quarta-feira, 5 de março de 2014

A educação ou a Petrobrás? - ANTÔNIO CABRERA


O Estado de S.Paulo - 03/03

"Se a Petrobrás é eficiente, ela não precisa ser estatal. Se não é eficiente, ela não merece ser estatal."



Durante a vida, num processo democrático, você será criticado de duas maneiras: pelo que faz ou pelo que deixa de fazer. Se é para receber crítica, então que esta apareça pela contribuição que desejo fazer ao meu país. Não há mais nenhuma justificativa plausível para o Brasil manter uma empresa pública como a Petrobrás. Explico.

Em primeiro lugar, quero reafirmar categoricamente que o petróleo é nosso. Já a Petrobrás, com essa política do governo de controlar os preços dos combustíveis de acordo com sua conveniência político-eleitoral, transformou-se num buraco negro de dinheiro público. Essa desastrada política de intervencionismo, pois a Petrobrás é a única empresa no mundo que vai ao mercado para comprar por 100 e vender por 90, causou nos últimos anos uma perda de mais de R$ 200 bilhões no preço de suas ações em bolsa. Em qualquer país sério não passaria em branco uma destruição dessa magnitude da riqueza pública. O resultado, fugindo da esterilidade da confrontação ideológica, é que o Brasil se tornou o único país do mundo que prefere importar gasolina e diesel a importar capitais para produzi-lo.

Reforçando, a verdade inconveniente é que o petróleo é um negócio extremamente arriscado e caro que não deve envolver dinheiro do povo (vide Eike Batista), mas, sim, auferir benefícios pela arrecadação de impostos, o que não ocorre com a contribuinte Petrobrás. Aliás, segundo a Cambridge Energy Research Associates, o Brasil deixa de ganhar em impostos cerca de US$ 1,5 bilhão a US$ 3 bilhões por não aplicar à Petrobrás uma política fiscal para a produção de petróleo e gás natural similar à dos EUA, da Grã-Bretanha ou da Noruega. Mas, ao tempo que isenta a Petrobrás, concomitantemente tributa qualquer doação destinada à educação e é o único país do mundo que tributa a mensalidade escolar.

Não bastasse isso, nossa tão propalada autossuficiência em petróleo sempre foi volumétrica e nunca monetária: exportamos petróleo bruto (mais barato) e importamos derivados (mais caros). Para minimizar esses prejuízos a fatura ficou ainda mais salgada quando, em 2011, um burocrata de prancheta decidiu manter artificialmente o preço da gasolina na bomba e, posteriormente, diminuir e eliminar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) da gasolina. Pura ironia, os recursos da Cide deveriam ter sido aplicados em "infraestrutura de transporte" (não vi ninguém reclamando disso nas passeatas pelo aumento das passagens de ônibus em São Paulo) e "programas ambientais para reduzir os efeitos da poluição causada pelo uso de combustíveis".

Traduzindo, como o etanol continua recolhendo a Cide, o Brasil é o único país do mundo que tributa um combustível limpo e desonera um combustível fóssil e poluente (e também não vi ninguém pedindo "veta gasolina"). Mas não para aí, pois, enquanto livra a gasolina da Cide, neste retorno às aulas os pais estão pagando em média de impostos mais de 47% nas canetas e mais de 43% nas borrachas de seus filhos. Educação é prioridade?

Enquanto ninguém faz contas de quanto será esta conta que imoralmente estamos deixando para as gerações futuras, nos EUA os avanços nas técnicas de perfuração horizontal e fratura hidráulica vêm permitindo explorar reservas de gás antes inacessíveis, a custo economicamente viável e gerando uma nova revolução industrial, oferecendo às indústrias norte-americanas um custo de energia imbatível. Mas "notícia, se a boa corre, a ruim avoa", o México vem de privatizar seu setor de petróleo e energia: continua sendo propriedade do governo mexicano, mas companhias privadas poderão explorá-lo sozinhas. Com um custo de exploração em águas profundas menor que o do Brasil e tendo uma logística imbatível, eis que é vizinho do maior consumidor do planeta, o risco do País não é ser explorado pelos capitalistas de plantão, mas ser completamente ignorado. Se na nata do bolo apenas um consórcio apareceu no leilão de Libra, e agora? A resposta é que o governo vai perfurar poços de petróleo sozinho, mas não vai perfurar as barreiras educacionais do último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), em que nossos alunos estacionaram nas derradeiras posições.

Em segundo lugar, nunca antes neste país um setor tão vibrante do agronegócio foi moído em bagaços como o sucroenergético. Na última safra mais de 70 usinas fecharam ou estão em recuperação judicial e 60 podem vir a fazê-lo nos próximos 24 meses, com multinacionais deixando o País e grupos nacionais atolados em dívidas. O que se exigiu dos biocombustíveis em dois anos nunca se exigiu do petróleo. Embora seja um setor que emprega mais de 1 milhão de pessoas (incluindo indiretas) e ancorado numa movimentação financeira que supera US$ 86 bilhões/ano, do corte da cana até o abastecimento do automóvel, o etanol passa por uma longa cadeia produtiva que, de acordo com estudo da Embrapa Agrobiologia, pode chegar a ser 80% menos poluente do que os procedimentos que levam a gasolina aos postos de combustível. Mas a mão pesada do Estado no preço da gasolina resultou em que somente 23% dos brasileiros com carros flex utilizaram etanol este ano - em 2009 foram 66% -, com todos esses benefícios ambientais jogados na lata do lixo. Com inúmeras vantagens da natureza a nosso favor, não suplicamos privilégios do governo, mas não suportamos o subsídio estatal à gasolina.

Por fim, neste país rico de recursos e pobre de decisões, recorro a Demóstenes: "Há pessoas que creem embaraçar aquele que sobe à tribuna perguntando-lhe: então, que fazer? A essas dou a resposta que me parece a mais equânime e veraz: não fazer o que estais fazendo atualmente". A educação brasileira agradece.

Sociologia do ateísmo - LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 03/03

Na Finlândia, em 2000, 60% se diziam ateus; em 2001, 41%; em 2004, 28%. Há uma queda de ateus


Semanas atrás, escrevi nesta coluna ("Quem Herdará a Terra?") sobre uma disciplina chamada demografia das religiões. A tese do autor em questão, Eric Kaufmann, é que os seculares têm muitas ideias, mas têm poucos filhos, e por isso em breve o Ocidente perderá em muito seu perfil secular.

Mesmo aqueles seculares que adotam a teoria da seleção natural de Darwin como visão de mundo, adotam-na apenas na teoria, porque na prática não o fazem: seleção natural, no limite, é reprodução; quem não reproduz desaparece. E as mulheres seculares são inférteis por conta dos valores individualistas que carregam.

Recebi muitos e-mails (não imaginei que esse assunto seria um blockbuster) e alguns me chamaram a atenção para um fato interessante: os ateus (que não são a mesma coisa que os seculares, porque posso crer numa inteligência organizadora do universo e não crer que ela seja Jesus ou similar, e viver sem referência a qualquer código religioso) creem firmemente que dominarão o mundo por meio da educação, das ciências e da tecnologia. Podem estar bem errados.

O ateísmo vem muitas vezes acompanhado de uma crença num processo histórico inexorável em direção ao ateísmo universal, uma vez dadas "educação e cultura" para todos. Esquece, esta querida tribo, que as pessoas, sim, fazem escolhas baseadas em modos distintos de valorar a vida e seus sucessos, e que, sim, muitas comunidades religiosas usam ciência e tecnologias da informação ao seu favor e com grande habilidade.

Antes de tudo, é importante reconhecer que a sociologia do ateísmo, sim, pode nos fazer crer, em alguma medida, que há uma relação entre alta formação cultural, boa educação universitária e "ateísmo orgânico", aquele tipo de ateísmo a que você chega por meio da escolha livre --e não porque algum regime totalitário (como o de Cuba) ou pais autoritários proíbem você de crer em Deus ou similar.

Mas o tema transcende essa teoria e é por demais importante para ser pego nas redes de "pregações" disso ou daquilo, pelo menos para quem acredita que a sociedade secular deve ser cuidada, mas não iludida com seus próprios fantasmas de sucesso no futuro.

Vejamos alguns dados dos pesquisadores Norris, Inglehart, Davie, Greeley, Bondenson e Peterson. Peguemos países estatisticamente apontados como possuidores de alta percentagem de ateus orgânicos da Europa ocidental:

Suécia: em 1999, 85% se diziam ateus; em 2001, 69%; em 2003, 74%; em 2004, 64%. De 1999 até 2004 há uma variação para baixo dos ateus assumidos.

Dinamarca: em 2000, 80% se diziam ateus; em 2003, 43%, e em 2004, 48%. Ainda que tenha havido um pequeno crescimento entre 2003 e 2004, a queda entre 2000 e 2004 é evidente.

Noruega: em 2000, 72% se diziam ateus; em 2003, entre 54% e 41%; em 2004, 31%. Também queda.

Finlândia: em 2000, 60% se diziam ateus; em 2001, 41%; em 2004, 28%. Também vemos uma redução dos ateus assumidos.

Entretanto, sabemos que pesquisas nem sempre são precisas e que seus métodos variam e, portanto, seus resultados podem não ser tão autoevidentes.

Esses países têm visto um número crescente de grupos cristãos fundamentalistas, mas o importante é entender que esse crescimento se dá, diferentemente do caso dos EUA, ainda sob grande discrição. Sem ruídos, mas com determinação.

O caso dos luteranos laestadianos finlandeses (comunidade luterana fundamentalista na vila de Larsmö) é de chamar a atenção.

A relação entre a fertilidade de suas mulheres e a das finlandesas seculares é a seguinte, respectivamente: 1940, dois bebês contra um; 1960, três bebês contra um; 1980, quatro bebês contra um. Em 1985, a taxa de fertilidade de cada grupo era 5,47 para as fundamentalistas e 1,45 para as seculares.

A maioria das instâncias de razão pública (tribunais, universidades, escolas, mídia) é, ainda, tomada por seculares. Isso nos faz pensar que o mundo é "nossa bolha".

Veja que, no Brasil, nem o poderoso movimento gay conseguiu derrubar o pastor Feliciano. O "lifestyle" individualista secular é autocentrado e dado a "causas do Face", e por isso não tem defesa contra mulheres férteis e homens determinados.

terça-feira, 4 de março de 2014

Soberania tecnológica às avessas,por Rui Falcão





A compra das empresas brasileiras Alellyx e CanaVialis pela norte-americana Monsanto, anunciada no início de novembro, arrancou críticas do ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Resende, e sugere uma reflexão sobre o sentido do financiamento público da pesquisa em ciência e tecnologia (C&T) no Brasil. Certamente, o ministro teria permanecido calado se se tratasse de um negócio comum. Em declaração ao jornal "O Estado de São Paulo", Resende afirmou que "a venda (da Alellyx e CanaVialis) para qualquer grupo estrangeiro é decepcionante. Como é que eles foram vender duas jóias como essas, tão importantes para o País?".

Ambas as empresas pertenciam à Votorantim Novos Negócios, fundo de capital de risco do grupo Votorantim, que as criou e financiava desde 2002, e têm a sua origem associada à pesquisa pública e a forte subvenção por parte do Estado na forma de investimento a fundo perdido, por se tratar de empresas brasileiras voltadas para pesquisa de interesse estratégico nacional. Segundo Rezende, nos últimos três anos a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), do Ministério da Ciência e Tecnologia, havia aprovado a destinação de R$ 49,4 milhões para pesquisas nas duas empresas, dos quais R$ 6,4 milhões já foram desembolsados. “São duas empresas que receberam investimento do governo e, justo quando esses investimentos amadureciam, foram vendidas por um preço bastante módico”, afirmou – cerca de US$ 290 milhões, segundo informa o jornal.

Como observou o físico Joelmo Oliveira, diretor de Políticas de C&T do Sindicato dos Pesquisadores de São Paulo (SinTPq) e colaborador do Grupo de Análise de Políticas de Inovação (GAPI - UNICAMP), Alellyx e CAnaVialis eram vistas até então como ícones de uma bem-sucedida política de Estado que visa a incentivar a pesquisa em C&T dentro das empresas brasileiras e fomentar o espírito empreendedor entre os cientistas da Academia. “É em momentos como esse que vem à tona a importância das unidades públicas de pesquisa; são elas que de fato garantem a apropriação nacional do conhecimento tecnológico desenvolvido a partir de investimentos públicos”, escreveu Oliveira.

Com sede em Campinas, ambas as empresas foram criadas por pesquisadores acadêmicos que participaram dos primeiros grandes projetos de genômica no País, financiados em sua totalidade por recursos públicos. Sua história, na verdade, é indissociável dos resultados de investimentos públicos em pesquisa, e tem origem na esteira do primeiro seqüenciamento genético de um organismo vivo no Brasil, em 1999, anunciado como o "maior feito científico brasileiro dos últimos tempos". Tratava-se da finalização do mapeamento genético da Xylella fastidiosa, a bactéria causadora da praga conhecida como "amarelinho", que ataca os laranjais paulistas. O projeto Genoma-Xylella custou aos cofres públicos US$ 13 milhões, parte financiados pelo governo Federal, parte pelo governo paulista, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp). 

A partir do conhecimento gerado pelo seqüenciamento do "amarelinho", foi fundada em 2002 a empresa Alellyx Applied Genomics. Os sócios da empresa, lembra Oliveira, eram professores e pesquisadores da Unicamp, da USP e da Unesp, três das principais instituições acadêmicas do País.  Por indicação do professor do Instituto de Química da USP, Fernando Reinach, à época já diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios, a Votorantim Novos Negócios tornou-se sócia da nova empresa. Havia sido o próprio Reinach quem propôs o projeto Genoma-Xylella ao então diretor-científico da FAPESP, José Fernando Perez, em 1997. Ou seja, os professores que fundaram a Alellyx eram os mesmos que exerciam funções de coordenação na FAPESP, uma das principais financiadoras das pesquisas que levaram à criação da empresa.

No ano seguinte, foi fundada a CanaVialis S.A., também com participação da  Votorantim Novos Negócios. Diferentemente da Alellyx, a pesquisa da CanaVialis prende-se ao melhoramento clássico de variedades da cana-de-açúcar, o que não envolve ainda alterações genéticas a partir de técnicas oriundas do seqüenciamento genético da cana. 

Não é novidade o interesse de países como os EUA na tecnologia brasileira de produção de álcool de cana-de-açúcar em grande escala e na obtenção de variedades transgênicas da cana adaptadas às suas condições climáticas. Assim se explica a compra da Alellyx e da CanaVialis pela Monsanto, negócio que se tornou público em 2007, quando a Votorantim anunciou uma "parceria tecnológica" com a multinacional. Então, o diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios, Fernando Reinach, afirmou: "Esta parceria tecnológica permitirá à Alellyx e CanaVialis disponibilizarem para o setor sucroalcooleiro tecnologias desenvolvidas pela Monsanto. Além disso, possibilitará à Monsanto utilizar tecnologias desenvolvidas por nossas empresas".

Porém, o desfecho da “parceria” foi outro. Como observa o diretor do sindicato dos pesquisadores de São Paulo: “o 'maior feito científico brasileiro dos últimos tempos', que provavelmente se tornaria também o mais lucrativo negócio do século XXI, já não é brasileiro”, em que pesem os recursos públicos, o engenho e o esforço nacionais nele empenhados.

A curta trajetória da Alellyx e da CanaVialis sob controle nacional assume caráter emblemático do que vem a ser o destino dos resultados da C&T em países que ainda não acordaram para a dimensão estratégica de C &T como elemento central do poder nacional. A capacidade científica e tecnológica é na atualidade o grande ordenador do poder mundial nos seus desdobramentos político, econômico e militar. Dos assim chamados fatores de produção – capital, mão-de-obra, matéria-prima e tecnologia – o último predomina sobre os demais em valor estratégico. Países dotados de capital, mão-de-obra, matérias-primas abundantes mas sem tecnologia encontram-se em desvantagem frente a países detentores de tecnologia, mesmo carente dos demais fatores. É a disponibilidade de tecnologias que abre as portas para o domínio sobre  os demais fatores onde quer que estejam eles.

Por isso, C &T tornaram-se preocupação política primordial dos países  desenvolvidos. Ali, não se dissocia C&T da disputa entre empresas pela hegemonia em mercados ou da disputa pelo poder entre nações ou blocos de nações. Estão aí para atestá-lo a atualidade e a candência das questões internacionais referentes a investimentos, propriedade intelectual e ao comércio de serviços técnicos. De um lado da trincheira, os países desenvolvidos, tecnologicamente avançados, em busca da abertura de mercados para suas empresas e fechamento das possibilidades de acesso por terceiros às tecnologias por eles geradas. Do outro, países em desenvolvimento, tentando proteger seus mercados, para a expansão de empreendimentos nacionais, em busca de assegurar o acesso às tecnologias de que necessitam para o seu desenvolvimento.

De acordo com os fundamentalistas do mercado, ora em debandada no mundo, o veículo principal de transferência de tecnologia das economias avançadas para as sociedades periféricas seria o investimento direto estrangeiro. O conhecimento científico e tecnológico estaria, como qualquer mercadoria, disponível no mercado, bastando pagar o seu preço para adquiri-lo, ou bastando atrair a empresa que o detém para fazer com que tal conhecimento se incorpore ao sistema econômico nacional. A atração de capitais estrangeiros permitiria a um país periférico, como o Brasil, dispensar investimentos vultosos em C&T, "queimar etapas de desenvolvimento" e não "reinventar a roda".

Essa foi a recomendação feita pelos EUA ao Brasil nas décadas 1960/70, quando da decisão brasileira de criar uma empresa estatal de pesquisa agropecuária tropical (a Embrapa), para atender às peculiaridades de um país com biomas localizados nessas latitudes. Sabe-se hoje que o Brasil somente é independente  e líder mundial em tecnologia agropecuária tropical porque não deu atenção e não cedeu à pressão norte-americana. Obstáculos semelhantes se interpuseram na decisão brasileira de proceder  com autonomia na pesquisa nuclear.

O fato é que cada país confere à sua política de C&T grau de importância correspondente ao que atribui à utilização do conhecimento científico para o desenvolvimento, autonomia e defesa nacionais. Em princípio, não existe diferença entre o Brasil e os EUA no que se refere ao interesse de um físico pela estrutura nuclear, ou de um geneticista pelo genoma de um vegetal. Mas, quando se trata de saber quais pesquisas físicas ou genéticas podem tornar-se economicamente úteis em cada um dos países, a experiência do outro país é relativamente de pouca relevância.  Cabe à política de C&T, orientada pela estratégia e soberania nacionais, fazer a escolha adequada das áreas de pesquisa de interesse, com vistas a atingir os objetivos econômicos e sociais desejados pela nação.

Numa conjuntura histórica em que o velho mundo bipolar se desfez, assiste-se hoje ao surgimento de nova espécie de divisão internacional do trabalho, com a emergência da polarização tecnológica entre países dotados de alta tecnologia e países consumidores forçosamente dependentes. A posse de um monopólio tecnológico permite ao país dinâmico extrair renda tecnológica dos países dependentes, daí resultando perdas sociais, já que estes são (e, presumivelmente, permanecerão) importadores líquidos de tecnologia.

Os Estados Unidos, e com eles outros países avançados, aprenderam a se tornar ciosos do controle sobre tecnologias sensíveis. País que nada tem fixado em leis referente ao capital estrangeiro ou ao controle sobre tecnologias, os EUA arbitrariamente não autorizam, por período de anos ou décadas, a venda ao exterior de tecnologias consideradas sensíveis. A revisão em curso no sistema de propriedade intelectual na Organização Mundial do Comércio, sob a hegemonia dos países ricos,  aponta para o estabelecimento de severas limitações à transferência de tecnologia, de forma a dificultar ou retardar ainda mais o surgimento de novos competidores.


A primeira conseqüência prática para países como o Brasil seria um incremento na conta de remessa de royalties para o exterior, que já é alentada. Mesmo quando a pesquisa se realiza aqui, no caso de empresa estrangeira a patente será registrada em nome da companhia, e sua utilização no Brasil, ou em qualquer país gerará pagamentos e remessas para a sede da empresa, detentora da patente. Ou seja, os direitos de propriedade intelectual pertencem à empresa matriz, independentemente da localização da pesquisa. Outro custo social associado à dependência externa em C&T é a perda efetiva para os consumidores acarretada pelos altos preços que resultam do processo de monopolização.

A desnacionalização, como ocorreu no caso da Alellyx e da CanaVialis, tende ainda a acarretar, num contexto mais amplo, a transferência para o exterior dos centros de decisão da atividade econômica, do investimento, da alocação de recursos em geral e da P&D em especial  – e, na sua extensão, dos centros de decisão política. Essa transferência afeta a capacidade do Estado de cumprir com suas funções referentes ao desenvolvimento, à defesa e à soberania nacionais e amplia, portanto, o hiato entre o país periférico e os países avançados, numa espiral perversa e recorrente. Há quem acredite que, em princípio, as forças de mercado poderiam também cumprir com essas funções. Porém, nada indica em parte alguma do mundo que isso esteja ocorrendo ou que venha a ocorrer.

A desnacionalização da Alellyx e da CanaVialis serve, assim, de lição para lembrar que a produção do conhecimento cria ela própria novas vulnerabilidades e novas ameaças, para as quais um país grande, que tem muito a proteger, como o Brasil, não pode deixar de estar preparado. É dizer que a construção de uma base de C&T condizente com as nossas aspirações e possibilidades depende do que sejamos capazes não somente de desenvolver mas também de manter "em casa", sem prejuízo de parcerias internacionais que venham a fortalecer a soberania nacional em suas dimensões política, econômica, social e democrática. 

O Estado brasileiro carece de uma definição do que se pretende com o financiamento público de pesquisa em C&T.

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Rui Falcão, 64 anos, advogado e jornalista, é deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores. Foi deputado federal, presidente do PT e secretário de governo na gestão Marta Suplicy.