quinta-feira, 14 de julho de 2016

brexit à beira-mar: cidade mais pobre da Inglaterra optou por sair da União Europeia, Aliás




Como a votação expressiva pela saída da União Europeia no lugar mais pobre da Inglaterra ajuda a explicar a crescente adesão à direita radical no Reino Unido – em Jaywick Sands, onde 70% optaram por sair, desigualdade e despolitização da classe operária oferecem pistas para entender a maior ameaça ao projeto de integração entre nações



Taisa Sganzerla / JAYWICK SANDS, INGLATERRA,
O Estado de S.Paulo
02 Julho 2016 | 16h00

 

Na terça-feira que antecedeu a realização do plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, um pequeno alvoroço tomava conta da outrora pacata cidade litorânea de Clacton-on-Sea. Uma pequena multidão havia ido às ruas para receber Nigel Farage, presidente do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) e uma das mais proeminentes figuras da campanha pelo Brexit. De cima de um ônibus panorâmico, Farage discursava para um plateia entusiasmada: “Sei que passei a maior parte da campanha no Norte, nas áreas dos Trabalhistas, mas guardei o melhor para o final, e Clacton é o melhor!”, clamava. Dois dias depois, 70% da população do distrito de Tendring, do qual Clacton é a maior cidade, votariam pela saída da União Europeia.
As palavras de Farage não eram em vão. Clacton, a 138 km de Londres, com 55 mil habitantes, pode ser considerada uma das cidades mais entusiasmadas com o UKIP – tendo eleito um membro do partido para o Parlamento (Douglas Carwswell). Além disso, a região também é conhecida por uma pequena vila costeira, localizada nos arredores de Clacton, a Jaywick Sands. Ou o “lugar mais pobre da Inglaterra”.
Jaywick, onde vivem pouco mais de quatro mil pessoas, fica encravada entre uma bela praia de águas calmas e pântanos salubres. A área sofre com inundações frequentes e por isso há um muro protegendo a orla da areia da praia. Sem calçadas nas ruas, transeuntes disputam espaço com os carros. Esse lugar outrora esquecido virou alvo da imprensa nacional em 2010, quando um estudo do governo central a declarou a cidade mais pobre da Inglaterra – em 2015, na mesma pesquisa, repetiu o feito. Mais de 50% da população da cidade recebia algum tipo de seguro desemprego, segundo um levantamento de 2013 – a média nacional na época era de 11%. No bairro de Brooklands, onde a pobreza é mais visivelmente concentrada, não há um supermercado, restaurante ou pub. A única praça está tomada pelo mato.
Na manhã seguinte à divulgação do resultado, um senhor de cabelos brancos inclinava-se consternado à escrivaninha do pequeno escritório do Partido Trabalhista. “Acordei hoje sem acreditar no que estava vendo”, dizia. O aposentado Daniel Casey, de 71 anos, 45 deles filiados ao partido, liderou a campanha pela permanência na União Europeia, mesmo enfrentando resistência da população. “Fui ameaçado diversas vezes, me chamaram de vergonha para a bandeira.”
Casey é uma voz solitária na região e uma exceção em seu grupo etário: a maioria dos aposentados do Reino Unido votou pela saída. “É claro que já sabia que não tínhamos como ganhar maioria aqui. Mas perdemos em nossos redutos históricos.” Nascido em Londres, aposentou-se há 13 anos e, como fazem muitos dos seus conterrâneos, mudou-se para perto do mar. Consigo, trouxe o seu ativismo no partido e elegeu-se em 2010 ao conselho do distrito de Tendring representando Jaywick Sands. No ano passado, perdeu a cadeira para um candidato do UKIP.
Mas na empobrecida Jaywick, Casey pregou no deserto. “Fui crescendo e vendo as coisas morrerem ao meu redor”, diz Daniel Sloggett, 41, que se mudou com a família para Jaywick, quando tinha 10 anos. “Pubs, casas noturnas, restaurantes... Tudo foi fechando até não sobrar mais nada.” Danny, como é conhecido na vizinhança, nunca se formou em uma universidade e trabalha com construção – a sua casa, onde vive com a filha de 17 anos, foi ele próprio quem fez.
Assim como outras casas da vizinhança, um cartaz da campanha “Vote Leave” está pregado à porta. “Não entendo muito de política, mas quero ver quais são as chances da Inglaterra sem a Europa. Porque obviamente temos uma grande história. Ganhamos guerras, tínhamos colônias no mundo inteiro.” Com relação à imigração, Danny acha que “passou um pouco dos limites”. “Muitos vêm apenas para se aproveitar dos nossos benefícios, do NHS (Serviço Nacional de Saúde). E aí fica difícil para a gente que realmente precisa deles. Mesmo que eles precisem, acho que temos que dar prioridade a quem é daqui.”
Na manhã seguinte à votação do referendo, carros circulavam por Jaywick com bandeiras da Inglaterra presas às janelas. Nas portas das casas, adesivos já gastos pelo salitre com os dizeres “Vote Leave” ou “Grassroots Out” – as duas principais campanhas pelo Brexit. Alguns ostentavam pôsteres de Douglas Carwswell, o primeiro membro do Parlamento britânico eleito pelo UKIP. “É claro que estou feliz com o resultado”, diz o encanador Raymond Tearle, de 64 anos, 28 deles morador de Brooklands, enquanto tomava uma cerveja na frente de casa. “Imigração é o problema, né? Um imigrante chegando nesse país a cada dois segundos. Não tem como sustentar isso.”
Segundo Jackie Steers, coordenadora do Centro Comunitário de Jaywick, localizado em Brooklands, o problema de Jaywick é a falta de emprego. “O único tipo de emprego nessa área é sazonal, e olhe lá. A única chance de ganhar dinheiro é ir a Colchester ou Londres. Se você não tem carro, tem que contar diariamente com o ônibus até Clacton para pegar um trem, o que não é exatamente uma maravilha.” Ela mesma vive em Jaywick desde 1984 e reconhece que a cidade já viu tempos melhores. “Quando a gente vê filmes antigos, dos anos 60, é impressionante, as pessoas andavam arrumadas nas ruas. Era tudo mais organizado, não tinha lixo pelo chão.”
Na biblioteca local, a bibliotecária Jean Bonnet, de 79 anos, diz que vive com uma aposentadoria confortável, mas reclama da falta de emprego para os jovens. “Meu neto tem 19 anos, tirou uma licença para operar máquinas na construção civil, mas não tem construção nenhuma por aqui. Precisa ir a Colchester de trem todos os dias, e os locais de trabalho são sempre distantes da estação.” Ela também diz ter votado pela saída. “Foi para isso que meu marido lutou na guerra. Pela nossa independência.”
Avanço do UKIP. Fundado por um professor da Escola de Economia de Londres (LSE) no início dos anos 90, o UKIP nasceu com uma única agenda: a saída do Reino Unido da União Europeia. Se antes compreendia a si próprio como um mero grupo de pressão, condenado às beiradas da política institucional e só conseguindo votações expressivas nas eleições ao Parlamento Europeu, provou-se nos últimos 10 anos um desafio verdadeiro aos grandes partidos. Nas eleições gerais de 2015 conseguiu 12,8% dos votos – além da eleição de um parlamentar, que inaugurou a presença do partido em Westminster ?, contra apenas 3,2% em 2010 e 2,3% em 2005.
Mas o que explica o crescente sucesso do UKIP em lugares tão empobrecidos quanto Jaywick? Para o cientista político da Universidade de Manchester Robert Ford, autor, junto com Matthew Goodwin, do livro Revolt on the Right – explaining the support for the radical right in Britain (em tradução livre, “Revolta na direita – explicando a adesão à direita radical no Reino Unido”, Routledge, 2014), a chave está nas mudanças sociais pelas quais passaram o Reino Unido nos últimos 20 anos, que excluiu um grupo social do processo – notadamente aqueles que não foram à universidade. “Existe toda uma cadeia de valores que, hoje, está fortemente ligada a uma formação universitária. Visões progressistas quanto às liberdades civis, apoio à imigração, e uma visão de mundo mais cosmopolita. Enquanto quem não se formou numa universidade tende a não compartilhar desses valores.”
Para Ford, o processo de globalização que mudou o perfil da economia do Reino Unido nas últimas três décadas não beneficiou igualmente todos os grupos sociais, e o apoio à direita radical do UKIP está ligado a isso. Por exemplo, em 1964, quando o Partido Trabalhista venceu as eleições gerais sob a liderança de Harold Wilson, metade da força de trabalho do país estava empregada em posições colarinho azul (classe operária), 70% não tinham qualificações formais, 40% da força de trabalho participavam de algum sindicato e 30% viviam em moradias sociais.
Em 1997, quando Tony Blair foi eleito também com uma votação expressiva, sua vitória foi dada por um eleitorado bem diferente: apenas 30% exerciam profissões de colarinho azul, 50% não tinham qualificações formais, 14% viviam em moradias sociais e apenas 20% participavam de sindicatos – e na era Blair, o próprio perfil do movimento sindical no Reino Unido já havia mudado significativamente, com os exércitos de mineiros, maquinistas e ferreiros perdendo o protagonismo para professores, enfermeiras e outros servidores públicos da classe profissional.
“Aqueles sem educação formal têm sido barrados dos benefícios do progresso econômico. Eles não veem as possibilidades de emprego que possivelmente viam há 30 anos, quando tínhamos grandes indústrias de manufatura”, diz. Para ele, não quer dizer que os eleitores que votaram “Leave” façam um cálculo econômico específico, e sim que se trata de uma percepção geral, e isso inclui a questão da imigração. “Apesar de todo mundo dizer o tempo todo como a imigração é algo bom, essas pessoas não veem nenhum benefício tangível em suas vidas. O que eles veem são milhões de pessoas vindo para a Inglaterra em busca de uma vida melhor e sendo bem sucedidas nisso, enquanto não veem nenhuma melhora para si próprios.”
A semana que se seguiu à divulgação ao resultado, o Reino Unido parece ter sido jogado no caos. O primeiro ministro David Cameron renunciou ao cargo, a Escócia discute realizar um novo referendo pela independência do Reino Unido e até a reunificação da Irlanda voltou à pauta. Nas redes sociais, uma petição para a realização de um novo plebiscito chegou a mais de 2 milhões de assinaturas e travou o site do Parlamento. Nas ruas, protestos pró-permanência aconteceram de maneira espontânea em frente a Westminster. Mais de 100 casos de racismo foram reportados em todo o país – algo que acredita-se estar relacionado ao resultado do plebiscito. Em meio à turbulência, é o UKIP de Nigel Farage a força política que pode ter saído vitoriosa.
Uma nova Jaywick. No último ano, Jaywick finalmente recebeu um pouco de investimento, pela primeira vez em muito tempo. O conselho municipal destinou £ 5 milhões para asfaltar as ruas, que não eram reformadas desde os anos 50 – muitas ainda eram de terra. No ano passado, uma companhia de energia instalou, sem custos, um sistema de aquecimento moderno e mais barato em algumas casas, como parte de um projeto social.
Para Danny Sloggett, que nas horas vagas mantém um canal no YouTube registrando o cotidiano da comunidade e sonha com uma carreira na televisão, as pequenas melhoras e o voto pela saída fazem parte de uma narrativa só – inauguram um novo capítulo em sua vida. “Jaywick está melhorando. Conseguimos finalmente que asfaltassem as ruas. Vamos deixar a União Europeia. Estamos tomando o controle de volta das coisas. Daqui a uns anos, Jaywick pode voltar a ser o que já foi um dia.”

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Desigualdade: estudos sobre as famílias ricas mostram que os pobres são os mesmos de sempre. Por Mauro Donato



Postado em 13 Jul 2016
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No ano de 1427, a então pequena província de Florença elaborou um censo entre seus habitantes com a finalidade de cobrar impostos. Ali ficou registrado, além do nome, o que faziam, quanto ganhavam e qual o patrimônio dos moradores da cidade que já tinha dado ao mundo Dante Alighieri e ainda nos presentearia com Leonardo Da Vinci.
Recentemente aquele levantamento foi digitalizado e disponibilizado na internet. Foi então que dois economistas da Banca D’Italia (o Banco Central italiano), realizaram um estudo com base nas informações disponíveis cruzando-as com as declarações de renda de famílias remanescentes na cidade até 2011. Guglielmo Barone e Sauro Mocetti ficaram espantados. Num arco de seis séculos, mais precisamente após 584 anos, as famílias mais ricas em 1427 eram as mesmas em 2011. E ainda: os sobrenomes dos contribuintes mais pobres também não haviam mudado.
A tecnologia da digitalização permitiu não apenas fazer um comparativo sobre uma linha temporal longa, como colocou em dúvida alguns mitos sobre o capitalismo. No geral esses estudos cobrem 2 ou 3 gerações contíguas e podem dar uma sensação de alternância ou de migração de riqueza para outras mãos. Por vezes, um filho playboy mais rebelde e inconsequente termina mal e isso indicaria, numa medição precipitada, que haveria uma anulação na transmissão de bens e nas vantagens sociais e econômicas. Errado. A hereditariedade e os mecanismos de proteção das elites, quando analisados numa linha de tempo maior, comprovam uma estabilidade assombrosa.
Nas estatísticas, desde então a renda per capita em Florença foi multiplicada por doze, a população aumentou dez vezes e a cidade cresceu. É a maior cidade e também capital da Toscana. Em números frios, tudo melhorou, certo? Porém os mais ricos continuam sendo os mais ricos e os mais pobres permanecem ralando dia e noite para chegar lá, sem sucesso. Onde está a mobilidade social?
Os italianos não foram os únicos a constatarem essa realidade. Pesquisadores ingleses também já tinham feito um outro levantamento no qual ficou demonstrado que famílias da Inglaterra são ricas e poderosas há 28 gerações. Uma prova de que o 1% está no alto do pódio há mais de 800 anos.
O trabalho dos pesquisadores da terra da rainha abrangeu o período entre os anos de 1170 e 2012 e, além de analisarem os dados priorizando os sobrenomes das famílias, utilizaram informações sobre grau de escolaridade e instituições de ensino frequentadas. Daí vemos aquela confirmação daquilo que todos intuímos.
Gregory Clark e Neil Cummins revelaram que as famosas Oxford e Cambridge despontam entre as classes mais ricas e evidenciam uma seletividade obscena mesmo com o acesso livre durante um período. Os pesquisadores acreditavam que o apoio do Estado com o fornecimento de bolsas para o ingresso nas universidades iria ser traduzido em uma maior variedade de sobrenomes entre aqueles que nelas se formavam. “Não há nenhuma evidência disso. Os nomes da elite persistiram tão tenazmente a partir de 1950 como antes do incentivo. O status social é fortemente herdado”, afirmaram. Ou seja, de nada resolve abrir as portas do ensino universitário sem ter oferecido uma boa base.
“Essa correlação é inalterada ao longo dos séculos. Ainda mais notável é a falta de um sinal de qualquer declínio na persistência de status social durante os períodos de mudanças institucionais como a Revolução Industrial do século XVIII, a disseminação da escolarização universal no final do século XIX, ou a ascensão do estado social-democrata no século XX. A mobilidade social na Inglaterra em 2012 foi pouco maior do que no tempo pré-industrial”, cravou Neil Cummins, da London School of Economics.
Thomas Piketty, em seu “O capital no século XXI”, sustenta que a concentração de renda vem aumentando os índices de desigualdade. Os estudos dos economistas italianos e ingleses não afirmam isso mas ratificam o livro do francês. Se o topo da sociedade é habitado pelos mesmos há séculos, se a correlação entre sobrenomes e status social não se altera nunca, é lógico supor que a propensão é por um maior distanciamento entre as camadas.
O que esses estudos dizem com todas as letras (e números) é que os ricos se mantém ricos ao longo de séculos sem muitas dificuldades. E que o capitalismo que sugere ser dinâmico, meritocrático, justo, etc e tal, não passa de propaganda enganosa. No longo prazo, pouca coisa muda. É culpa exclusiva do sistema então? Não, até porque concentração de renda é ruim para o próprio capitalismo. O dinheiro não circula, está sempre as mãos dos mesmos. Mas sem uma preocupação social de base, que realmente dê oportunidades iguais a todos, teremos que continuar a responder à pergunta “Qual a possibilidade de um jovem mudar seu destino em relação a suas origens?” com um desanimador “Praticamente nenhuma”.
O Brasil tem uma história recente (italianos e ingleses fizeram levantamentos desde um período em que Cabral nem haviam chegado por aqui), não temos portanto nenhum estudo que passe perto disso. Mas se puxarmos as listas da publicação Forbes, é possível constatar que não fugiremos da regra. O primeiro ranking da revista, feito em 1987, contava com apenas três brasileiros: Roberto Marinho, Sebastião Camargo e Antonio Ermírio de Moraes. Vinte e sete anos depois, em 2014, já eram 65 os bilionários brasileiros na lista e lá continuavam os Marinho, os Camargo e os Moraes. Com um detalhe que confirma as pesquisas de Mocetti, Barone, Clark e Cummins: dos 65 brasileiros, 25 eram parentes.
Este ano, a Forbes aponta uma redução do número de bilionários verdes-e-amarelos. São 31 mas… tcharam! Lá estão nosso amigos de sempre em companhia de nomes que sabemos irão se perpetuar e facilmente identificados em levantamentos recentes: Safra, Moreira Salles e por aí vai.
O filho de Michel Temer já possui um patrimônio de R$ 2 milhões em imóveis. Michelzinho tem 7 anos de idade. O que ele fez para isso? Nada, nasceu. Essa é a forma mais eficiente de ficar rico.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Promotor aponta ‘descalabros administrativos’ e ‘trens fantasmas’ na linha Lilás do Metrô/SP


Na ação em que pede condenação de secretário de Alckmin e de cinco ex-presidentes da companhia por suposta improbidade, Marcelo Milani cita diário espanhol e afirma que população paulistana 'vive um terror'
Fausto Macedo, Julia Affonso e Mateus Coutinho
13 Julho 2016 | 05h05
Vagão da Linha 5-Lilás do Metrô. FOTO: SERGIO CASTRO/ESTADÃO
Vagão da Linha 5-Lilás do Metrô. FOTO: SERGIO CASTRO/ESTADÃO
Na ação em que pede a condenação do secretário dos Transportes Metropolitanos do governo Alckmin e de outros oito investigados – entre eles cinco ex-presidentes do Metrô de São Paulo e o atual também -, por suposta improbidade na compra de 26 trens para a Linha 5 Lilás ao preço de R$ 615 milhões, em 2011, o promotor de Justiça Marcelo Milani crava a ocorrência de ‘descalabros administrativos’.
Fazendo referência ao jornal espanhol El País, o promotor chama de ‘trens fantasmas’ as composições adquiridas pelo Tesouro paulista há seis anos – o diário publicou reportagem em março de 2016 informando que das 26 composições, 16 já foram entregues e estão estacionadas no Pátio Capão Redondo, zona Sul da Capital. “Sem utilidade prática no cotidiano da população, por enquanto são verdadeiros trens fantasmas”, segundo El País.
“Essa desastrada e ilegal maneira de gerir o dinheiro público gerou até uma expressão: ‘os trens fantasmas do Metrô’.”, destacou o promotor.
Na avaliação de Milani, que integra os quadros da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público – braço do Ministério Público que combate corrupção e improbidade – os alvos da ação ‘podiam agir para modificar a situação e deliberadamente nada fizeram’.
Milani acusa o secretário Clodoaldo Pelissioni (Transportes Metropolitanos) e, ainda, Jurandir Fernandes (ex-secretário), além dos ex-mandatários do Metrô e do atual, Paulo Menezes Figueiredo. O promotor atribui a todos responsabilidade pelo suposto ‘abandono’ dos trens e cobra, judicialmente, ressarcimento de R$ 799 milhões.
“Os descalabros administrativos marcam a construção da linha 5”, afirma o promotor. “Tanto na qualidade de Secretário de Estado e de presidentes e funcionários da companhia, agiram de forma livre e consciente em todos os atos que praticaram e também nas oportunidades em que deveriam, mas propositadamente não observaram os mandamentos constitucionais e as disposições legais”, escreveu Milani na ação distribuída no Fórum da Fazenda Pública da Capital.
“Mantiveram-se inertes mesmo sabendo e tendo consciência do descalabro administrativo, demonstrando total falta de capacidade de planejamento e gestão. Tratam-se de pessoas experientes e que há bastante tempo figuravam no quadro de empregados do Metrô”, acentua o promotor.
A compra dos trens foi realizada para equipar a linha 5 – Lilás do Metrô, que ligará o extremo da zona sul de São Paulo a outras linhas, 1- Azul, e também a 2 -Verde.
O ponto central da demanda, segundo o promotor, é a definição da bitola dos trens- ‘largura determinada pela distância medida entre as faces interiores das cabeças de dois trilhos em uma via férrea’.
“Atentaram contra os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, finalidade, motivação, do interesse público, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, em manifesta afronta ao artigo 37 da Constituição, assim como ao artigo 1.º da Lei Complementar 101/2000”, assinala o promotor de Justiça. “Causaram danos ao erário público. Também infringiram os princípios da legalidade, da eficiência, da publicidade e do interesse público. Patente, assim, que os demandados praticaram ato de improbidade administrativa tipificado no artigo 11, caput, da Lei 8.429/92.”
O promotor afirma que os alvos da ação deliberadamente assumiram ‘o risco de produzir o prejuízo, assinaram o trato mesmo sabendo que o mesmo causaria prejuízo da companhia’.
Segundo MIlani, os fatos ‘não acarretaram somente danos de natureza patrimonial, mas dano moral’.
“Deles (dos fatos) decorreu, também, um dano difuso, abstrato, correspondente à grave ofensa à moralidade da Administração Pública e à dignidade do povo de São Paulo, agora ampliada em face da divulgação desses e de outros fatos similares. Não resta dúvida de que a população de São Paulo vive um terror e um total descrédito. A gestão do Metrô tornou-se caótica, eis que a notícia mais comum é que ocorreu mais um adiamento na entrega das obras, apontando que a linha 5- Lilás já dura dezoito anos.”
Ainda segundo a ação. “A população é vítima do descaso, sendo manipulados como verdadeiros joguetes dos administradores. Especial atenção ganha a compra de 26 trens para serem utilizados na linha 5, eis que os mesmos foram adquiridos antes do início das obras de expansão, eis que o contrato para a fabricação das composições foi assinado em 12 de julho de 2011 e a expansão que estava paralisada há sete meses, foi retomada em 23 de julho de 2011.”
COM A PALAVRA, O METRÔ
Na segunda-feira, 11, quando o promotor de Justiça Marcelo Milani divulgou os detalhes da ação por improbidade, o Metrô, por meio do Departamento de Imprensa, rechaçou enfaticamente as acusações sobre a compra dos 26 trens.
Segundo o Metrô, a ação proposta pelo Ministério Público ‘contém uma série de equívocos’
“O Metrô de São Paulo, como sempre fez, prestará todos os esclarecimentos ao Ministério Público. Embora não tenha conhecimento oficial, o Metrô informa que a ação proposta pelo Ministério Público contém uma série de equívocos:
1) Não é verdade que os trens estejam parados. Os 26 novos trens adquiridos para a expansão de 11, 5 km da Linha 5 estão sendo entregues e passam por testes, verificações e protocolos de desempenho e de segurança;
2) Dos dezessete trens entregues, 8 já estão aptos a operar a partir de setembro no trecho de 9,3 km entre as estações Capão Redondo e Adolfo Pinheiro;
3) A bitola da Linha 5 não é diferente em trechos da linha. A Linha 5 terá a mesma bitola em toda a sua extensão, da primeira à última estação;
4) O Metrô não tem gastos extras com a manutenção desses novos trens;
5) O Metrô não arcar com nenhum custo de aluguel para estacionamento destes trens;
6) O prazo de garantia só começará a valer após o início de operação de cada composição, conforme previsto em contrato;
7) A expansão da Linha 5 é um empreendimento que incluiu os projetos, as obras civis e a implantação de sistemas, a implantação de um moderno sistema de sinalização em todo o trecho e a aquisição de novos trens para transporte da nova demanda de usuários;
8) Todas essas ações foram executadas dentro de um detalhado cronograma, para que as etapas estivessem concluídas até a inauguração do novo ramal, a partir de 2017, beneficiando mais de 780 mil usuários por dia.
Todas estas informações já foram encaminhadas reiteradas vezes ao Ministério Público de São Paulo, que as desconsiderou para a abertura do inquérito.”

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