domingo, 10 de julho de 2016

Renegociação com os Estados – SAMUEL PESSOA, FSP


Folha de S. Paulo - 10/07

A área econômica do governo acaba de enviar ao Congresso Nacional o texto do projeto de lei complementar (PLC) que estabelece os termos nos quais se dará a renegociação das dívidas dos governos estaduais com a União.

Desde a renegociação no governo Fernando Henrique Cardoso, os Estados comprometem parte de sua receita corrente líquida, até o limite de 13%, com pagamentos do serviço e da amortização da dívida com o Tesouro Nacional.

A penúria dos Tesouros estaduais em razão da crise econômica, associada à verdadeira farra fiscal que ocorreu no setor público brasileiro no primeiro mandato de Dilma, criou situações-limite em que os Estados não conseguem pagar a folha salarial.

Os Estados, diferentemente da União, não conseguem tomar emprestado para pagar suas contas em período de forte queda de receita.

A renegociação permite que os Estados nada paguem, até dezembro de 2016, de suas parcelas devidas (com um teto que atinge São Paulo). A partir de janeiro de 2017, e até junho de 2018, passam a pagar parcelas crescentes de suas obrigações com o Tesouro, iniciando com 5,3% em janeiro de 2017 e indo até 94,7% em junho de 2018.

A parcela não paga será incorporada à dívida e paga no futuro. Os Estados terão 20 anos a mais para pagar seus débitos com a União, e, a partir da renegociação, os juros que incidirão sobre o saldo devedor serão de inflação mais 4% ao ano ou Selic, o que for menor.

Como contrapartida, os Estados, por 24 meses, "não poderão conceder vantagens, aumento ou adequação de remuneração" e terão de "limitar o crescimento das despesas primárias correntes".

Adicionalmente o PLC tapa diversos buracos que foram sendo feitos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nos últimos anos.

O principal buraco eliminado é precisar o conceito de gasto com pessoal. Os Estados não podem gastar mais do que 60% de receita corrente líquida com pessoal. Ao longo dos anos, os governadores encontraram várias maneiras de contornar esse dispositivo. Passaram a desconsiderar como gasto com pessoal a conta dos aposentados e pensionistas, o IR e as despesas com indenizações e auxílios.

Adicionalmente, houve casos em que parte da despesa com pessoal era pedalada para o ano seguinte e paga na rubrica "despesas de exercícios anteriores", saindo da rubrica "gasto com pessoal". A criatividade dos secretários da Fazenda, com o beneplácito dos Tribunais de Contas estaduais, foi impressionante.

Além de tapar esses e outros buracos da LRF, o PLC padroniza a confecção e a divulgação das informações contábeis dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, o que melhorará muito o controle social sobre as contas públicas.

O PLC é importante instrumento de aprimoramento de nossas instituições fiscais.

Evidentemente, o PLC não esgota a agenda fiscal dos Estados. É necessário criar instrumentos para que os Estados em momento de crise possam reduzir gastos com salários. Por exemplo, constitucionalizar o dispositivo que permite aos governos reduzir salários em troca de redução de jornada.

Adicionalmente, é preciso rever o instituto das aposentadorias especiais com 25 anos de trabalho de diversas carreiras do serviço público estadual. Uma pessoa que inicie na carreira aos 20 anos se aposenta com 45! Não há Tesouro que aguente.

Temer, otimismo e impostos - VINICIUS TORRES FREIRE


domingo, julho 10, 2016


FOLHA DE SP - 10/07

Poupa atenção se prestou à previsão que o governo fez a respeito de equilibrar suas contas em 2019. Mas está lá: deficit primário zero em 2019.

Parece tão longe. O primeiro ano de um outro governo de que não temos ideia o que será. Um ano depois da próxima Copa. Tanta coisa pode acontecer até 2019.

Pelo menos o governo de Michel Temer parece esperar que muito aconteça. A fim de zerar o deficit, deve contar com um crescimento forte da economia, que provocaria um aumento ainda maior da receita de impostos. Ou então espera que possa passar um grande aumento de impostos em 2018. Em ano de eleição?

Trata-se aqui do deficit primário: receita menos despesa, desconsiderados gastos com juros. Ainda assim. O deficit deste ano deve chegar a 2,7% do PIB (R$ 170 bilhões). Em 2017, se as coisas forem bem, desce a 2,1% do PIB (R$ 139 bilhões), segundo a meta definida na quinta-feira (7).

Em uma projeção discreta do Ministério do Planejamento, aparecia na sexta-feira (8) um deficit de 1,1% em 2018 e de nada em 2019.

Porém, contas feitas a partir das estimativas mais otimistas de crescimento do PIB e que chutem um aumento da receita de impostos no mesmo ritmo da economia indicam deficit primário zero apenas em 2021. Isso supondo que o teto de despesas esteja em vigor.

Para satisfazer à projeção de deficit zero do governo, a receita teria de crescer quase 5 pontos percentuais além do PIB em 2018 e outros 2,4 pontos além do PIB em 2019. Quer dizer, desde que o crescimento médio do PIB seja então de muito bons 3,5% ao ano.

Não é impossível, mas é muito otimista. Para tanto, a arrecadação do governo teria de voltar em 2019 ao que era em abril de 2014, quando começou a recessão (a receita líquida era então de 18,8% do PIB. Ao final de 2017, na projeção do governo, deve cair a 17,4% do PIB, na melhor das hipóteses).

Previsões para o PIB começam a ficar ruins, falhas, depois de uns seis meses, que dirá depois de dois anos. Qual o sentido dessa especulação, então? Entender a especulação do governo, que não foi explicitada.

Acredita-se numa recuperação "natural" da receita, a volta para o passado, ao imediato pré-recessão? Ou projetam-se um aumento grande de impostos e o fim das desonerações de impostos para empresas? Em 2017? 2018?

O debate não se limita às lonjuras de 2018 ou 2019. Ao apresentar a meta de 2017, o governo disse que ainda precisa arrumar R$ 55,4 bilhões para fechar a conta. Disse que metade disso viria de um aumento de arrecadação devido à recuperação econômica.

Para começar, é uma ressalva esquisita: por que essa receita extra devida à volta de algum crescimento econômico não está na estimativa básica de arrecadação? Para continuar: o governo terá de vender as calças para conseguir a outra metade da receita que falta, dinheiro que viria de privatizações etc.

Como último recurso, se não vier aumento "natural" de arrecadação ou bastante dinheiro de privatizações, aumentam-se impostos.

FÉRIAS

Petróleo e geopolítica, por Lourival Sant'Anna,. Oesp









A queda no preço do petróleo aumentou a dependência do mundo em relação ao Oriente Médio, região capaz de produzi-lo a um preço mais baixo do que, por exemplo, os Estados Unidos, o Canadá e o Brasil. Em entrevista ao jornal Financial Times, o diretor executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), o economista turco Fatih Birol, revelou que a fatia de petróleo produzido no mundo proveniente do Oriente Médio atingiu 34%, o seu nível mais alto desde 1975, quando era 36%. Com isso, a região volta a ser a principal fonte de petróleo no mundo. E, exatamente porque está barato, o consumo mundial está aumentando.





Essa dependência aumenta a influência política de países como a Arábia Saudita — centro de propagação da seita wahabita, versão radical do Islã que inspira os grupos terroristas sunitas Estado Islâmico, Al-Qaeda, Taleban e Boko Haram, por exemplo. O petróleo barato assegura mercado também para o Irã, rival da Arábia Saudita, patrocinador de grupos como o Hamas e o Hezbollah e que, junto com a Rússia, cujas aventuras militares também são pagas pelo petróleo e o gás, responde pela sobrevida da ditadura sangrenta na Síria. O Irã está voltando ao seu patamar de produção e exportação, com o acordo nuclear que pôs fim às sanções, em janeiro.
Foto: Sergei Karpukhin|Reuters
Petróleo
O petróleo barato assegura mercado para o Irã, rival da Arábia Saudita, patrocinador de grupos como o Hamas e o Hezbollah
Há uma década, o petróleo acima de US$ 100 o barril, embalado pela guerra no Iraque, crise nuclear iraniana e pelo aquecimento da China, encorajou os EUA a duplicar sua produção, investindo na exploração das reservas de xisto. A euforia levou o então presidente Lula a relegar o etanol e do biodiesel e a investir no pré-sal. Um novo marco regulatório impôs a participação da Petrobrás em todos os contratos, com no mínimo 30% dos investimentos, e o governo criou a Sete Brasil, empresa de economia mista, para fornecer as sondas para a exploração dos novos campos. Hoje se sabe que esse arranjo serviu para comprar apoio do governo no Congresso, por meio de uma monumental transferência de riquezas públicas para mãos privadas. Na Venezuela, apesar do sucatamento da estatal PDVSA, o petróleo caro sustentou a popularidade interna de Hugo Chávez, por meio de programas assistenciais, e seu protagonismo regional, ao financiar, com dinheiro e petróleo, a Argentina, Bolívia, Cuba e Nicarágua. 
A desaceleração da China e da Europa, a retirada das tropas americanas do Iraque, o acordo nuclear iraniano e o aumento da produção pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderada pela Arábia Saudita, puxaram o barril para menos de US$ 50. Ao inundar o mercado, a Opep colocou o interesse estratégico acima dos benefícios econômicos imediatos. O aumento da oferta contribuiu para o barateamento de seu produto, mas também expulsou os concorrentes do mercado. Um efeito colateral foi o desmonte do sistema chavista na Venezuela, que, embora membro da Opep, e detentora das maiores reservas de petróleo do mundo, não é capaz de aumentar a produção nem de extraí-lo a preços competitivos. Paralelamente, a queda dos preços das outras commodities também levou à implosão do populismo na Argentina, por meio da eleição presidencial de dezembro, e do Brasil, via impeachment. Agora, os novos governos brasileiro e argentino tentam evitar que a Venezuela, trazida para o Mercosul no calor da euforia populista, assuma a presidência do bloco, com seu caos econômico e político, e sem cumprir suas cláusulas comerciais e democráticas. É um problema do qual o Mercosul não precisava, enquanto, atrasado em relação ao restante do mundo na integração comercial, negocia em posição de fragilidade um difícil acordo com a União Europeia.
Seja quando está caro ou quando está barato, o petróleo tem enorme influência na política interna dos países e na relação entre eles. Em 1973, os EUA trataram como blefe a ameaça saudita de liderar um boicote dos produtores árabes no fornecimento de petróleo em razão do apoio americano a Israel. O raciocínio foi o de que os árabes dependiam da venda do produto tanto quanto os americanos dependiam do consumo. O boicote quadruplicou o preço do barril e levou a uma crise mundial. Na época, o Brasil respondeu com o desenvolvimento do Pró-Álcool, que livrou metade de sua frota da dependência dos derivados de petróleo. As condições climáticas do Brasil lhe proporcionam uma bênção chamada cana-de-açúcar — a planta que armazena energia abundante e fácil de extrair em todo o seu caule, ao contrário do milho, por exemplo, a fonte de etanol dos EUA, cuja energia está concentrada no caroço. Com os carros flex, etanol e petróleo atingem um equilíbrio pelas leis do mercado. Essa e outras alternativas ao petróleo, como o transporte coletivo por trilhos alimentados pela eletricidade, precisam ser apresentadas ao mundo como uma múltipla mensagem, de respeito ao meio ambiente, geração de empregos, inovação e, em última análise, pela democracia.

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