sábado, 15 de março de 2014

Adiar o eSocial, por uma questão de justiça - SÉRGIO APPROBATO MACHADO JÚNIOR (pauta AL)

Adiar o eSocial, por uma questão de justiça - SÉRGIO APPROBATO MACHADO JÚNIOR

O ESTADÃO - 15/03

O governo federal prepara-se para punir e multar perto de 95% das empresas brasileiras, especialmente as micro e pequenas, ao obrigar a implantação do Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) a partir de abril, primeiro para os produtores rurais. O cronograma prevê o avanço gradual do programa para todos os setores produtivos brasileiros até o fim do ano. O eSocial é o último lançamento do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que prevê a atuação integrada dos fiscos nas três esferas de governo, uniformização do processo de coleta de dados contábeis e fiscais e mais rápida a identificação de ilícitos tributários.

Nomes e objetivos pomposos, sem dúvida. Um cidadão de Primeiro Mundo que desembarcar agora no Brasil e se deparar com tamanhas obrigações na certa vai imaginar um país inteiro plenamente desenvolvido em todas as camadas sociais, altamente tecnológico de norte a sul e de leste a oeste. Claro, pode imaginar um sertanejo tocando seu pequeno gado, com a ajuda de um ou dois boiadeiros. E depois se sentando à frente do computador para cumprir suas obrigações fiscais, tributárias, previdenciárias, etc. Ora, nem a ficção iria tão longe.

É que a tecnoburocracia acha que pode eliminar todas as diferenças com simples golpes de caneta ou de teclado. Não é assim, a realidade exige pés no chão e sensibilidade para compreender a ameaça que agora paira sobre esse imenso universo das pequenas e microempresas, que representam 95% do setor produtivo brasileiro.

Não basta criar e desenvolver um projeto, ainda que com boas intenções. O importante é saber se pode ser aplicado e se o público-alvo está preparado para assimilar as inovações. Com tecnologia e recursos para bancá-lo. E aí começa o conflito que pode produzir mais injustiças aos menores empresários.

Na verdade, o projeto ainda não está maduro e não vislumbramos que até abril esteja capacitado a receber todas as informações solicitadas. Há pontos técnicos e práticos que necessitam de revisão e discussão com os usuários do sistema. As empresas de tecnologia da informação, por exemplo, ainda não conseguem preparar com a devida segurança softwares que atendam ao amplo mercado que se forma com a nova obrigatoriedade. A coisa é complexa demais para uniformizar todas as informações, principalmente na área trabalhista. Uma balbúrdia pode ser incluída no cenário. Além disso, há sérias dificuldades para que as pequenas e microempresas, organizações não governamentais e instituições filantrópicas se adaptem ao eSocial, pois em geral não têm setores especializados e integrados como as grandes corporações.

O bom senso exige que a implantação do sistema seja adiada. O governo tem o dever de anunciar amplamente esse programa ao País para que todas as empresas se preparem. Afinal, só ele tem meios de fazer uma campanha nacional, como faz com todos os ministérios. É de utilidade pública. Também deve abrir linhas de crédito para que os pequenos empresários possam adaptar-se.

De todo modo, amparadas oficialmente ou não, as empresas que se preparem o quanto antes. Haverá uma grande transformação cultural no setor empresarial, porque o sistema exigirá mudança de processos e de comportamento, além de uma boa gestão.

O que fica bem claro é que o governo cometeu com o eSocial o mesmo deslize ao lançar o Sped: reuniu apenas grandes corporações e simulou seus testes. Ora, sabemos que as grandes empresas estão devidamente preparadas, com departamentos específicos, para prestar as informações necessárias. Mas só as grandes corporações.

Mesmo assim, o eSocial apresenta falhas. Está programado para começar em abril, mas os técnicos ainda estão atualizando o sistema. Se nem os técnicos do governo estão convictos do acerto do sistema, o que dizer, então, de quem terá a obrigação de municiá-lo?

Mas esse universo é ainda mais complexo. Neste país de quase 6 mil municípios, grande parte nem dispõe de banda larga, usa a conexão discada. Não é preciso buscar muito longe na memória para compreender o suplício. Mesmo numa cidade como São Paulo, o contribuinte às vezes tenta acessar o site da Prefeitura e o encontra travado. Nem santo ajuda para emitir uma simples nota fiscal eletrônica.

A dificuldade maior está na complexidade do sistema fiscal e tributário, esse dramático novelo da legislação brasileira. Hoje a maioria dos empresários (e os "criadores" oficiais devem saber que empresas funcionam também nos rincões do País) nem foi informada de que este ano terá de se submeter ao eSocial.

Fato é que, como sempre, o sistema prevê multas para as empresas que mandarem informações erradas ou atrasadas. Pobres empresas essas, que mal conseguem manter-se de pé e terão de agora em diante mais um obstáculo a ultrapassar. Sabemos que, de cada cem empresas abertas no Brasil, 48 encerraram suas atividades em até três anos, segundo pesquisa do IBGE.

A esperança dos profissionais contábeis é de que o governo tenha sensibilidade para adiar o projeto. O ministro Guilherme Afif Domingos, das Micro e Pequenas Empresas, é sensível às necessidades e aos reclamos desses empreendedores. E poderá convencer as áreas envolvidas a aprimorar todos os processos que compõem o eSocial. Com mais tempo, sem essa aflição que mais parece fome arrecadatória.

Afinal, se o governo nos repassou a tarefa de fiscalizarmos a nós mesmos, nada mais justo do que termos alguns benefícios, entre eles o de entender melhor esses labirintos maquiavélicos. Pois é disto que se trata: com o advento do eSocial, vamos todos trabalhar para a máquina governamental.

“Cuidado com os idos de março” - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 15/03

Não é sempre assim: mas neste momento, por casualidade ou causalidade, por força do destino, caprichos do calendário ou da história, o passado impõe-se ao presente, o presente aviva o passado e, cúmplices, nos remetem a um antigo futuro, um porvir agourento já passado. Mas não esquecido.

Em 15 de março, há 2.058 anos (44 a.C.), em Roma, o recém-consagrado Júlio César foi assassinado com 23 facadas desfechadas por alguns dos 60 conspiradores que desejavam livrar-se dele. Um deles, seu amigo Brutus, reconhecido pela vítima antes de morrer, mereceu um lamento que William Shakespeare imortalizou na sua tragédia: “Até tu, Brutus?”

A caminho do Senado, um adivinho o advertira para cuidar-se com os idos de março. Confiante na sua força, César não deu atenção. No calendário romano da época, os idos eram os dias 15 de março, maio, julho e outubro (nos demais meses caía no dia 13). Dias fatídicos abominados por bruxas, videntes ou simples mortais sensíveis às tenebrosas armações do fado.

Março de 1964 marca o início de uma escalada que culminou em 1.º de abril, com a quartelada que derrubou o presidente eleito, João Goulart, e instalou uma sangrenta ditadura militar. Marca também as primeiras batidas surdas de uma tragédia – a maior da nossa história – que se abateu sobre o país nos 21 anos seguintes.

Meio século depois, a força da efeméride nos remete a um tétrico tique-taque cronometrado a partir da sexta-feira, 13 de março, quando, diante da estação ferroviária da Central do Brasil, no Centro do Rio, realizou-se a primeira das gigantescas manifestações populares para forçar o Congresso a aprovar as Reformas de Base propostas por Jango. Não houve outros comícios.

Não cabe aqui a rememoração completa da insana escalada; ela ocorre nas estantes das livrarias e sebos, nos especiais da tevê, na tela dos cinemas, nas páginas de jornais e revistas, nas redes sociais, blogs e portais. Armazenada na memória e nas nuvens.

O imperioso reencontro com o tempo, porém, não deve condicionar-se ao calendário. O antes e o depois são convenções, na vida e na história não há interrupções – tudo se relaciona, se encaixa e se conjuga. Fixados apenas em datas e esquecidos dos intervalos e contextos, estaremos aceitando passivamente a fragmentação e a pulverização que hoje dominam a produção e a difusão do conhecimento.

A conjuntura nacional e internacional favorece a exacerbação, as fúrias, os ajustes de contas. Ignorância e a compulsão linchadora não ajudam a esclarecer. Só confundem, ludibriam. A sede por justiça impõe, antes de tudo, um empenho em buscar a exatidão e, no seu decorrer, a aplicação das penas e sanções previstas em lei. O reencontro com a verdade, sereno, inflexível, é, em si, castigo ou prêmio.

É preciso não esquecer que vivemos uma tragédia; a fase seguinte, a catarse, só se consumará quando fúrias e demônios forem expurgados. Os vaticínios dos idos de março de 1964 só conseguiram materializar-se por causa do ódio. Na ocasião, nossos radares espirituais estavam embaçados, incapazes de identificar a catástrofe.

Faltou à maioria aquele sentimento trágico da vida de que falava Unamuno – a percepção do abismo, a aproximação veloz do desenlace e da ruína. Faltou, talvez, ler Shakespeare.

Os desafios do varejo - RÔMULO DE MELLO DIAS (década do varejo)


O ESTADÃO - 15/03

Nos dois anos que se seguiram à eclosão da crise global de 2008, o Brasil tornou-se o mercado preferido de analistas e investidores do mundo todo. Um dos efeitos desse movimento foi a expressiva valorização do real em relação a outras moedas. No início de março de 2010, o dólar americano, por exemplo, valia R$ 1,76, ante os cerca de R$ 2,40 de hoje. A quase euforia foi perdendo fôlego até se transformar numa enorme onda de pessimismo nos últimos meses.

A realidade da economia brasileira provavelmente está em algum ponto entre essas duas visões. Se, lá atrás, não havia justificativas para que fôssemos o "queridinho" dos mercados, tampouco existem hoje elementos para tamanho descrédito no potencial da sétima maior economia do planeta.

Tomemos como exemplo o comércio varejista, que segue como principal motor do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Segundo o IBGE, as vendas do setor cresceram, em média, 5,3% ao ano de 2001 a 2013. O desempenho é bem superior ao de outros países emergentes. O México, hoje um dos preferidos dos investidores internacionais, viu seu varejo crescer num ritmo anual de apenas 2,2% no mesmo período. Nos EUA, que sempre são parâmetro respeitável quando se trata de consumo, o varejo se expandiu 4,6% ao ano no mesmo intervalo de tempo.

Especificamente em 2013, o comércio varejista brasileiro teve alta real de 5,7% em receita de vendas, de acordo com o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), criado pela Cielo e obtido por meio das transações efetuadas nas plataformas de pagamento da companhia. Para os próximos anos, o foco desse crescimento deverá estar em regiões fora do eixo das grandes capitais, conforme indica tendência apurada também pelo ICVA. No ano passado, Estados das Regiões Norte e Nordeste, como Amapá e Piauí, foram os que apresentaram maior crescimento nominal do varejo, ambos com 21,2% em termos nominais.

O bom desempenho dos últimos anos não significa, evidentemente, que o céu será sempre livre de nuvens. O varejo, como de resto toda a economia brasileira, precisa superar uma série de desafios para se manter em alta. Em termos conjunturais, os recentes ajustes para cima na política monetária encarecem o custo do crédito, impondo um obstáculo para a manutenção dos bons níveis de demanda por empréstimos e financiamentos e, por tabela, para a expansão do mercado doméstico.

Também não se pode desprezar a alta do dólar, cuja valorização diante do real impacta diretamente os preços de muitos produtos que compõem a cesta de consumo de todas as classes sociais. Nos últimos anos, a participação dos importados no consumo dos brasileiros cresceu fortemente, alcançando o recorde de 21,8% em 2013, segundo estudo conduzido pela Funcex em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Saindo da esfera do varejo, o panorama é semelhante. Reduzir a inflação para o centro da meta de 4,5% ao ano é um desafio que já mobiliza o Banco Central. Mas os recentes aumentos da taxa básica de juros (Selic) ainda levarão tempo para surtir o efeito desejado. Na política fiscal, a despeito do compromisso assumido pelo governo federal com um superávit primário de 1,9% do PIB em 2014, ainda restam dúvidas entre investidores e analistas se esse nível de poupança pública será atingido num ano eleitoral. Por fim, não se pode esquecer do ambiente global ainda instável, com importantes incertezas em relação à performance das duas maiores economias do planeta, EUA e China.

Nesse cenário, o empresário e o lojista têm de apurar o faro para superar os desafios e aproveitar as boas chances que ainda estão no horizonte. O comércio varejista brasileiro permanece forte a ponto de muitos especialistas classificarem esta década como "a década do varejo". Na pior hipótese, deveremos assistir a uma desaceleração do crescimento do setor. Prova de que, apesar dos obstáculos, não há um desvio de rota.