domingo, 1 de maio de 2016

República, Consolação e Bela Vista são bairros onde mais pessoas moram sozinhas em SP




"A Capital da Solidão" foi o nome escolhido pelo jornalista Roberto Pompeu de Toledo para seu livro sobre a história de São Paulo, desde a fundação até o ano de 1900. Mas poderia ser o título de uma obra sobre o centro da capital paulista atualmente.
Essa é a região da cidade com a maior concentração de domicílios unipessoais –como o IBGE chama residências ocupadas por só uma pessoa.
No distrito da República, que tem o maior índice de São Paulo, 38,8% dos domicílios são assim. Em seguida, vêm Consolação e Bela Vista, com 36,5% e 34,5% das casas com apenas uma pessoa, respectivamente. A título de comparação, as residências com um habitante só são 14,1% do total em toda a cidade.
A catarinense Camila Olivo, 37, mora sozinha na capital há três anos e meio, num apartamento na Consolação.
"Vim estudar para fazer carreira diplomática", diz ela, que trabalha com publicidade. "Cheguei a procurar apartamento em Pinheiros e nos Jardins, mas o custo-benefício era melhor na Consolação. Fiz a busca pelas ruas onde eu gostaria de morar e acabei encontrando", afirma.
A possibilidade de fazer tudo a pé foi, aliás, foi um dos pontos que pesaram na decisão da publicitária pelo centro. "Posso ir a restaurantes e cinemas sem precisar de carro ou transporte público."
tendência.
Em todo o país, cada vez mais pessoas têm optado por morar sozinhas, afirma José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo do IBGE.
"Antes, no Brasil, havia duas situações que levavam as pessoas a morar sozinhas: viuvez ou transferência de trabalho, sem a família", diz.
Hoje, há outras motivações, como jovens que deixam para se casar mais tarde e o aumento nas taxas de divórcio. "Isso é mais expressivo nos grandes centros urbanos", acrescenta Alves.
Para o demógrafo, quem é sozinho prefere as zonas centrais pela facilidade de transporte público e pelo preço mais baixo –já que as famílias que moravam na região se mudaram para bairros residenciais mais afastados a partir dos anos 1970 e 1980.
Alves também ressalta o grande número de mulheres que não dependem financeiramente de um cônjuge e, eventualmente, buscam trabalho em outras cidades, como é o caso de Camila Olivo.
A publicitária ainda vê outra vantagem na região: o tamanho das unidades, geralmente maiores por serem mais antigas. Seu apartamento tem apenas um dormitório, "mas só no quarto cabe uma cama de casal, um armário grande e uma escrivaninha."
De olho em um público de solteiros que não querem dividir a moradia, as incorporadoras passaram a lançar imóveis cada vez menores em bairros do centro da capital.
"Em geral, o público desse tipo de empreendimento é jovem, bem-sucedido e quer estar próximo do metrô e dos terminais de ônibus para ter acesso fácil a outros pontos", diz Alexandre Lafer, CEO da incorporadora Vitacon.
Segundo Lafer, a metragem menor, além de custar menos, dá menos trabalho de manutenção para esse morador. "Temos empreendimentos no centro a partir de 14 m² e R$ 89 mil", afirma. É o caso do Vita Bom Retiro, localizado na rua Anhaia.
Outro exemplo desse tipo de moradia é o edifício Brasil, construído pela WZarzur.
Localizado na Bela Vista, o empreendimento tem apartamentos de um e dois dormitórios, com plantas entre 35 m² e 80 m².
Para Rogério Atala, engenheiro da incorporadora, a própria prefeitura contribuiu para o surgimento de novos empreendimentos na região, por meio dos incentivos da Operação Urbana Centro, de 1997, ainda em vigor. "Com isso, o mercado imobiliário lançou novos produtos, e os consumidores foram atrás."
Embora os domicílios unipessoais sejam o maior sucesso das incorporadoras, Lafer acredita que a tendência é que a região atraia um público cada vez mais diverso no curto prazo: "O centro já não pertence só aos solteiros".
*PRÉDIOS OFERECEM DE CMAREIRA A "DOGWALKER"
Para mimar os moradores sozinhos –e compensar a falta de espaço das unidades, os novos empreendimentos disponibilizam serviços como concierge, salas para "coworking", camareira, "dog walker" e até carros para serem compartilhados entre os moradores.
Os serviços são oferecidos no sistema "pay-per-use", em que o morador paga separadamente pelo que foi contratado.
Raquel Cunha/Folhapress
SAO PAULO - SP - 26.04.2016 - Especial Morar bairros centrais que tem em sua maioria moradias destinadas a solteiros ou casais com apartamentos pequenos de um dormitorio ou estudio. Edificio Hype Living Augusta. (Foto: Raquel Cunha/Folhapress, SUP-ESPECIAIS) ***EXCLUSIVO***
Lavanderia no edifício Hype Living Augusta
"São alternativas pensadas para quem viaja ou trabalha muito", diz Alexandre Lafer, CEO da Vitacon. Para ele, as facilidades ajudam a baratear os custos do morador, que não precisa ter lavanderia em casa, por exemplo.
Rogério Atala, engenheiro da incorporadora WZarzur, destaca que os serviços oferecidos, como sala de massagem e academia, estimulam a convivência entre os moradores.
Lafer lembra também que as comodidades podem atrair outros públicos além dos jovens solteiros. "As pessoas mais velhas também são beneficiadas", afirma.

Esquerda nostálgica - CRISTOVAM BUARQUE


O GLOBO - 30/04

‘Esquerda perplexa’ tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim


Durante o regime militar havia uma “esquerda de luta” e uma “esquerda festiva”. A primeira fez parte dos movimentos que levaram à conquista da democracia; a última foi decisiva na realização das revoluções estética e comportamental, que ocorreram naqueles anos. Hoje, estão atuantes uma “esquerda nostálgica”, enquanto uma “esquerda perplexa” tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim, pela amplitude da globalização, a profundidade da revolução científica, o poder e a universalização dos novos instrumentos de tecnologia da informação; além de tentar se recuperar do constrangimento com a degradação ética e a incompetência dos últimos governos.

Diferente da “esquerda festiva”, que fez revoluções na estética e nos costumes, a “esquerda nostálgica” não contribui para a transformação estrutural da sociedade e da economia; louva o passado, se agarra ao presente e comemora pequenas conquistas assistenciais. Prisioneira de seus dogmas, com preguiça para pensar o novo, com medo do patrulhamento entre seus membros, viciada em recursos financeiros e empregos públicos, a “esquerda nostálgica” parece não perceber o que acontece ao redor. Independentemente das transformações no mundo, no país, nos bairros, continua orientada aos mesmos propósitos elaborados nos séculos XIX e XX, mantém a mesma fidelidade, reverência e idolatria aos líderes do passado, especialmente aqueles que têm o mérito do heroísmo da luta durante o regime militar, mesmo quando não foram capazes de perceber as mudanças no mundo, nem os novos sonhos utópicos para o futuro.

Com nostalgia do passado, reage contra o “espírito do tempo” que exige agir dentro da economia global e romper com a visão de que a estatização é sinônimo de interesse público; não reconhece que a inflação é uma forma de desapropriação do trabalhador; que o progresso material tem limites ecológicos e é construído pela capacidade nacional para criar ciência e tecnologia; que os movimentos sociais e os partidos devem ser independentes, sem financiamentos estatais; ignora que a revolução não está mais na expropriação do capital, está na garantia de escola com a mesma qualidade para o filho do trabalhador e o filho do seu patrão; que a igualdade deve ser assegurada no acesso à saúde e à educação, sem prometer igualdade plena, elusiva, injusta e antilibertária ao não diferenciar as individualidades dos talentos; não assume que a democracia e a liberdade de expressão são valores fundamentais e inegociáveis da sociedade, tanto quanto o compromisso com a verdade e a repulsa à corrupção.

Para sair da perplexidade, uma nova esquerda precisa fugir da nostalgia por siglas partidárias que tiveram a oportunidade de assumir o poder e construir seus projetos, mas traíram a população, os eleitores e a história, tanto na falta de ética, quanto na ausência das transformações sociais prometidas

Três caras que só pensam naquilo - DEMÉTRIO MAGNOLI


FOLHA DE SP - 30/04

"(...) vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro; isto é, seus fortes, guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos e constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra." A célebre sentença de Hobbes refere-se aos Estados, mas serviria para definir os chefes políticos tucanos. O PSDB renunciou à condição de partido, reduzindo-se a um teatro de guerra permanente entre três caras que só pensam naquilo. Na inauguração do governo Temer, o impasse tucano já não deve ser visto como um problema intestino, mas como aspecto crucial da crise nacional.

A guerra, fria ou declarada, entre Aécio, Serra e Alckmin atravessou a era do lulopetismo, corroendo o tecido do principal partido de oposição. Hoje, quando o reinado lulo-dilmista chega ao fim em meio a incêndios econômicos, políticos e éticos, o conflito trava o PSDB, sabotando uma decisão nítida sobre o engajamento no governo transitório. Sem os tucanos a bordo, a nau de Temer se inclinaria na direção do PMDB de Jucá, Renan, Cunha et caterva, associado a um "centrão" composto por partidos ultrafisiológicos. No lugar de um governo de "união nacional", surgiria um gabinete de salvação das máfias políticas que saltaram de um comboio descarrilhado.

Aécio devastou o capital político acumulado na campanha eleitoral cortejando uma bancada parlamentar irresponsável, que chegou a votar contra o fator previdenciário e estabeleceu um desmoralizante pacto tático com Cunha. Há pouco, declarou-se "desconfortável" com a participação orgânica do PSDB no novo governo. Serra, o incorrigível, preferiu negociar pessoalmente um lugar destacado na Esplanada dos Ministérios. Sonhando delinear um caminho próprio até o Planalto, se preciso pelo atalho do PMDB, ameaça virar as costas a seu partido, entregando-o à confusão. Alckmin, por sua vez, acalenta um projeto presidencial improvável acercando-se do PSB e tricotando com a camarilha político-sindical do Paulinho da Força. Nesse passo, implodiu a campanha tucana à Prefeitura de São Paulo. Hoje, a guerra particular que travam os três gladiadores tem o potencial para complicar a já difícil transição rumo a 2018.

A sorte do governo Temer será jogada no interregno entre a posse provisória e o julgamento final do impeachment no Senado. Uma coleção de notícias econômicas positivas, quase contratadas de antemão, não será suficiente para consolidá-lo. A carência de legitimidade eleitoral precisa ser compensada por iniciativas políticas coladas aos anseios da maioria que repudiou o lulo-dilmismo.

Se fosse um partido, não uma arena de gladiadores, o PSDB trocaria o engajamento integral no governo por um ousado compromisso com a Lava Jato. Exigiria do novo presidente a mobilização imediata da maioria parlamentar para cassar o mandato de Cunha. Conclamaria o governo a encampar o projeto de lei das dez medidas contra a corrupção formulado pelo Ministério Público. Em trilho paralelo, forçaria uma minirreforma política destinada a fechar o rentável negócio da criação de partidos de aluguel. Mas, imerso no seu pântano interno, o PSDB ensaiou fazer o exato oposto disso. No auge de seus exercícios ilusionistas, os tucanos prometeram a Temer um "profundo e corajoso" apoio parlamentar em troca da adesão a uma flácida agenda política. O intercâmbio equivaleria à cessão de um cheque em branco a um governo no qual não se deposita confiança.

Dias atrás, Aécio reuniu-se com Temer e sinalizou uma mudança de rota. "Tínhamos duas opções: lavar as mãos ou ajudar o país a sair da crise", constatou, antes de concluir com um enigmático "vamos dar nossa contribuição". Será, enfim, um indício de que o PSDB avalia a hipótese de fingir que é um partido?