Adiar o eSocial, por uma questão de justiça - SÉRGIO APPROBATO MACHADO JÚNIOR
O ESTADÃO - 15/03
O governo federal prepara-se para punir e multar perto de 95% das empresas brasileiras, especialmente as micro e pequenas, ao obrigar a implantação do Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) a partir de abril, primeiro para os produtores rurais. O cronograma prevê o avanço gradual do programa para todos os setores produtivos brasileiros até o fim do ano. O eSocial é o último lançamento do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que prevê a atuação integrada dos fiscos nas três esferas de governo, uniformização do processo de coleta de dados contábeis e fiscais e mais rápida a identificação de ilícitos tributários.
Nomes e objetivos pomposos, sem dúvida. Um cidadão de Primeiro Mundo que desembarcar agora no Brasil e se deparar com tamanhas obrigações na certa vai imaginar um país inteiro plenamente desenvolvido em todas as camadas sociais, altamente tecnológico de norte a sul e de leste a oeste. Claro, pode imaginar um sertanejo tocando seu pequeno gado, com a ajuda de um ou dois boiadeiros. E depois se sentando à frente do computador para cumprir suas obrigações fiscais, tributárias, previdenciárias, etc. Ora, nem a ficção iria tão longe.
É que a tecnoburocracia acha que pode eliminar todas as diferenças com simples golpes de caneta ou de teclado. Não é assim, a realidade exige pés no chão e sensibilidade para compreender a ameaça que agora paira sobre esse imenso universo das pequenas e microempresas, que representam 95% do setor produtivo brasileiro.
Não basta criar e desenvolver um projeto, ainda que com boas intenções. O importante é saber se pode ser aplicado e se o público-alvo está preparado para assimilar as inovações. Com tecnologia e recursos para bancá-lo. E aí começa o conflito que pode produzir mais injustiças aos menores empresários.
Na verdade, o projeto ainda não está maduro e não vislumbramos que até abril esteja capacitado a receber todas as informações solicitadas. Há pontos técnicos e práticos que necessitam de revisão e discussão com os usuários do sistema. As empresas de tecnologia da informação, por exemplo, ainda não conseguem preparar com a devida segurança softwares que atendam ao amplo mercado que se forma com a nova obrigatoriedade. A coisa é complexa demais para uniformizar todas as informações, principalmente na área trabalhista. Uma balbúrdia pode ser incluída no cenário. Além disso, há sérias dificuldades para que as pequenas e microempresas, organizações não governamentais e instituições filantrópicas se adaptem ao eSocial, pois em geral não têm setores especializados e integrados como as grandes corporações.
O bom senso exige que a implantação do sistema seja adiada. O governo tem o dever de anunciar amplamente esse programa ao País para que todas as empresas se preparem. Afinal, só ele tem meios de fazer uma campanha nacional, como faz com todos os ministérios. É de utilidade pública. Também deve abrir linhas de crédito para que os pequenos empresários possam adaptar-se.
De todo modo, amparadas oficialmente ou não, as empresas que se preparem o quanto antes. Haverá uma grande transformação cultural no setor empresarial, porque o sistema exigirá mudança de processos e de comportamento, além de uma boa gestão.
O que fica bem claro é que o governo cometeu com o eSocial o mesmo deslize ao lançar o Sped: reuniu apenas grandes corporações e simulou seus testes. Ora, sabemos que as grandes empresas estão devidamente preparadas, com departamentos específicos, para prestar as informações necessárias. Mas só as grandes corporações.
Mesmo assim, o eSocial apresenta falhas. Está programado para começar em abril, mas os técnicos ainda estão atualizando o sistema. Se nem os técnicos do governo estão convictos do acerto do sistema, o que dizer, então, de quem terá a obrigação de municiá-lo?
Mas esse universo é ainda mais complexo. Neste país de quase 6 mil municípios, grande parte nem dispõe de banda larga, usa a conexão discada. Não é preciso buscar muito longe na memória para compreender o suplício. Mesmo numa cidade como São Paulo, o contribuinte às vezes tenta acessar o site da Prefeitura e o encontra travado. Nem santo ajuda para emitir uma simples nota fiscal eletrônica.
A dificuldade maior está na complexidade do sistema fiscal e tributário, esse dramático novelo da legislação brasileira. Hoje a maioria dos empresários (e os "criadores" oficiais devem saber que empresas funcionam também nos rincões do País) nem foi informada de que este ano terá de se submeter ao eSocial.
Fato é que, como sempre, o sistema prevê multas para as empresas que mandarem informações erradas ou atrasadas. Pobres empresas essas, que mal conseguem manter-se de pé e terão de agora em diante mais um obstáculo a ultrapassar. Sabemos que, de cada cem empresas abertas no Brasil, 48 encerraram suas atividades em até três anos, segundo pesquisa do IBGE.
A esperança dos profissionais contábeis é de que o governo tenha sensibilidade para adiar o projeto. O ministro Guilherme Afif Domingos, das Micro e Pequenas Empresas, é sensível às necessidades e aos reclamos desses empreendedores. E poderá convencer as áreas envolvidas a aprimorar todos os processos que compõem o eSocial. Com mais tempo, sem essa aflição que mais parece fome arrecadatória.
Afinal, se o governo nos repassou a tarefa de fiscalizarmos a nós mesmos, nada mais justo do que termos alguns benefícios, entre eles o de entender melhor esses labirintos maquiavélicos. Pois é disto que se trata: com o advento do eSocial, vamos todos trabalhar para a máquina governamental.
O governo federal prepara-se para punir e multar perto de 95% das empresas brasileiras, especialmente as micro e pequenas, ao obrigar a implantação do Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) a partir de abril, primeiro para os produtores rurais. O cronograma prevê o avanço gradual do programa para todos os setores produtivos brasileiros até o fim do ano. O eSocial é o último lançamento do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que prevê a atuação integrada dos fiscos nas três esferas de governo, uniformização do processo de coleta de dados contábeis e fiscais e mais rápida a identificação de ilícitos tributários.
Nomes e objetivos pomposos, sem dúvida. Um cidadão de Primeiro Mundo que desembarcar agora no Brasil e se deparar com tamanhas obrigações na certa vai imaginar um país inteiro plenamente desenvolvido em todas as camadas sociais, altamente tecnológico de norte a sul e de leste a oeste. Claro, pode imaginar um sertanejo tocando seu pequeno gado, com a ajuda de um ou dois boiadeiros. E depois se sentando à frente do computador para cumprir suas obrigações fiscais, tributárias, previdenciárias, etc. Ora, nem a ficção iria tão longe.
É que a tecnoburocracia acha que pode eliminar todas as diferenças com simples golpes de caneta ou de teclado. Não é assim, a realidade exige pés no chão e sensibilidade para compreender a ameaça que agora paira sobre esse imenso universo das pequenas e microempresas, que representam 95% do setor produtivo brasileiro.
Não basta criar e desenvolver um projeto, ainda que com boas intenções. O importante é saber se pode ser aplicado e se o público-alvo está preparado para assimilar as inovações. Com tecnologia e recursos para bancá-lo. E aí começa o conflito que pode produzir mais injustiças aos menores empresários.
Na verdade, o projeto ainda não está maduro e não vislumbramos que até abril esteja capacitado a receber todas as informações solicitadas. Há pontos técnicos e práticos que necessitam de revisão e discussão com os usuários do sistema. As empresas de tecnologia da informação, por exemplo, ainda não conseguem preparar com a devida segurança softwares que atendam ao amplo mercado que se forma com a nova obrigatoriedade. A coisa é complexa demais para uniformizar todas as informações, principalmente na área trabalhista. Uma balbúrdia pode ser incluída no cenário. Além disso, há sérias dificuldades para que as pequenas e microempresas, organizações não governamentais e instituições filantrópicas se adaptem ao eSocial, pois em geral não têm setores especializados e integrados como as grandes corporações.
O bom senso exige que a implantação do sistema seja adiada. O governo tem o dever de anunciar amplamente esse programa ao País para que todas as empresas se preparem. Afinal, só ele tem meios de fazer uma campanha nacional, como faz com todos os ministérios. É de utilidade pública. Também deve abrir linhas de crédito para que os pequenos empresários possam adaptar-se.
De todo modo, amparadas oficialmente ou não, as empresas que se preparem o quanto antes. Haverá uma grande transformação cultural no setor empresarial, porque o sistema exigirá mudança de processos e de comportamento, além de uma boa gestão.
O que fica bem claro é que o governo cometeu com o eSocial o mesmo deslize ao lançar o Sped: reuniu apenas grandes corporações e simulou seus testes. Ora, sabemos que as grandes empresas estão devidamente preparadas, com departamentos específicos, para prestar as informações necessárias. Mas só as grandes corporações.
Mesmo assim, o eSocial apresenta falhas. Está programado para começar em abril, mas os técnicos ainda estão atualizando o sistema. Se nem os técnicos do governo estão convictos do acerto do sistema, o que dizer, então, de quem terá a obrigação de municiá-lo?
Mas esse universo é ainda mais complexo. Neste país de quase 6 mil municípios, grande parte nem dispõe de banda larga, usa a conexão discada. Não é preciso buscar muito longe na memória para compreender o suplício. Mesmo numa cidade como São Paulo, o contribuinte às vezes tenta acessar o site da Prefeitura e o encontra travado. Nem santo ajuda para emitir uma simples nota fiscal eletrônica.
A dificuldade maior está na complexidade do sistema fiscal e tributário, esse dramático novelo da legislação brasileira. Hoje a maioria dos empresários (e os "criadores" oficiais devem saber que empresas funcionam também nos rincões do País) nem foi informada de que este ano terá de se submeter ao eSocial.
Fato é que, como sempre, o sistema prevê multas para as empresas que mandarem informações erradas ou atrasadas. Pobres empresas essas, que mal conseguem manter-se de pé e terão de agora em diante mais um obstáculo a ultrapassar. Sabemos que, de cada cem empresas abertas no Brasil, 48 encerraram suas atividades em até três anos, segundo pesquisa do IBGE.
A esperança dos profissionais contábeis é de que o governo tenha sensibilidade para adiar o projeto. O ministro Guilherme Afif Domingos, das Micro e Pequenas Empresas, é sensível às necessidades e aos reclamos desses empreendedores. E poderá convencer as áreas envolvidas a aprimorar todos os processos que compõem o eSocial. Com mais tempo, sem essa aflição que mais parece fome arrecadatória.
Afinal, se o governo nos repassou a tarefa de fiscalizarmos a nós mesmos, nada mais justo do que termos alguns benefícios, entre eles o de entender melhor esses labirintos maquiavélicos. Pois é disto que se trata: com o advento do eSocial, vamos todos trabalhar para a máquina governamental.