segunda-feira, 2 de maio de 2016

Funcionalismo inchado e caro - EDITORIAL O ESTADAO


O ESTADO DE S.PAULO - 01.05

O governo Dilma Rousseff bateu mais um recorde. Em 2015, o peso das despesas com o pagamento dos servidores públicos federais foi o maior em 17 anos. Segundo dados do Ministério do Planejamento, o governo gastou 39,2% de suas receitas com a folha de pagamento do funcionalismo federal. Ainda que o porcentual não ultrapasse os limites legais – desde o ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que o governo só possa gastar até 50% de suas receitas correntes líquidas com a folha de pagamento –, trata-se de mais um dado a confirmar a triste situação das finanças públicas do governo federal.

Na série histórica sobre a relação entre despesas com pessoal e receitas, o maior porcentual foi verificado em 1995, quando 54,5% das receitas eram usadas com gastos de pessoal. Depois, o menor nível ocorreu em 2005, quando 27,3% das receitas foram usadas para pagar funcionários públicos.

De acordo com o Ministério do Planejamento, até novembro de 2015 o governo federal tinha nos Três Poderes 2,19 milhões de pessoas em sua folha. Desse total, 55,3% estão na ativa, 26% são aposentados e 18,7%, pensionistas. O total da folha de pagamento em 2015 foi de R$ 255,3 bilhões, dos quais R$ 151,7 bilhões foram destinados ao pagamento de salários, R$ 66,2 bilhões a aposentadorias e R$ 37,3 bilhões a pensões.

O aumento do peso econômico do funcionalismo para o País pode também ser observado na proporção entre despesas com a folha e o Produto Interno Bruto (PIB). Em 2015, o gasto com o funcionalismo representou 5,3% do PIB. Trata-se do pior resultado desde 1995.

Em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, as despesas com o funcionalismo representaram 5% do PIB. Em 2010, último ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o porcentual ficou em 4,7%. No primeiro ano de governo Dilma Rousseff, o porcentual caiu para 4,5%. Depois, durante os três anos seguintes, ficou em 4,3%.
A curto e médio prazos o problema tende a agravar-se, seja pela recessão econômica – que diminui a arrecadação do governo –, seja pelos acordos firmados em 2015. No ano passado, cerca de 90% dos servidores do Executivo chegaram a um acordo com o governo de reajuste salarial. A maioria assinou acordos com vigência de dois anos e reajuste de 10,8% em duas parcelas. Já as carreiras de Estado optaram por acordos de quatro anos, com reajuste de 27,9%. Segundo o Ministério do Planejamento, os acordos firmados em 2015 terão um impacto de R$ 4,23 bilhões neste ano, R$ 19,23 bilhões em 2017, R$ 17,91 bilhões em 2018 e R$ 23,48 bilhões em 2019.

Ao invés de aproveitar a crise para diminuir os gastos com o funcionalismo, o setor público continua contratando. Segundo o Ministério do Trabalho, em março, por exemplo, foram abertas 4.335 vagas formais na administração pública. O total de contratações no setor público no primeiro trimestre é de 13.489. Se o arrocho do setor privado é forte – nos primeiros três meses de 2016 foram 319 mil vagas a menos –, a área pública parece esquecer a forte crise fiscal pela qual atravessa o País.

Essa atitude é bem diferente da que se observou na Europa após a crise econômica de 2008. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), todos os países da União Europeia reduziram o tamanho do funcionalismo público entre 2008 e 2013, exceto a Suécia. Outro estudo, da entidade Initiative for Policy Dialogue, com sede na Universidade de Columbia (EUA), revelou que, desde 2010, quase cem governos reduziram o valor gasto com o funcionalismo.

Diante da gravidade da atual crise econômica – segundo o IBGE, o Brasil tem hoje 11 milhões de desempregados – o setor público não pode fechar os olhos à realidade. Além das nefastas consequências para o equilíbrio fiscal, novas contratações no setor público representam uma situação de privilégio, como se o Estado fosse um mundo à parte.

Solo estéril - VINICÍUS MOTA


Folha de SP - 02/05
Durante a agonia de um governo arruinado, o Brasil começou a melhorar. A substituição da equipe do calote, de Zélia Cardoso, pela do diplomata Marcílio Marques, em maio de 1991, iniciou período de 15 anos de prevalência da sobriedade na política econômica.

Sob Marcílio atuavam Pedro Malan, Armínio Fraga, Francisco Gros e Gustavo Loyola, que se tornariam protagonistas a partir da segunda metade daquela década. Collor cravejado deixou-se influenciar pelo espírito da História, levado quer pelo acaso, quer por tirocínio.

Dilma Rousseff não teve fortuna nem virtude nem presciência. Sai de cena tendo semeado coisa nenhuma para o futuro.

A fertilidade do solo é tão baixa que se avizinha troca profunda de quadros, a abranger altos escalões de formulação e decisão, na Fazenda, no Banco Central, no Planejamento, na Petrobras e no BNDES. Nem sequer a passagem de FHC para Lula registrou movimentação de pessoal estratégico nesse volume.

O desafio dos entrantes e de seus sucessores é soberbo e se confunde com a missão de renegociar os termos do pacto civil. As turmas dos anos 1990 em diante beneficiaram-se da ampla margem para elevar a dívida pública e os tributos, o que permitiu expansão contínua, absoluta e como fatia do PIB, dos gastos sociais.

Esse fator se esgotou, ainda que se imponha uma alta urgente de impostos. Dos ganhos de eficiência dos atores, privados e estatais, é que surgirão os recursos para a consecução do núcleo dos ideais de bem-estar inscritos na Constituição, partilhado pela maioria dos partidos.

O populismo dos últimos dez anos estimulou a confusão entre esses princípios constitucionais, de um lado, e a figura de um Estado paternalista a distribuir privilégios, do outro. Caberá à nova geração de autoridades e à nova maioria legislativa a espinhosa tarefa de desfazer o equívoco.

A corrupção sem graça, Por José Roberto de Toledo

Ministro da Fazenda, Joaquim Levy disse, em inglês, que “no Brasil, a maioria das empresas não gosta de pagar impostos”. E completou: “Nem quer pagar contribuição previdenciária”. Doleiro e cagueta, Alberto Youssef tem opinião sobre o tema: “Neste país, empresário não consegue nada se não tiver lobby”. Delata sua própria experiência. No caso de Levy, espera-se que não.
Nenhum dos dois se referia à Operação Zelotes, mas poderiam. “Quem paga imposto são os coitadinho (sic), quem não pode fazer acordo, negociata. Esses grandões aí estão passando tudo livre (sic), tudo isento de imposto”. A frase foi gravada pela Polícia Federal ao grampear – entre outros – um conselheiro do “tribunal” da Receita Federal notabilizado por mover zeros da direita para a esquerda em valores de dívidas tributárias.
Polícia Federal e Ministério Público estimam que a transmutação de zeros resulte em R$ 19 bilhões devidos por empresas ao Fisco mas jamais pagos – graças à ação milagrosa de consultores e conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em favor “desses grandões aí”. Além de dar razão a Levy, o papo dos milagreiros na Zelotes é de deixar mensaleiro e ministro do Supremo com complexo de inferioridade.
Por comparação, o valor dos pagamentos a deputados no mensalão os enquadraria, pela definição do conselheiro grampeado, como “coitadinhos”. Juízes daquele caso achavam que estavam julgando o maior escândalo da história, mas o superlativo ocorria em outro tribunal, sem transmissão pela TV Justiça.
Conselheiro conta ao consultor, pelo telefone, sobre a dívida contestada por um banco junto à Receita. Diz que após o julgamento favorável à empresa, um conselheiro é convidado a dar palestra em São Paulo, mas, apesar de ter ido de avião, prefere voltar de ônibus. Ao que o consultor comenta: “No aeroporto, como é que tu vai (sic) justificar uma mala cheia de dinheiro?”
Os alvos centrais da investigação são, na maioria, funcionários ou ex-funcionários de carreira, tanto da Receita quanto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Eles são os milagreiros suspeitos de transmutar zeros nas autuações de empresas. Prestam um serviço e são recompensados por ele pelos “grandões” que, graças à sua astúcia, economizam dezenas ou centenas de milhões.
É, tudo indica até agora, a velha corrupção, pura e simples. Sem complicadas operações financeiras, sem sofisticações, sem graça. Têm-se uma dívida cancelada ou abatida e paga-se uma fração do valor devido a quem operou o milagre. Não envolve caixa dois de partido, financiamento de campanha eleitoral nem nenhum outro ingrediente que seja capaz de apimentar o noticiário político.
São apenas grandes empresas que, na definição do ministro, não gostam de pagar impostos. Recorrem a advogados e consultores especializados em encontrar conselheiros e funcionários públicos dispostos a prestar seus serviços em troca de uma recompensa que, por vezes, não pode ser transportada por via aérea.
É o tipo de corrupção que não se preocupa com qual partido está no poder. Funciona cotidianamente. É parte do negócio. De tão ordinária, velha e esperada, não leva multidões às ruas. Não ganha hashtag no Twitter, nem página de protesto no Facebook. Muitas vezes, não vira nem notícia. Por isso, não seduz magistrados ocupados em projetar uma imagem de super-herói.
Não é o tipo de corrupção que pode ser resolvida pela reforma política – especialmente uma reforma proposta pelo PMDB. Muito menos pela redução da maioridade penal. É coisa de gente grande.
É o tipo de corrupção que arromba as contas públicas. Que subtrai do estado capacidade de investir em escolas e hospitais, de pagar melhor médicos e professores. E em uma crise fiscal como a de hoje, é o tipo de corrupção que provoca o aumento de impostos. Mas isso o corruptor sabe como resolver.