Em 100 anos, passou de um dos países mais pobres da Europa para ser sinônimo de riqueza e justiça social com um PIB per capita de US$ 100 mil
13 de abril de 2014 | 2h 08
Jamil Chade, enviado especial - O Estado de S.Paulo
TONSBERG - Como milhões de imigrantes pelo mundo, Simone Brannstrom decidiu deixar seu país em busca de uma vida melhor. Acabou encontrando trabalho num restaurante no Porto de Tonsberg, cerca de 100 quilômetros de Oslo, na Noruega. "Aqui ganho muito mais que em meu país", diz Simone. Mas ela não vem da África, do Sudeste Asiático ou de algum país empobrecido. Loira, de olhos azuis e sorriso fácil, Simone vem da Suécia, um dos países mais ricos do mundo. Ela e milhares de outros jovens suecos optaram nos últimos anos por cruzar a fronteira e trabalhar na Noruega, espécie de oásis regado a petróleo.
Marius Fuskum/Divulgação
A Noruega foi o país que menos sentiu a crise europeia
Quarenta anos depois da descoberta do petróleo no Mar do Norte, a Noruega conseguiu traduzir esse recurso natural em prosperidade e igualdade. Pela primeira vez em 2014, um país terá um Produto Interno Bruto per capita acima de US$ 100 mil e, segundo a ONU, jamais uma sociedade atingiu nível de desenvolvimento humano igual ao de Oslo. O salário mínimo é de 4,8 mil, cerca de R$ 14 mil, o desemprego é de 2% e, mesmo em uma era de austeridade, o sistema do bem-estar social se manteve intacto.
A Noruega foi um dos poucos países a atravessar a crise global sem grandes impactos e, nas últimas eleições, o único debate era o que fazer com o dinheiro que sobra nos cofres públicos.
Ao contrário do que o petróleo causou no Oriente Médio ou Venezuela, o dinheiro desse recurso natural foi administrado de forma a criar uma situação inédita. Em 100 anos, a Noruega deixou de ser um dos países mais pobres da Europa, convivendo com o gelo e a escuridão por metade do ano, para se transformar em sinônimo de riqueza e justiça social.
"Para muitos países, a descoberta do petróleo foi um problema. Mas nós conseguimos administrá-lo bem", declarou ao Estado Erling Holmoy, chefe da divisão de Estatísticas do governo da Noruega.
As contas demonstram isso. O país tem o maior fundo soberano do planeta, estimado em US$ 815 bilhões e os cofres do Estado estão abarrotados. O Estado norueguês comprou 1% de ações em bolsas de todo o mundo, investe em 3,2 mil empresas e, com apenas metade de seu superávit, poderia quitar as dívidas da Grécia. "A realidade é que estamos nadando em dinheiro", declarou Frode Rekve, que comanda o Instituto Norueguês de Mídia.
Hoje, a renda gerada pelo petróleo chega a US$ 40 bilhões por ano ao Estado. Um a cada três dólares obtidos pelas autoridades em Oslo vem do subsolo marinho. Mais da metade das exportações vem do setor de energia e o país já é o oitavo maior exportador mundial. Em termos per capita, a produção de barris na Noruega chega a ser superior à da Arábia Saudita.
Independente apenas desde 1905, a Noruega rejeitou em duas votações nos últimos 40 anos a ideia de fazer parte da União Europeia.
Estatais. Mas o modelo norueguês também tem outro componente: a forte presença do Estado em praticamente todos os campos da economia. Segundo especialistas, essa tendência começou depois da 2.ª Guerra Mundial, quando o governo nacionalizou empresas ligadas à Alemanha. Assim, o Estado ficou com 44% das ações da Norsk Hydro, tem participação de 37% na Bolsa de Valores de Oslo e em dezenas de empresas.
O capitalismo de Estado fez com que economistas ironizassem a situação chinesa. Uma piada contada entre analistas aponta que, no fundo, o modelo desenvolvido pelo Partido Comunista Chinês nos últimos dez anos não passa de uma cópia do modelo norueguês existente há meio século. Hoje, o Estado controla a petroleira Statoil, o grupo de telecomunicações Telenor, a fabricante de fertilizantes Yara, e o maior banco do país, o DnBNor.
Os sinais de prosperidade podem ser vistos em qualquer segmento. No início do ano, o governo da Noruega inaugurou uma ponte que acabou com o isolamento de um vilarejo com 74 moradores, no centro do país. A obra custou US$ 20 milhões.
As contas positivas e o sentimento de que os recursos são de todos também transformaram a maneira pela qual empregados e patrões negociam. Em Oslo, nada é como no resto do mundo. Os sindicatos, por exemplo, negociam a cada ano seus salários, dependendo das necessidades do setor exportador e para garantir que o produto nacional continue competitivo no mercado global. Nas eleições, partidos prometem não cortar impostos.
O sistema de bem-estar social permite que os homens cuidem de seus bebês e, a cada ano, o governo destina 2,8% do PIB para apoiar famílias em tudo que precisam para ter filhos. Mesmo aqueles que decidem não levar as crianças para creches recebem, a cada mês, um cheque de 200 para ajudar nos gastos.
A lei estabelece uma licença-maternidade de nove meses para a mãe, mas também quatro meses de licença para os pais. Nesses meses, quem paga o salário dos pais é o Estado. No ano passado, dois ministros do governo chegaram a se afastar de seus cargos pelo prazo determinado em lei, justamente para cuidarem de suas crianças.
Na avaliação do governo, esse incentivo para as mulheres e leis para garantir a igualdade de gênero são positivas para a economia. Hoje, empresas são obrigadas a dar 40% das vagas em seus conselhos para mulheres. Setenta e cinco por cento delas trabalham fora e, para o governo, isso representa maior atividade na economia e um número maior de pessoas pagando impostos.
Em recente entrevista ao New York Times, o primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, foi taxativo. "A lição da Noruega é a participação feminina na economia. Isso ajuda no crescimento, nas taxas de natalidade e no orçamento", declarou.
O imposto de renda é elevado, atingindo 42%. Mas existe um consenso de que o valor é justo para manter o sistema e que, de uma certa forma, tudo é devolvido em serviços. O Estado paga do berçário ao enterro, financia estudantes e até banca férias.