A queda no preço do petróleo aumentou a dependência do mundo em relação ao Oriente Médio, região capaz de produzi-lo a um preço mais baixo do que, por exemplo, os Estados Unidos, o Canadá e o Brasil. Em entrevista ao jornal Financial Times, o diretor executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), o economista turco Fatih Birol, revelou que a fatia de petróleo produzido no mundo proveniente do Oriente Médio atingiu 34%, o seu nível mais alto desde 1975, quando era 36%. Com isso, a região volta a ser a principal fonte de petróleo no mundo. E, exatamente porque está barato, o consumo mundial está aumentando.
Essa dependência aumenta a influência política de países como a Arábia Saudita — centro de propagação da seita wahabita, versão radical do Islã que inspira os grupos terroristas sunitas Estado Islâmico, Al-Qaeda, Taleban e Boko Haram, por exemplo. O petróleo barato assegura mercado também para o Irã, rival da Arábia Saudita, patrocinador de grupos como o Hamas e o Hezbollah e que, junto com a Rússia, cujas aventuras militares também são pagas pelo petróleo e o gás, responde pela sobrevida da ditadura sangrenta na Síria. O Irã está voltando ao seu patamar de produção e exportação, com o acordo nuclear que pôs fim às sanções, em janeiro.
Há uma década, o petróleo acima de US$ 100 o barril, embalado pela guerra no Iraque, crise nuclear iraniana e pelo aquecimento da China, encorajou os EUA a duplicar sua produção, investindo na exploração das reservas de xisto. A euforia levou o então presidente Lula a relegar o etanol e do biodiesel e a investir no pré-sal. Um novo marco regulatório impôs a participação da Petrobrás em todos os contratos, com no mínimo 30% dos investimentos, e o governo criou a Sete Brasil, empresa de economia mista, para fornecer as sondas para a exploração dos novos campos. Hoje se sabe que esse arranjo serviu para comprar apoio do governo no Congresso, por meio de uma monumental transferência de riquezas públicas para mãos privadas. Na Venezuela, apesar do sucatamento da estatal PDVSA, o petróleo caro sustentou a popularidade interna de Hugo Chávez, por meio de programas assistenciais, e seu protagonismo regional, ao financiar, com dinheiro e petróleo, a Argentina, Bolívia, Cuba e Nicarágua.
A desaceleração da China e da Europa, a retirada das tropas americanas do Iraque, o acordo nuclear iraniano e o aumento da produção pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderada pela Arábia Saudita, puxaram o barril para menos de US$ 50. Ao inundar o mercado, a Opep colocou o interesse estratégico acima dos benefícios econômicos imediatos. O aumento da oferta contribuiu para o barateamento de seu produto, mas também expulsou os concorrentes do mercado. Um efeito colateral foi o desmonte do sistema chavista na Venezuela, que, embora membro da Opep, e detentora das maiores reservas de petróleo do mundo, não é capaz de aumentar a produção nem de extraí-lo a preços competitivos. Paralelamente, a queda dos preços das outras commodities também levou à implosão do populismo na Argentina, por meio da eleição presidencial de dezembro, e do Brasil, via impeachment. Agora, os novos governos brasileiro e argentino tentam evitar que a Venezuela, trazida para o Mercosul no calor da euforia populista, assuma a presidência do bloco, com seu caos econômico e político, e sem cumprir suas cláusulas comerciais e democráticas. É um problema do qual o Mercosul não precisava, enquanto, atrasado em relação ao restante do mundo na integração comercial, negocia em posição de fragilidade um difícil acordo com a União Europeia.
Seja quando está caro ou quando está barato, o petróleo tem enorme influência na política interna dos países e na relação entre eles. Em 1973, os EUA trataram como blefe a ameaça saudita de liderar um boicote dos produtores árabes no fornecimento de petróleo em razão do apoio americano a Israel. O raciocínio foi o de que os árabes dependiam da venda do produto tanto quanto os americanos dependiam do consumo. O boicote quadruplicou o preço do barril e levou a uma crise mundial. Na época, o Brasil respondeu com o desenvolvimento do Pró-Álcool, que livrou metade de sua frota da dependência dos derivados de petróleo. As condições climáticas do Brasil lhe proporcionam uma bênção chamada cana-de-açúcar — a planta que armazena energia abundante e fácil de extrair em todo o seu caule, ao contrário do milho, por exemplo, a fonte de etanol dos EUA, cuja energia está concentrada no caroço. Com os carros flex, etanol e petróleo atingem um equilíbrio pelas leis do mercado. Essa e outras alternativas ao petróleo, como o transporte coletivo por trilhos alimentados pela eletricidade, precisam ser apresentadas ao mundo como uma múltipla mensagem, de respeito ao meio ambiente, geração de empregos, inovação e, em última análise, pela democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário