terça-feira, 30 de setembro de 2014

Estimação de animais


Lúcia Guimarães
Na calçada, o grupo diverso espera sentado. Eles têm idades, tamanhos e temperamentos diferentes, mas aprenderam a ficar em repouso por alguns minutos. Com sua força física somada, uma reação súbita os levaria a derrubar o frágil poste de metal que sustenta o toldo da entrada do meu edifício. A cena se repete em qualquer quarteirão da cidade. Os dog walkers, pessoas que passeiam com os cachorros dos ocupados nova-iorquinos, amarram os bichos na porta de prédios enquanto vão recolher mais um para a caminhada matinal. Observando o tamanho dos grupos é fácil acreditar por que a profissão informal, frequentemente exercida por estrangeiros sem documentos, permite uma renda mensal superior, às vezes, à do cliente que contrata o serviço.
Pelo menos 83 milhões de cachorros vivem nos Estados Unidos e, desde os anos 70, eles se multiplicaram mais rápido do que a população humana. A explosão da indústria americana de animais de estimação, com receita estimada este ano em US$ 60 bilhões haveria, é claro, de ser importada no surto de emergência consumista brasileiro, onde não basta imitar estilos de vida, é preciso desfrutá-los em inglês. Deixei um país com animais domésticos e bicicletas e o reencontro cheio de pets e bikes. Mas importamos também o lado nefasto da indústria: os canis inescrupulosos, em que a ganância resulta na reprodução de animais com defeitos genéticos, e a falta de critério para trazer um animal para casa. Nos Estados Unidos, mais de 60% das pessoas que moram sozinhas têm animais domésticos.
Além de ótimo companheiro, os médicos confirmam que a presença de um cachorro faz bem à saúde do dono: Contribui para baixar a pressão, combater a melancolia e força idosos a fazer mais caminhadas. Há grupos de voluntários que levam cachorros para alegrar crianças hospitalizadas. Há todo tipo de grupo de apoio e até uma associação de combate à obesidade canina, que só aumenta, pelos mesmos motivos que fazem aumentar a humana.
Se você notar alguém num restaurante nova-iorquino acompanhado de um cachorro usando um colete como um uniforme, pode concluir que a exceção à proibição habitual de entrada de qualquer bicho se deve ao fato de se tratar de mais do que um animal de estimação: ele é um acompanhante terapêutico, assim designado porque um médico comprovou que um paciente sofredor de, digamos, síndrome de pânico, se beneficia da companhia constante de um cachorro. Os americanos na verdade têm mais gatos do que cachorros, mas, além de afeto de felino pelo dono ser mais comedido, seu cuidado requer muito menos atenção e esforço físico.
Só no meu edifício, conto uns três cães que gostaria de ter denunciado a um juizado de menores para bichos. Há a recém-divorciada com dois filhos, um imenso Golden Retriever e sem a menor paciência para os três. Mas os meninos ao menos gastam energia na escola fazendo esportes, enquanto o animal, que precisa de exercício, vai ficando cada vez mais neurastênico, isolado no apartamento, e já mordeu uma diarista. Há um homem com evidente distúrbio mental, notório por brigar com porteiros e vizinhos, que decidiu adotar um pitbull de um abrigo - combinação explosiva. E há, tristemente, uma idosa, que tanto precisa da companhia, mas mal consegue exercitar seu adorável vira-lata porque caminha com dificuldade.
No ano de 1997, milhares de dálmatas foram encontrados vagando por ruas e estradas americanas ou abandonados em abrigos. Tinham sido comprados ainda filhotes por famílias que não aguentaram a trabalheira que dá esta raça de cão. Mas seus filhos os acharam uma gracinha na tela quando assistiram ao filme 101 Dálmatas. Episódios como este ilustram uma forma de negligência que não discrimina por classe ou pressão econômica.
Os Estados Unidos conseguiram diminuir drasticamente a eutanásia de cachorros com campanhas pela adoção nos abrigos. O casal Obama foi bastante criticado em 2009 quando adquiriu sua primeira cadela da raça cão d'água português de um canil e não deu o exemplo da adoção.
A medicina estende a vida, nem sempre com qualidade de vida. Ouvi de um veterinário nova-iorquino um desabafo que soava meio culpado: "Graças a cirurgias e remédios, os cachorros doentes estão vivendo mais e seus donos não aguentam tomar conta deles nos anos de velhice prolongada". Está aí uma indústria cujo crescimento, sem educação do consumidor, a longo prazo, incentiva a crueldade.

sábado, 27 de setembro de 2014

A água do Sistema Cantareira pode acabar? , por Fernando Reinach

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Fernando Reinach
Você já deve saber que nossa água está acabando. Assim, quando me deparei com o secretário de recursos hídricos do Estado, Mauro Arce, e o presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, em um mesmo palco, dispostos a responder perguntas, não resisti: “Se nos próximos 12 meses as chuvas forem semelhantes às que ocorreram nos últimos 12 meses, os 6 milhões de paulistanos que dependem exclusivamente do Sistema Cantareira terão água em 2015?” A pergunta é simples e não exige adivinhação, pois não questiona se vai chover. Simplesmente solicita a construção de um cenário a partir de dados já conhecidos. O sr. Andreu respondeu: “Se nós tivermos um ano parecido com esse, não teremos uma resposta satisfatórias na região metropolitana no ano de 2015”. O sr. Arce divagou sobre o que ocorreria se nunca mais chovesse. Fiquei sem resposta. Afinal, a água do Cantareira pode acabar?
Se os responsáveis pela ANA e pela Sabesp se recusam a nos contar o que pode acontecer em 2015, só me resta uma opção: tentar construir com você, caro leitor, os cenários mais prováveis. Isso é possível porque os dados necessários são atualizados diariamente em uma série de tabelas e gráficos publicados no site da ANA.
Convido a olhar com cuidado o gráfico acima. Ele mostra a quantidade de água estocada no Sistema Cantareira ao longo de cada ano, de 1982 até o presente. No eixo horizontal estão as datas. Cada linha vertical marca o início de um ano. No eixo vertical está o volume de água acumulada nos reservatórios do Cantareira em milhões de metros cúbicos (hm³). Este número vai de zero (reservatório seco) a 1.460, reservatório transbordando, totalmente cheio. Você também pode ver uma linha horizontal no valor 486, que separa o volume “vivo”, que pode ser retirado sem uso de bombas (entre 1.460 e 486) e o volume “morto” (entre 486 e 0), que só pode ser retirado por bombeamento.
É fácil verificar que todos os anos o nível do reservatório sobe e desce. Ele enche logo após o ano-novo (período de chuvas), se estabiliza antes da metade do ano, e esvazia na segunda metade do ano (período de secas). Mas o quanto ele enche e esvazia varia de ano para ano, dependendo de quanto chove e de quanta água é retirada. Veja o ano de 1999: ele iniciou com aproximadamente 1.050 hm³, subiu até 1.430 e desceu para 1.030. Em 1999, a água que entrou foi quase igual a água que saiu. Já em 1987, o reservatório começou com 860, subiu para 1.420 e só baixou para 1.200. Naquele ano entrou mais água do que saiu.
Acompanhe agora o que aconteceu a partir de 2010. Em 2010 o reservatório chegou ao seu máximo, 1.460, e caiu para 1.200, no ano seguinte (2011) ele subiu para 1.400 e terminou em 1.150. Em 2012, ele subiu muito pouco e terminou o ano em 950. O ano de 2013 já foi trágico, a subida foi pequena e a queda foi grande, e acabamos 2013 já com um pouco mais de 700 hm³, um dos menores níveis históricos. Foram quatro anos em que os níveis registrados em dezembro sofreram quedas grandes e sucessivas. E aí veio 2014, um ano em que ocorreu um fenômeno nunca antes observado. O ano de 2014 foi o único em que o reservatório nem sequer encheu, a quantidade de água armazenada caiu continuamente. Iniciou o ano com 700 hm³ e agora em setembro estamos com somente 370 hm³. Veja que em setembro de 2013 estávamos com 870 hm³. A queda nos últimos 12 meses foi de 500 hm³.
Agora, caro leitor, eu pergunto, você é capaz de responder a pergunta que a Sabesp e a ANA se recusaram a responder? Se os próximos 12 meses (setembro de 2014 a setembro de 2015) forem iguais aos 12 meses anteriores (setembro de 2013 a setembro de 2014), qual cenário enfrentaremos em setembro de 2015? É fácil, mas trágico. Se nos próximos 12 meses o nível cair 500 hm³ (como caiu nos últimos 12 meses), chegaremos muito antes de setembro ao nível zero, pois hoje só temos, 370 hm³ no Cantareira. Esta é a resposta simples e objetiva. Se tudo se repetir, milhões de pessoas vão ficar sem uma gota de água. Simples assim.
Mas talvez não seja correto ser tão pessimista, vamos imaginar que as chuvas do fim do ano acrescentem 200 hm³ ao reservatório, como aconteceu em 1985, 1988 e 2011. O nível vai passar de 370 para 570. Mas se continuarmos a tirar água como tiramos neste ano, vai cair para quase zero novamente, e as pessoas vão ficar sem água.
Mas o melhor seria se São Pedro ajudasse e repetíssemos em 2015 o que ocorreu em 1987, o reservatório subisse 650 hm³ em um único ano (o recorde). Aí passaríamos de 370 para 920 e se retirássemos os mesmos 500 acabaríamos o ano com 420 hm³, um pouco abaixo do limite do volume morto. Melhor, mas ainda preocupante.
É claro que estes cenários são os mais crus que um leigo educado pode deduzir a partir dos dados disponíveis. Eles assumem que a Sabesp não vai mudar a maneira como está retirando água do Cantareira e assumem que é possível retirar até a última gota do reservatório, o que não é verdade. O fato é que muito antes de o volume acumulado nos reservatórios chegar a zero não haverá água sequer para organizar um rodízio ou racionamento forçado.
Senhor secretário, senhor presidente da ANA, não fiquem acanhados em mostrar o que está errado nesses cenários criados por um simples biólogo. Todos gostaríamos de saber com que cenários a Sabesp e a ANA trabalham. Quais são seus cenários? Sei que devo estar errado nos detalhes, mas todos gostaríamos de saber o que teremos de enfrentar em 2015. Afirmar que teremos água até março não é suficiente. Afinal, é a vida cotidiana de milhões de pessoas que está em jogo.
Se outros cenários não forem descritos e justificados, só me resta acreditar que estes cenários, simples, mas lógicos, representam em grande parte o que nos espera em 2015.
*É BIÓLOGO

Governo fecha porta para 'PJ assalariado'




Regra que amplia Supersimples deixa explícito que pessoas jurídicas não podem ter vínculo com empresa contratante
Em 2012 e 2013, a Receita Federal identificou sonegação de quase R$ 30 bi por meio dessa manobra
SOFIA FERNANDESDE BRASÍLIA
Em uma tentativa de conter a sonegação de impostos na contratação de mão de obra, o governo proibiu expressamente que pessoas jurídicas inscritas no Supersimples tenham vínculo de emprego com a empresa contratante. O veto está na regulamentação da lei que universalizou o Supersimples para todos os setores da economia, publicada no início do mês.
Em 2012 e 2013, a Receita identificou que empresas sonegaram, por meio dessa manobra, quase R$ 30 bilhões em contribuições à Previdência Social. A arrecadação total da Previdência somou R$ 313,7 bilhões em 2013.
Para quem contrata essas pessoas jurídicas, a vantagem é que os custos são muito inferiores aos embutidos na contratação de um funcionário. Essas contratações configuram uma relação comercial, sem custos trabalhistas para quem contrata.
O texto diz que será excluído do regime simplificado de tributação a empresa que guardar com o contratante do serviço relação de "pessoalidade, subordinação e habitualidade". A contratante está sujeita a multa e pagamento da contribuição previdenciária em atraso.
Apesar de considerada irregular e fiscalizada pelo governo, essa prática não era expressamente proibida. Com o uso crescente de pessoas jurídicas como disfarce para situação de emprego, o governo considerou oportuno explicitar a proibição.
"Membro de uma empresa do Simples não pode ser empregado de quem a contrata. Queremos evitar o fenômeno da pejotização' dos empregados", afirmou o ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos.
IRREGULARIDADES
A Receita afirma que tem detectado irregularidades dessa natureza em vários setores da economia, como indústria de calçados e de materiais cerâmicos.
Em 2012, o fisco identificou irregularidades desse tipo em 5.500 fiscalizações, o que resultou na cobrança de R$ 13,6 bilhões em pagamentos em atraso para a Previdência e multas. Em 2013, foram 5.800 casos, com a cobrança de R$ 15,7 bilhões de contribuição previdenciária.
Segundo a Receita, a maioria das empresas flagradas recorre do processo ou tenta impugná-lo. "Enquanto o julgamento está pendente, suspenso, elas podem obter certidão positiva de débito", informou o órgão.
Pelo Supersimples, pequenas e médias empresas têm a cobrança de oito impostos federais, estaduais e municipais reunida num só boleto. Para a maioria dos casos, a carga de impostos é menor do que no regime tributário convencional.
Dentre as empresas que podem declarar pelo Simples, está o MEI (Micro Empreendedor Individual), que abarca empresários individuais com faturamento anual de até R$ 60 mil. Segundo a Receita, os MEIs são os maiores responsáveis pelas contratações irregular