentido, como verdadeiras divindades, eles nos
"usam" na forma de veículo rumo à eternidade.
Ao adquirir
consciência dessa situação terrível, tudo o que os humanos fazem, quando
melhoram suas condições de vida e inventam propósitos fantasiosos para um mundo
sem sentido, implica uma revolta contra a natureza, uma insubordinação perante
as limitações que ela impõe, uma astúcia para superá-las. O homem é o ser que
reforma a si mesmo reformando a natureza. Por mais que desejemos e tenhamos de
entrar em concórdia com ela, o que define nossa espécie é esse antagonismo
essencial.