domingo, 10 de julho de 2016

Análise: Projetos são tentativa de instituir controle ideológico repressivo - JOSÉ DE SOUZA MARTINS, OESP


ESTADÃO - 10/07

Os vários projetos e propostas de cunho religioso ou político-ideológico que vêm sendo apresentados no sentido de interferir nos rumos da educação pública de crianças e adolescentes violam a Constituição brasileira e nossa tradição de Estado laico e democrático. Já antes da Constituição de 1891, o novo Estado republicano promoveu a separação entre Estado e Igreja, rompendo com a tradição de uma Igreja Católica oficial, com bispos e padres funcionários públicos, e, portanto, com a tradição de uma religião do Estado.

Por extensão, a inovação republicana estabeleceu as bases da própria educação nacional e do projeto de nação que deveria orientar a formação das novas gerações de brasileiros. Uma educação aberta para a pluralidade de ideias e de convicções e até mesmo, como consequência, a liberdade de convicção religiosa e política das famílias quanto à formação dos filhos.

A família foi devidamente protegida como instituição de formação complementar dos imaturos, sobretudo considerando que a escola pública, entre nós, não é um internato de natureza conventual. No Brasil, as crianças e adolescentes não são sequestrados pelo Estado para confinamento na escola pública e, portanto, não há mutilação da educação de família.

As tentativas atuais de tornar obrigatório o ensino de doutrinas de fundo religioso, como a do criacionismo, ou as de tornarem a escola pública uma instituição tutelada pela família, ou mesmo as violações representadas pela transformação das salas de aula em escolas ideológicas e partidárias, representam uma ruptura de princípios e valores que foram convencionados na origem do nosso regime republicano e consagrados em mais de um século de tradição.

Essas iniciativas representam uma agressão ao bem comum e tentativa de grupos sociais restritos de instituírem mecanismos repressivos de controle ideológico ou religioso sobre a formação das novas gerações de todos os brasileiros. Tão ilegais são que os projetos deveriam ser barrados já na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O que está em jogo nessas propostas é a imposição de concepção totalitária de educação em conflito aberto com os princípios da democracia e da liberdade de consciência.

* É SOCIÓLOGO E PROFESSOR EMÉRITO DA USP

Renegociação com os Estados – SAMUEL PESSOA, FSP


Folha de S. Paulo - 10/07

A área econômica do governo acaba de enviar ao Congresso Nacional o texto do projeto de lei complementar (PLC) que estabelece os termos nos quais se dará a renegociação das dívidas dos governos estaduais com a União.

Desde a renegociação no governo Fernando Henrique Cardoso, os Estados comprometem parte de sua receita corrente líquida, até o limite de 13%, com pagamentos do serviço e da amortização da dívida com o Tesouro Nacional.

A penúria dos Tesouros estaduais em razão da crise econômica, associada à verdadeira farra fiscal que ocorreu no setor público brasileiro no primeiro mandato de Dilma, criou situações-limite em que os Estados não conseguem pagar a folha salarial.

Os Estados, diferentemente da União, não conseguem tomar emprestado para pagar suas contas em período de forte queda de receita.

A renegociação permite que os Estados nada paguem, até dezembro de 2016, de suas parcelas devidas (com um teto que atinge São Paulo). A partir de janeiro de 2017, e até junho de 2018, passam a pagar parcelas crescentes de suas obrigações com o Tesouro, iniciando com 5,3% em janeiro de 2017 e indo até 94,7% em junho de 2018.

A parcela não paga será incorporada à dívida e paga no futuro. Os Estados terão 20 anos a mais para pagar seus débitos com a União, e, a partir da renegociação, os juros que incidirão sobre o saldo devedor serão de inflação mais 4% ao ano ou Selic, o que for menor.

Como contrapartida, os Estados, por 24 meses, "não poderão conceder vantagens, aumento ou adequação de remuneração" e terão de "limitar o crescimento das despesas primárias correntes".

Adicionalmente o PLC tapa diversos buracos que foram sendo feitos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nos últimos anos.

O principal buraco eliminado é precisar o conceito de gasto com pessoal. Os Estados não podem gastar mais do que 60% de receita corrente líquida com pessoal. Ao longo dos anos, os governadores encontraram várias maneiras de contornar esse dispositivo. Passaram a desconsiderar como gasto com pessoal a conta dos aposentados e pensionistas, o IR e as despesas com indenizações e auxílios.

Adicionalmente, houve casos em que parte da despesa com pessoal era pedalada para o ano seguinte e paga na rubrica "despesas de exercícios anteriores", saindo da rubrica "gasto com pessoal". A criatividade dos secretários da Fazenda, com o beneplácito dos Tribunais de Contas estaduais, foi impressionante.

Além de tapar esses e outros buracos da LRF, o PLC padroniza a confecção e a divulgação das informações contábeis dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, o que melhorará muito o controle social sobre as contas públicas.

O PLC é importante instrumento de aprimoramento de nossas instituições fiscais.

Evidentemente, o PLC não esgota a agenda fiscal dos Estados. É necessário criar instrumentos para que os Estados em momento de crise possam reduzir gastos com salários. Por exemplo, constitucionalizar o dispositivo que permite aos governos reduzir salários em troca de redução de jornada.

Adicionalmente, é preciso rever o instituto das aposentadorias especiais com 25 anos de trabalho de diversas carreiras do serviço público estadual. Uma pessoa que inicie na carreira aos 20 anos se aposenta com 45! Não há Tesouro que aguente.

Temer, otimismo e impostos - VINICIUS TORRES FREIRE


domingo, julho 10, 2016


FOLHA DE SP - 10/07

Poupa atenção se prestou à previsão que o governo fez a respeito de equilibrar suas contas em 2019. Mas está lá: deficit primário zero em 2019.

Parece tão longe. O primeiro ano de um outro governo de que não temos ideia o que será. Um ano depois da próxima Copa. Tanta coisa pode acontecer até 2019.

Pelo menos o governo de Michel Temer parece esperar que muito aconteça. A fim de zerar o deficit, deve contar com um crescimento forte da economia, que provocaria um aumento ainda maior da receita de impostos. Ou então espera que possa passar um grande aumento de impostos em 2018. Em ano de eleição?

Trata-se aqui do deficit primário: receita menos despesa, desconsiderados gastos com juros. Ainda assim. O deficit deste ano deve chegar a 2,7% do PIB (R$ 170 bilhões). Em 2017, se as coisas forem bem, desce a 2,1% do PIB (R$ 139 bilhões), segundo a meta definida na quinta-feira (7).

Em uma projeção discreta do Ministério do Planejamento, aparecia na sexta-feira (8) um deficit de 1,1% em 2018 e de nada em 2019.

Porém, contas feitas a partir das estimativas mais otimistas de crescimento do PIB e que chutem um aumento da receita de impostos no mesmo ritmo da economia indicam deficit primário zero apenas em 2021. Isso supondo que o teto de despesas esteja em vigor.

Para satisfazer à projeção de deficit zero do governo, a receita teria de crescer quase 5 pontos percentuais além do PIB em 2018 e outros 2,4 pontos além do PIB em 2019. Quer dizer, desde que o crescimento médio do PIB seja então de muito bons 3,5% ao ano.

Não é impossível, mas é muito otimista. Para tanto, a arrecadação do governo teria de voltar em 2019 ao que era em abril de 2014, quando começou a recessão (a receita líquida era então de 18,8% do PIB. Ao final de 2017, na projeção do governo, deve cair a 17,4% do PIB, na melhor das hipóteses).

Previsões para o PIB começam a ficar ruins, falhas, depois de uns seis meses, que dirá depois de dois anos. Qual o sentido dessa especulação, então? Entender a especulação do governo, que não foi explicitada.

Acredita-se numa recuperação "natural" da receita, a volta para o passado, ao imediato pré-recessão? Ou projetam-se um aumento grande de impostos e o fim das desonerações de impostos para empresas? Em 2017? 2018?

O debate não se limita às lonjuras de 2018 ou 2019. Ao apresentar a meta de 2017, o governo disse que ainda precisa arrumar R$ 55,4 bilhões para fechar a conta. Disse que metade disso viria de um aumento de arrecadação devido à recuperação econômica.

Para começar, é uma ressalva esquisita: por que essa receita extra devida à volta de algum crescimento econômico não está na estimativa básica de arrecadação? Para continuar: o governo terá de vender as calças para conseguir a outra metade da receita que falta, dinheiro que viria de privatizações etc.

Como último recurso, se não vier aumento "natural" de arrecadação ou bastante dinheiro de privatizações, aumentam-se impostos.

FÉRIAS