domingo, 13 de abril de 2014

‘Gasto público deveria ser limitado por uma lei’, diz Armínio Fraga


Na avaliação do ex-presidente do Banco Central, medida abriria espaço para a reforma tributária

13 de abril de 2014 | 3h 00

Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum - O Estado de S. Paulo
Armínio Fraga - Sérgio Castro/Estadão
Sérgio Castro/Estadão
Armínio Fraga
Há poucas semanas, o senador Aécio Neves, candidato dado como certo para disputar a presidência pelo PSDB, oficializou a escolha do economista Armínio Fraga para o posto de coordenador econômico de sua campanha. Nesta série de entrevistas que ouve economistas integrados ao debate político e, não raro, ligados aos partidos, Fraga é o mais engajado. Muitos já o consideram ministro da Fazenda, caso o PSDB ganhe a eleição. Ex-presidente do Banco Central, Fraga diz que ainda não se aprofundou no estudo das propostas, mas o esboço tem pilares claros: fortalecer a política fiscal, ajustar a inflação para o centro da meta, desengavetar a reforma tributária, entre outras medidas que podem exigir ajustes nem sempre populares. Mas ele acredita que o importante é antecipar o que deve ser feito, sem "populismo" eleitoral. "O custo de tomar medidas impopulares é muito menor do que o de não tomar", diz na entrevista que segue.

Como o sr. vê a economia hoje?

Estou vendo um quadro que se quantifica com poucos números. Um crescimento baixo, já entrando pela quarto ano, e a sinalização de que o ano que vem também pode ser difícil por causa dos problemas que estão se acumulando. Ao mesmo tempo, há uma inflação alta, em torno de 6%, já há bastante tempo, mas reprimida. A inflação real anda mais alta. Talvez entre 7% e 8%. Esse não é um quadro bom. Há também o fato de que o déficit em conta corrente do Brasil caminha para 4% do PIB no momento em que os Estados Unidos segue para a normalização da taxa de juros e, eventualmente, a China deve desacelerar. Isso também é uma questão, especialmente porque a taxa de investimento do País não está aumentando. Agora está acontecendo um movimento no mercado - que eu diria ser técnico, com recursos mais de curto prazo, indo para um lado ou para outro, mas isso não deve trazer um grande conforto. O quadro geral ainda não é tranquilo lá fora. Olhando aqui para dentro no Brasil, hoje o governo concede 60% do crédito, que incorpora ainda repasses do BNDES. Há não muitos anos eram 40%. É um modelo testado por nós, testado por vários outros países que tende a não entregar o resultado que se quer - tanto do ponto de vista de produtividade, da qualidade das decisões de crédito e financiamento que são tomadas, quanto do ponto de vista do risco. O exemplo radical são os Estados Unidos com as grandes do mercado de hipotecas, Fannie Mae e Freddie Mac (empresas privadas, mas com propósito público, que eram implicitamente garantidas pelo governo), que tiveram uma participação fundamental na bolha - uma senhora bolha. Mesmo nos países mais maduros, essas lições permanecem válidas. Há outros temas, de caráter mais setorial. Energia está no topo da lista. Estamos correndo um risco muito grande nessa área. Os dados, infelizmente, vêm piorando. É grave a questão. O setor de petróleo é outro bem conhecido. À Petrobrás foi designado o papel de grande locomotiva do setor, mas, ao mesmo tempo, o governo vem asfixiando o fluxo de caixa da empresa. Para não falarmos de outras intervenções, como o mix de política industrial, política setorial também. Enfim, que não vem dando resultado. Talvez fosse até previsível. Em paralelo, estamos vivendo a crise no setor de etanol - o que é uma tristeza. O setor tem tudo para ser um líder global. Esse é um setor menos antipático ao meio ambiente do que o do petróleo, que o dos combustíveis fósseis. Estamos na situação singular de subsidiar o setor de combustíveis fósseis - algo que vai na contra mão da recomendação técnica. A determinação é taxar e não subsidiar, porque esse setor produz um efeito negativo para a sociedade. Esse é o típico caso em que se recomenda fazer o oposto do que estamos fazendo. A infraestrutura também é uma área que apresenta muitos desafios. Nesse caso, a visão é que temos uma moeda com dois lados. Por um lado, a infraestrutura virou um gargalo seriíssimo em praticamente todas as suas dimensões - e, portanto, é uma barreira ao crescimento. Mas ela deveria ser uma fantástica oportunidade. Eu acho que se os futuros governos acertarem a mão nas questões regulatórias e em outras que influenciam esse setor, eu penso que ele pode virar ao nosso favor. Mas, nesse momento, é um problema. O resumo é o seguinte, pensando de uma maneira mais esquemática: a minha leitura é que hoje nós temos uma macroeconomia que está perdendo as âncoras. A área fiscal perde credibilidade, o chamado tripé certamente está bem fragilizado. A microeconomia, que deveria funcionar mais livre, apostando na concorrência, sofre por estar muito amarrada - e amarrada na parte que cabe ao governo. Portanto, temos dificuldades em buscar mais produtividade. Subindo ainda mais um nível nesse esquema, penso que isso tudo espelha uma grande crise no Estado - um Estado que vem continuamente crescendo, mas não tem sucesso em entregar aquilo que se espera dele. A qualidade da educação avança lentamente. A população se queixa muito dos serviços de saúde. Hoje um tema absolutamente vivo e importante é o da segurança. No geral, seria preciso atacar essas questões. Claro que ninguém ainda inventou uma fórmula para fazer transplante de Estado - essa é uma questão de prática. São os governos que vão, aos poucos, melhorando ou piorando as instituições de um país - e o governo precisa cuidar disso melhor. Não há exemplo de país que tenha se desenvolvido sem um Estado bom. Pode ser pequeno ou médio. Eu sou cético em relação a ideia de que um País como nosso pode e se desenvolver com um Estado grande demais. Um país precisa crescer, precisa distribuir também, com certeza, mas eu não vejo o mundo social como um jogo de soma zero. É preciso balancear as coisas. Mas eu vejo o nosso modelo falhando, tanto pelo lado da distribuição, que ainda é muito ruim, como pelo lado do crescimento. Diga-se de passagem, não acho que os dois sejam incompatíveis. Ao contrário. Mas é preciso estruturar o funcionamento do Estado para que ele atinja esses objetivos - e nesse momento, eles não estão sendo atingidos. 


O que, na sua avaliação, pode acontecer por causa dos problemas que descreveu?

Eu vejo várias dimensões, como já mencionei. Algumas delas mais dramáticas, outras menos. Eu colocaria no topo da lista hoje a questão da energia. Na medida que a água atingir um certo nível - e já estamos quase lá - provavelmente será preciso organizar um pouco as regras do setor. A política de subsidiar ou reduzir de maneira artificial o custo da energia aponta na direção de mais escassez lá na frente. Não ajuda. Há que se tomar muito cuidado. Se nós tivermos o azar de as chuvas continuarem fracas, será preciso tomar providências o quanto antes. Isso é delicado porque o tema é facilmente misturado com a política - mas é inevitável que seja assim. Faltou planejamento. Esse setor deveria trabalhar com flexibilidade para aguentar não um ano de seca, mas três. Essa era a regra dos especialistas. A energia é o caso em que poderia haver um problema maior - os outros casos não são tão dramáticos, mas são igualmente sérios. O governo vem esticando a corda em várias áreas da chamada macroeconomia. Chega um ponto em que o cobertor fica curto. Eu penso que chegamos a esse ponto. O caso da Petrobrás é um exemplo. Descapitalizaram a empresa. O governo precisa arrumar recursos de outra maneira. Isso gera subsídios. No setor elétrico, por exemplo, os custos elevados de sustentar esse modelo, as estimativas variam, mas os consumidores já estão sentindo o custo das termoelétricas. É grave. O custo é grande. Então: de um lado a inflação preocupa, do outro lado, o impacto fiscal preocupa. Assim, há uma sensação geral de perda de confiança que vem paralisando bastante o investimento. Esse é um caminho mais lento em direção ao futuro - e lento numa direção ruim. Estamos em um ano de eleição. Tipicamente, em anos de eleição, os governos são mais flexíveis na condução das políticas. Aconteceu em 2010. Só que, neste ano, o governo já entra com dificuldades. O saldo do primário já vem sendo atingido com receitas não recorrentes e alguns artifícios de natureza contábil, mas é preciso dar uma resposta mais clara, até para que, mais adiante, seja possível retomar a trajetória de queda da taxa de juros, que voltou a níveis muito elevados. Essa, ao meu ver, é uma boa forma de se pensar o que precisamos num regime macroeconômico. Eu venho dizendo, já há algum tempo, que o Brasil tinha que ter como objetivo juros de BNDES para todo mundo. O Pérsio Arida (um dos economistas que idealizou o Plano Real), numa palestra recente, sugeriu que o conjunto das políticas macroeconômicas se voltasse para atingir esses objetivos também. Ou seja: ter juros mais normais no Brasil. Esse é um quadro que sugere o esgotamento de um modelo. Já vivemos isso na nossa história. Modelos se esgotam. Isso é percebido por analistas, mas, normalmente, se encontra muita dificuldade na hora de mudar. Os modelos, por piores que sejam, têm sempre ganhadores - e os ganhadores se agarram aos modelos e procuram evitar as mudanças. É uma questão de economia política. Isso aconteceu conosco na década de 70, quando o Brasil procurou esticar o modelo que já não era capaz de entregar resultados. Deu no que deu. Naquela época foram crises de balanço de pagamento, inflação e tudo mais. Não quero dizer que a situação é igual. Mas é fato que o Brasil hoje está vulnerável e precisa mudar. Essa segunda dimensão de crise é mais difusa porque são vários fatores agindo ao mesmo tempo. E ainda temos a possibilidade de 2015 ser ainda um ano com baixo crescimento. Há tensões políticas e sociais. São quadros complexos, mas que tem no fundo essa linha - é preciso mudar.

Levando em conta essas questões de curto prazo, o que o governo precisa fazer na largada em 2015 para resolver os problemas?

Cabe uma resposta bem ampla - talvez mais ampla do que possamos detalhar aqui. Eu começaria com o lado macroeconômico. Começaria com um reforço muito transparente das bases do tripé. Deveríamos ter metas claras e transparentes para a contabilidade do saldo primário. As metas deveriam ser plurianuais. Haveria também um comprometimento com a normalização dessa situação de inflação reprimida e, ao mesmo tempo, a busca de convergência para a meta. Se as duas ações são coerentes, elas se reforçam. Nos últimos anos, o Brasil viveu momentos difíceis em que a política fiscal era expansionista, a política de crédito público - que é muito relevante aqui no Brasil - era também expansionista e o Banco Central tentava, do seu lado, enxugar a demanda e segurar a inflação. Eu penso que esse reforço traria um grau de coerência. Racionalizar a atuação dos bancos públicos faria parte dessa equação. Do lado macro, isso ajudaria a reduzir o prêmio de risco que o Brasil paga. Quando o Brasil paga mais, todas as empresas que estão aqui pagam mais, todas as pessoas que vivem aqui pagam mais também. É algo muito direto. No lado que nós podemos chamar de micro, eu penso que há necessidade de abrir mais frentes. Na infraestrutura, ao meu ver, seria necessário um trabalho detalhado em cada área, repensando o que vem sendo feito, procurando estimular o debate e o entendimento sobre porque as coisas não estão acontecendo. Penso que há dimensões que são de arquitetura - do desenho mesmo. Mas tem também o lado da execução. É preciso repensar o modelo com o setor privado em diferentes áreas. Em vários casos, pode caber privatização. A agenda da infraestrutura é muito ampla - inclui portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, energia, telecomunicações, saneamento. Inclui praticamente tudo da nossa infraestrutura. Mas existem vários outros temas. O Brasil precisa, urgentemente, pensar numa reforma tributária que simplifique o sistema. Isso envolveria, essencialmente num primeiro momento, todo o aparato de tributação indireta. ICMS. IPI. Organizar e simplificar seria muito bom. Cabe mencionar que, ao meu ver, o crescimento da carga tributária precisa ser limitado. Para isso, volto um pouquinho ao lado macro - o Brasil precisa também adotar um limite para relação gasto público e PIB.

Por lei?
Por lei ou por decisão de governo, num primeiro momento. Mas é preciso trabalhar para isso. Hoje, para um País de renda média, nos temos uma carga tributária muito elevada. Isso é contraproducente. Isso está dentro daquela ideia de que a economia precisa continuar trabalhando para melhorar a distribuição de renda desse País - que é terrível ainda - mas, ao mesmo tempo, precisa também criar condições para que a taxa de investimento também aumente, para que o País seja mais produtivo. São muitos os assuntos nesse mundo que chamo de micro. É muito trabalhoso. Mas não creio que seja um bicho de sete cabeças. Dá para fazer se tivermos uma agenda e também pessoas capazes ocupando posições chaves. É um desafio enorme de RH também.

Qual seria o teto de crescimento do gasto público?

Os gastos teriam que crescer igual ou abaixo do PIB. E na trajetória que está os gastos crescem mais que o PIB...
Há muito tempo - e isso é natural. A sociedade tem demandas. Por mais que tenha crescido e melhorado muito nos últimos 20 anos, o Brasil ainda é um País carente. Mas é fato que se você fizer uma pesquisa vai identificar que a sociedade quer tudo. Mas isso é uma grande ilusão. É preciso pensar a coisa de uma forma dinâmica. Instantaneamente, você pode até tentar alocar mais. Mas olhando a trajetória para frente, esse não é o melhor modelo. É um trabalho difícil, mas politicamente importante. Precisa ser feito com transparência. É típico em momentos de eleição a gente ouvir propostas em que a conta não fecha. Dizem: eu quero 10% para cá, outros 10% lá, mais 10% aqui. Você vai fazer a conta e não fecha. E vem: vou ter de aumentar a carga tributária em tantos pontos do PIB. Sinceramente, para um País como o nosso, é difícil imaginar como isso possa acontecer. É um tema difícil. Eu não sou político. Vejo apenas a necessidade de um debate honesto. Não populista.

Qual seria o tamanho do esforço fiscal?

Acho que será preciso fazer um levantamento da situação. Não dá para arriscar um número agora. Mas acho que o Brasil precisa de uma meta positiva para o saldo primário, talvez maior um pouco do que ela é hoje, nem que seja um tempo. E essa meta deve ser plurianual. Essa parte é menos difícil. O tema do crescimento do gasto é complexo. Não podemos nos iludir. Mas esse tem que ser um objetivo a perseguir com rigor e, se for necessário, com a proposição de reformas também. Não tenho um programa pronto aqui para discutir.

Em que campos as reformas?

Eu penso que em todas as dimensões do gasto. Antes de tudo, é preciso mapear para, depois, tomar as decisões. Hoje eu presto uma assessoria ao senador. Estudo e acompanho o que acontece no Brasil, mas continuo dedicando uma parte do meu tempo à minha empresa. Mais adiante, se ocorrer uma mudança, e eu participar, com a eleição do senador Aécio, seria o caso de eu e muitos outros refinarmos essas questões. Mas elas estão na categoria de questões polêmicas que se prestam ao populismo que, ao meu ver, não agregam nada à qualidade da discussão e ao próprio eleitor. Eu estou sendo um pouco cuidadoso porque acho que é impossível negar a importância disso. Mas ir além é perigoso.

O próprio Aécio falou que está disposto a tomar medidas impopulares...

Sim, falou. Mas o que ele não falou - e eu não tenho procuração para falar por ele - é que o custo de tomar as medidas por ventura impopulares é muito menor do que o de não tomar. As pessoas têm de cair na real.



Na prática, como é possível reduzir o gasto público com tanta demanda reprimida?


É questão de dar ao orçamento a importância que ele merece num ambiente democrático. É preciso incluir tudo no orçamento - todos os subsídios - e discutir o que dá para fazer e o que não dá para fazer. A sociedade quer ou não aumentar a carga tributária? Que custos e benefícios isso traria? A questão é decidir. Não é possível transformar o Brasil instantaneamente numa Suíça ou num Estados Unidos. Dá para chegar lá, mas demora um pouco e de trabalho.

A como fica a distribuição de renda? Uma das críticas é que isso implicaria cortes em programas sociais...

Não creio. Se você olhar os números vai ver que o bolsa família não consome tanto dinheiro assim para o tamanho do resultado que gera. Acho que precisamos discutir o que fazer além do bolsa família. O próprio senador Aécio Neves tem feito propostas nessas direção - inclusive pensa em transformar em lei. Seria ótimo para deixar claro à população que esse é um tema importante. Mas precisamos ir além. As pessoas querem ter qualidade vida, mesmo quando têm uma vida difícil. Mais do que isso - querem trabalhar, querem que seus filhos se qualifiquem para ter uma vida digna. Temos que usar o bolsa família como uma base. Todos os candidatos sabem disso. Às vezes fazem ameaças: dizem que vão acabar com o bolsa família. Isso é um absurdo. É uma mentira. É preciso analisar melhor para onde o dinheiro público está indo. O Gustavo Franco fala com frequência que há no Brasil o bolsa empresário. Ele coloca isso de uma maneira muito gráfica, muito boa. Isso precisa ser discutido. Sempre. Agora, antes da eleição, e depois também. É uma carência no debate: para onde vai o dinheiro? Qual o impacto distributivo de tudo isso? É um ótimo tema para encarar de frente.

E de onde o sr. acredita que viria o crescimento econômico?

Esse é outro ponto bom. É uma bela pergunta: de onde vem o crescimento? É como aquela pergunta das criancinhas: de onde vem os bebês? Certamente, o crescimento não vem com as cegonhas. O crescimento vem de mais investimento em capital, em educação e de mais produtividade em geral. Ou seja: vem de uma economia que funcione melhor. E quem é o grande participante da economia? O Estado. Então é preciso que o Estado também faça a sua parte. Mas isso não querer dizer que seja preciso aumentar o gasto público. Aumentar o gasto pode gerar demanda no curto prazo. Mas demanda não basta. É preciso resposta da oferta: mais produção, mas emprego, mais investimento. O crescimento depende do casamento entre demanda e oferta. Hoje fica claro que o governo fez uma aposta hiper keynesiana na demanda. De novo, eu insisto: claro que deve haver demanda. Nenhum empresário vai investir se não acreditar que vão comprar os produtos deles. Mas precisa haver oferta - e é isso que está falando no Brasil. Não falta demanda. A demanda continua lá.

Estabilizando o Brasil, quando o crescimento poderia ser mais robusto?

Rápido. Um ano. Dizer em quanto é chutar um pouco, mas um País que tem uma renda per capita inferior em 20% a renda per capita dos mais ricos deveria poder crescer durante vários anos a 4%, 5% ao ano, mesmo com a demografia piorando. Temos que nos lembrar que a taxa de crescimento da força de trabalho caminho para zero ao longo de relativamente pouco tempo. No passado, só daí vinham uns 3 pontos porcentuais de crescimento. Essa nova realidade sugere que um crescimento sustentável de 4 a 5% seria excepcional. E acho também que a China vai cair para algo assim. Havia um certo sonho aqui de que o Brasil poderia crescer 10% ao ano - mas é bem mais difícil. Nem sei se é viável numa sociedade como a nossa, que tem uma preocupação muito grande e correta com o social. A China tem uma preocupação com o emprego, mas só um regime autoritário poderia fazer o que eles fizeram: reproduzir um modelo de desenvolvimento sem rede de proteção social - algo altamente indesejável do meu ponto de vista. Mas aqui no Brasil há uma certa inveja do que eles fizeram. Eu não teria inveja, não. Acho que estamos bem. É só arrumar a casa.

O sr. mencionou privatizações. Há setores em mente?

Nenhum especificamente. Mas penso que todos os da infraestrutura se oferecem bem para esse caminho - o que o governo chama de concessões. É a mesma coisa. Eu não tenho medo de usar a palavra que acho correta. Mas praticamente todos da infraestrutura cabem em regimes de concessão, em parcerias público privadas, sem perda de controle do regramento que cabe ao Estado em vários desse setores. Não creio que isso seja incompatível com esse desenho. Como esse desenho é do presidente Fernando Henrique, ficou hibernando um tempo, e agora voltou. É ótimo que tenha voltado.

No evento de aniversário do Real, o ex-presidente Fernando Henrique disse que o Plano Real é o início de um processo que foi interrompido. O espírito é retomar àquele processo?

É preciso ter na cabeça a sequência do que aconteceu. O Plano Real tirou o País do caos. Não havia chance para nós na bagunça da hiperinflação. Depois veio a reforma do Estado. O Estado no Brasil fazia coisas demais. Estava envolvido em siderurgia, fertilizantes, tinha presença maciça no setor financeiro, com bancos estaduais. Nada daquilo vinha dando certo. Houve essa guinada e, na época, a decisão de Fernando Henrique foi focar em saúde e educação especificamente. Nas outras, ter uma presença indireta - sempre que possível, acreditando na concorrência. Eu penso que não há nada mais saudável do que a concorrência. Os empresários não querem moleza. Querem um ambiente previsível, limpo, para concorrer, inovar, investir e assim por diante. Hoje eles são meio reféns da situação e isso não é o ideal. Depois da guinada, as coisas foram evoluindo. Houve a chegada do PT ao poder - num primeiro momento, uma excelente surpresa. Agora, de uma certa maneira, estamos retrocedendo. O presidente Fernando Henrique, naquela comemoração, fez menção a um ponto claro, como aliás é do feitio dele, sobre a atuação do governo. Usando minhas palavras, mas colocando mais o ou menos o que ele disse: a fase de uma presença e de atuação do governo em vários desses pontos, saúde e educação, por exemplo, já alcançou quantitativamente um tamanho bom. Mas agora chegou a fase da qualidade. O Estado precisa melhorar a qualidade dos serviços que entrega para a população. Além desses dois, o tema da segurança é um dos mais importantes e o tema da regulação, idem. Tem muita coisa a ser feita do ponto de vista qualitativo. Foi o que ele colocou lá e eu penso que é uma boa maneira de definir o que é preciso fazer.

O que fazer com a política do salário mínimo, que começa a ser revista no início de 2015?

É outro tema que precisa ser discutido. O salário mínimo cresceu muito ao longo dos anos. É uma questão de fazer conta. Mesmo as grandes lideranças sindicais reconhecem que, não apenas o salário mínimo, mas o salário em geral, precisa guardar alguma proporção com a produtividade, sob pena de, em algum momento, engessar o mercado de trabalho. A política do salário mínimo tem tido impactos relevantes. É um tema muito complexo e polêmico. Não tenho uma receita pronta. Estou prestando uma assessoria ao senador Aécio Neves, mas não estou entrando neste nível de detalhe. Outras perguntas que chegam com frequência é sobre como fazer a reforma tributária, o que fazer com as desonerações, o que fazer com os preços congelados - vão liberar de uma vez, vão fazer gradualmente? São questões da maior importância. Quem assumir o governo vai ter de pensar em tudo isso. Mas o tema é polêmico. Eu gosto muito de analisar as coisas antes de emitir uma opinião. É opinião antiga, de gente que faz conta, que o vínculo do salário mínimo com a previdência tem um custo. Como ocorre em todos os outros temas, é preciso pensar em custos e benefícios. Nesse ponto, entramos no terreno da política, onde não me sinto à vontade para entrar, especialmente neste momento. É fácil ser mal interpretado.

O sr. mencionou que o importante é ter um ambiente favorável aos negócios. Estão pensando também na reforma trabalhista?

É outro tema. Não tenho dedicado muito tempo a essa área. Todo economista que fala de reforma no Brasil cita as reformas tributária, trabalhista, previdenciária. São temas antigos. Eu não teria uma proposta. O Brasil, bem ou mal, está com o desemprego baixo. Talvez não seja um tema tão urgente quanto o da reforma tributária.

E além da reforma tributária, há outra reforma prioritária?

Sim. Toda a política externa do Brasil precisa ser repensada. Essa estranha predileção por parcerias e aproximações com regimes autoritários, como Cuba e outros exóticos, não tem trazido nenhum benefício ao Brasil. Não quero dizer que o Brasil não precisa ter um diálogo com todo mundo, com a Venezuela, por exemplo. Mas o Brasil precisa se engatar nas grandes locomotivas mundiais. Esse é um ponto muito importante. Já não é de hoje que vejo com muita preocupação a posição do Brasil no ranking do Banco Mundial chamado Doing Business. É um ranking de ambiente de negócios e o Brasil está lá embaixo na classificação. Não me lembro exatamente a posição, mas sei que ele está lá atrás. Eu penso que o Brasil poderia tratar de todas essas dimensões.

Em termos de política externa, o que deveria ser feito?

Como a maioria dos economistas, tenho muita simpatia por acordos multilaterais. Mas esse front não tem avançado. Quem sabe agora, com o embaixador Roberto Azevêdo (diplomata brasileiro, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, a OMC), as coisas comecem a andar. Ele começou muito bem. Mas é uma tarefa muito difícil. O Brasil precisa estar preparado para entrar nela e ter, claro, do outro lado, uma costura igualmente aberta. A própria postura dos Estados Unidos tem sido difícil em temas como o setor agrícola e o antidumping. Esse é um caminho. Mas, na prática, em paralelo à OMC, a maioria dos países tem feito acordos bilaterais e regionais. O Brasil precisa avançar nesse direção. Primeiro, imagino, com a Europa, que já está pipeline (expressão em inglês que significa roteiro) há algum tempo. Eventualmente, poderíamos pensar algo com Estados Unidos e China. Talvez seja necessário repensar o Mercosul também. Especialistas acreditam que o Brasil, a essa altura, poderia transformar a união aduaneira num tratado de livre comércio. Tenho simpatia pela ideia.

O sr. é a favor da autonomia do Banco Central?

Sou. E sou porque, na prática, é o que os governos tendem a fazer na maior parte do mundo. Eu gosto de usar a nomenclatura "autonomia operacional". Ou seja: a definição das metas ficaria com o governo e, claro, deveriam ser metas de longo prazo para não ficarem expostas aos ventos do círculo político. Mas o governo preservaria esse direito. Isso significa ter mandatos para os dirigentes do Banco Central. Claro que se houvesse problemas na atuação, se não estiverem cumprindo os seus objetivos, o governo, no limite, poderia pedir ao Senado a remoção de quem for, inclusive do presidente. Esse é um sistema bem testado e requer um Banco Central transparente. Mas, hoje, ninguém questiona isso. Eu passei pelo Banco Central e posso garantir: uma das grandes vantagens do modelo de metas da inflação é justamente a interação com os analistas, os economistas, os consultores que trabalham, no fundo, de graça para o Banco Central. O Banco Central apresenta suas ideias, explica o porque de suas ações e recebe as críticas, que são extremamente úteis. Funciona bem. Claro que precisa ser um sistema flexível, no sentido de o Banco Central poder e dever trabalhar para suavizar o ciclo econômico - é uma função clássica - e ser o guardião da estabilidade financeira. Esse seria o desenho. Eu creio que isso deva ser transformado em lei.

Na sua passagem pelo Banco Central, em 1999, o sistema de metas de inflação serviu como uma âncora. Nesse momento de transição, que o sr. descreve como difícil, o sistema de metas pode ser um âncora ou será preciso outra política?

O sistema de metas de inflação é muito bom, mas sozinho não chega lá - é preciso uma âncora fiscal. Foi o que aconteceu naquela época. Lembro muito bem do esforço fiscal, naquele momento muito maior e, em paralelo ao esforço de aumentar o saldo primário, houve também todo um trabalho que desembocou na Lei de Responsabilidade Fiscal. Nós que estávamos no governo na época já procurávamos cumprir. O projeto já havia sido apresentado e aquilo era uma bússola para o nosso trabalho. Sem o fiscal, o sistema de metas teria fracassado. Eu penso que a situação hoje é idêntica nesse sentido. O momento naquela época era mais turbulento, porque havia medo que a inflação voltasse a níveis elevados. Primeiro, as expectativas no início de 1999 eram muito dispersas, depois, muito elevadas, entre 20% e 50%. Nós tínhamos saídos de um ambiente hiperinflacionário, a duras penas. Antes do Plano Real, vários planos foram testados e deram errado. Havia um receito naquele momento: será que vai ser mais um caso como os outros? Felizmente, não foi. Mas foi preciso um esforço fiscal que, aliás, foi anunciado pelo presidente antes da eleição - isso é muito importante. Ele teve a coragem e o bom senso de pactuar isso com a sociedade e, depois, pôde fazer as coisas com toda a tranquilidade. De novo, eu repito o que disse para a situação de hoje: o custo para o ajuste é muito menor que o custo do não ajuste. Naquela época, as projeções para o crescimento do PIB eram menos 4% em janeiro de 1999. Depois, acabou sendo ligeiramente positivo - uma diferença de 4%. Eu sou a favor que as providências sejam tomadas.

Nessa reorganização, como ficam os repasses dos bancos públicos, como BNDES?

Esse é um daqueles temas. Eu penso que o trabalho dos bancos públicos carece de mais análise e transparência. Não existem estudos sobre o que o BNDES vem fazendo há décadas. Eu até conheço o trabalho do BNDES e creio que um estudo seria bastante interessante. Mas o BNDES vem se agigantando, fazendo empréstimos a taxas muito baixas, sem, ao meu ver, uma análise do impacto social desses programas, até para que se possa decidir se vale a pena continuar ou não. Carece de transparência. Minha impressão é que vai ser preciso fazer essa análise - e o papel do BNDES, a médio prazo, será menor. Não há muita dúvida. É preciso dizer que a maioria das atividades não precisa de subsídio. Eu já disse isso. Os empresários precisam ter um ambiente bom para trabalhar, mas não há necessidade de subsidiar. Até acho que os subsídios põem pressão na taxa de juros para o não favorecidos.

Qual seria o papel da indústria?

O papel da indústria é muito importante. É inegável que a nossa indústria vive um momento difícil. O ataque nessa questão precisa ser feito em várias frentes. Toda essa questão do Custo Brasil, da infraestrutura, da questão tributária faz parte da resposta, bem como a integração do País às cadeias globais. Eu penso que as lideranças empresariais - hoje muito bem representadas por pessoas como Pedro Passos (sócio da Natura e Presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que vêm revolucionando a maneira de pensar o setor - têm uma visão mais holística da coisa. Mas é inegável, também, que a evolução natural do desenvolvimento leva o setor de serviços a ficar maior do que o da indústria. Não há problema nisso. Às vezes, as pessoas pensam que só é bom o que elas podem pegar, mas não é assim. Só para citar um exemplo: há os serviços de saúde. Tem coisa mais importante do que a saúde? Vai ser natural: com o tempo, o setor de serviços vai ganhar mais espaço. O turismo, o entretenimento, a saúde, a educação. Mas está claro que a indústria precisa de uma atenção. Tem cura. O Brasil é grande. Não tenho medo nessa área, mas vejo muitas dificuldades.

O sr. viveu duas transições na prática - a de 1998 para 1999 e depois o final do governo de Fernando Henrique para o de Lula. Agora está no meio do debate de uma eventual transição. Há comparações entre os diferentes momentos?

Eu vivi outra transição. Fui diretor do Banco Central em 1991 e 1992. Fiz parte da segunda equipe econômica do governo Collor (ex-presidente Fernando Collor de Mello) para criar as condições de estabilização. Foi uma tremenda encrenca aquela época. Eu acho que faz parte do processo de amadurecimento. Se eu puder colaborar, estou disposto. Desde que haja - e no caso do meu relacionamento com o senador Aécio há - um alinhamento muito grande de visões de sociedade, de governo. É uma visão genuinamente progressista e eficiente, que tem capacidade de entregar resultado. Eu fiquei muito contente quando ele me procurou.

E faz quanto tempo?

Eu o conheço há mais de 20 anos. Não foi uma coisa da noite para o dia. Mas a conversa começou em janeiro de 2013 e se aprofundou nos últimos meses. De novo: eu estou mais na estratégia do que na prática. Não faço parte da campanha. No momento, eu não posso e não é isso que ele espera de mim. Mas, eventualmente, se ele tiver sucesso - e eu acredito que terá - eu estou a disposição.

Como sr. está vendo o cenário eleitoral?

Muita água ainda vai correr. Há um clara insatisfação com o que se tem hoje. Há espaço para a mudança. Eu espero que isso aconteça - não vou esconder as minhas preferências que são óbvias a essa altura -, mas penso que seria bom, de qualquer maneira, que aconteça. Eu acredito no debate que acontece pela imprensa, mais no caderno econômico do que no de política, aqui no Brasil. O debate econômico é muito bom. Eu leio os jornais de outros países. O Brasil tem densidade nessa discussão. É preciso que essa densidade seja de alguma utilidade também para o debate político. Isso tudo pode ser muito bom, mesmo que seja o ano em que os governos costumam esticar um pouco acorda para se reelegerem.

Noruega, o país mais próspero do mundo


Em 100 anos, passou de um dos países mais pobres da Europa para ser sinônimo de riqueza e justiça social com um PIB per capita de US$ 100 mil

13 de abril de 2014 | 2h 08

Jamil Chade, enviado especial - O Estado de S.Paulo
TONSBERG - Como milhões de imigrantes pelo mundo, Simone Brannstrom decidiu deixar seu país em busca de uma vida melhor. Acabou encontrando trabalho num restaurante no Porto de Tonsberg, cerca de 100 quilômetros de Oslo, na Noruega. "Aqui ganho muito mais que em meu país", diz Simone. Mas ela não vem da África, do Sudeste Asiático ou de algum país empobrecido. Loira, de olhos azuis e sorriso fácil, Simone vem da Suécia, um dos países mais ricos do mundo. Ela e milhares de outros jovens suecos optaram nos últimos anos por cruzar a fronteira e trabalhar na Noruega, espécie de oásis regado a petróleo.
A Noruega foi o país que menos sentiu a crise europeia - Marius Fuskum/Divulgação
Marius Fuskum/Divulgação
A Noruega foi o país que menos sentiu a crise europeia
Quarenta anos depois da descoberta do petróleo no Mar do Norte, a Noruega conseguiu traduzir esse recurso natural em prosperidade e igualdade. Pela primeira vez em 2014, um país terá um Produto Interno Bruto per capita acima de US$ 100 mil e, segundo a ONU, jamais uma sociedade atingiu nível de desenvolvimento humano igual ao de Oslo. O salário mínimo é de 4,8 mil, cerca de R$ 14 mil, o desemprego é de 2% e, mesmo em uma era de austeridade, o sistema do bem-estar social se manteve intacto.
A Noruega foi um dos poucos países a atravessar a crise global sem grandes impactos e, nas últimas eleições, o único debate era o que fazer com o dinheiro que sobra nos cofres públicos.
Ao contrário do que o petróleo causou no Oriente Médio ou Venezuela, o dinheiro desse recurso natural foi administrado de forma a criar uma situação inédita. Em 100 anos, a Noruega deixou de ser um dos países mais pobres da Europa, convivendo com o gelo e a escuridão por metade do ano, para se transformar em sinônimo de riqueza e justiça social. 
"Para muitos países, a descoberta do petróleo foi um problema. Mas nós conseguimos administrá-lo bem", declarou ao Estado Erling Holmoy, chefe da divisão de Estatísticas do governo da Noruega.
As contas demonstram isso. O país tem o maior fundo soberano do planeta, estimado em US$ 815 bilhões e os cofres do Estado estão abarrotados. O Estado norueguês comprou 1% de ações em bolsas de todo o mundo, investe em 3,2 mil empresas e, com apenas metade de seu superávit, poderia quitar as dívidas da Grécia. "A realidade é que estamos nadando em dinheiro", declarou Frode Rekve, que comanda o Instituto Norueguês de Mídia.
Hoje, a renda gerada pelo petróleo chega a US$ 40 bilhões por ano ao Estado. Um a cada três dólares obtidos pelas autoridades em Oslo vem do subsolo marinho. Mais da metade das exportações vem do setor de energia e o país já é o oitavo maior exportador mundial. Em termos per capita, a produção de barris na Noruega chega a ser superior à da Arábia Saudita.
Independente apenas desde 1905, a Noruega rejeitou em duas votações nos últimos 40 anos a ideia de fazer parte da União Europeia.
Estatais. Mas o modelo norueguês também tem outro componente: a forte presença do Estado em praticamente todos os campos da economia. Segundo especialistas, essa tendência começou depois da 2.ª Guerra Mundial, quando o governo nacionalizou empresas ligadas à Alemanha. Assim, o Estado ficou com 44% das ações da Norsk Hydro, tem participação de 37% na Bolsa de Valores de Oslo e em dezenas de empresas.
O capitalismo de Estado fez com que economistas ironizassem a situação chinesa. Uma piada contada entre analistas aponta que, no fundo, o modelo desenvolvido pelo Partido Comunista Chinês nos últimos dez anos não passa de uma cópia do modelo norueguês existente há meio século. Hoje, o Estado controla a petroleira Statoil, o grupo de telecomunicações Telenor, a fabricante de fertilizantes Yara, e o maior banco do país, o DnBNor.
Os sinais de prosperidade podem ser vistos em qualquer segmento. No início do ano, o governo da Noruega inaugurou uma ponte que acabou com o isolamento de um vilarejo com 74 moradores, no centro do país. A obra custou US$ 20 milhões.
As contas positivas e o sentimento de que os recursos são de todos também transformaram a maneira pela qual empregados e patrões negociam. Em Oslo, nada é como no resto do mundo. Os sindicatos, por exemplo, negociam a cada ano seus salários, dependendo das necessidades do setor exportador e para garantir que o produto nacional continue competitivo no mercado global. Nas eleições, partidos prometem não cortar impostos.
O sistema de bem-estar social permite que os homens cuidem de seus bebês e, a cada ano, o governo destina 2,8% do PIB para apoiar famílias em tudo que precisam para ter filhos. Mesmo aqueles que decidem não levar as crianças para creches recebem, a cada mês, um cheque de 200 para ajudar nos gastos.
A lei estabelece uma licença-maternidade de nove meses para a mãe, mas também quatro meses de licença para os pais. Nesses meses, quem paga o salário dos pais é o Estado. No ano passado, dois ministros do governo chegaram a se afastar de seus cargos pelo prazo determinado em lei, justamente para cuidarem de suas crianças.
Na avaliação do governo, esse incentivo para as mulheres e leis para garantir a igualdade de gênero são positivas para a economia. Hoje, empresas são obrigadas a dar 40% das vagas em seus conselhos para mulheres. Setenta e cinco por cento delas trabalham fora e, para o governo, isso representa maior atividade na economia e um número maior de pessoas pagando impostos.
Em recente entrevista ao New York Times, o primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, foi taxativo. "A lição da Noruega é a participação feminina na economia. Isso ajuda no crescimento, nas taxas de natalidade e no orçamento", declarou.
O imposto de renda é elevado, atingindo 42%. Mas existe um consenso de que o valor é justo para manter o sistema e que, de uma certa forma, tudo é devolvido em serviços. O Estado paga do berçário ao enterro, financia estudantes e até banca férias.

sábado, 12 de abril de 2014

SP paralisa projeto de frota ecológica de ônibus


Por causa de problemas de desempenho e dúvidas sobre viabilidade, compra de tecnologias de substituição de veículos comuns está suspensa

12 de abril de 2014 | 3h 00

Bruno Ribeiro - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Problemas técnicos e financeiros paralisaram o programa Ecofrota da Prefeitura. A proposta era substituir a matriz energética dos ônibus municipais, retirando o diesel comum para dar lugar a fontes mais limpas. Dúvidas por parte dos engenheiros da São Paulo Transporte (SPTrans), no entanto, suspenderam a compra de tecnologias que permitiriam a mudança. Além disso, o repasse de verbas para subsidiar esses combustíveis também está suspenso.
Por causa da Lei de Mudanças Climáticas de São Paulo, aprovada em 2009, a cidade tem de usar uma fonte de energia renovável em 100% de sua frota de ônibus até 2018. A Ecofrota deveria descobrir a melhor maneira de fazer isso, tanto do ponto de vista técnico (o desempenho dos ônibus não poderia piorar) quanto econômico (a solução escolhida teria de caber no bolso da SPTrans, que já precisa de R$ 6 bilhões por ano para fazer a frota rodar).
Mas isso não ocorreu até agora, uma vez que nenhum dos objetivos foi alcançado. A exceção é a frota elétrica, de trólebus, que liga alguns bairros ao centro, mas cuja expansão dependeria de ampliação da rede de alimentação aérea. A SPTrans, no entanto, afirma que vai encontrar a solução dentro do prazo determinado na lei.
Uma das concessionárias de ônibus da zona leste da cidade havia saído na frente, já em 2011, passando a usar ônibus com biodiesel. Ela chegou a ter 1.200 ônibus rodando com esse combustível. Mas teve de conviver com problemas como corrosão de motores e perdas de desempenho. Ainda no primeiro semestre do ano passado, a empresa deixou de usar o combustível nas ruas.
Composição. O biodiesel é usado em uma proporção de 20% a cada litro de diesel comum abastecido no ônibus, com custo 18% mais alto do que o combustível comum. A compra era subsidiada pela Prefeitura - assim como as demais alternativas que são estudadas. Neste ano, a empresa tentou voltar a usar a fonte alternativa. Mas aí foi a vez de a Prefeitura não pagar o valor extra.
"Temos dúvidas do ponto de vista técnico se essa alternativa é a que melhor se adapta às exigências da legislação", diz o diretor econômico-financeiro da SPTrans, Adalto Farias.
"Neste momento, a questão financeira é quase que uma das últimas. Nosso pessoal de engenharia não tem claro se o B20 é a solução para o que preconiza a lei de mudanças climáticas", continua. "Entre os que atendem integralmente à lei, temos o combustível elétrico e o Amyris (diesel de cana). Mas o Amyris tem dois problemas. O litro custa R$ 7 e a indústria, hoje, não tem capacidade para atender às demandas", completa.
O diretor afirma que a SPTrans deve primeiro definir uma matriz para fazer os investimentos no setor. "Com o biodiesel, gastávamos R$ 2 milhões por mês. Se fosse atender a frota inteira, seria R$ 350 milhões. É preciso definir a matriz antes de fazer esse gasto." Mas não há prazo para resolver o problema.
Saúde. O médico Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, diz que 40% da poluição da cidade vem do diesel. "Os gastos feitos na redução das emissões se revertem em economia na área da saúde."