SÃO PAULO - Faz algum tempo que o economista José Roberto Mendonça de Barros tem dito que o Brasil está preso numa armadilha de baixo crescimento. O resultado do PIB de 2013, que ficou dentro de suas expectativas, foi interpretado por ele como uma confirmação. "Quatro anos de baixo crescimento, com média inferior a 2%, não traduz uma coisa casual", disse ao Estado.
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior da Presidência da República, nos anos 90, ele credita para voltar a crescer o País precisa de mais investimentos privados. Mas para isso, deve reconquistar e estabelecer uma nova relação com os empresários. "Investir precisa valer mais do que ir a Brasília", diz ele. A seguir, os principais pontos da entrevista
Qual será a missão do próximo governo na área econômica?
Vamos começar com 2014. O início do ano foi muito surpreendente. Três grupos de eventos inesperados, alguns que não tem ligação direta com a economia, estão dando um tom muito incisivo - o que é uma coisa rara. O primeiro deles é a fraqueza da economia no final do ano passado. Mesmo nós, que nunca fomos particularmente otimista quanto ao crescimento, nos surpreendemos com a fraqueza do comércio e da indústria no final do ano. Mesmo nós, que nunca fomos particularmente otimista quanto ao crescimento, nos surpreendemos com a fraqueza do comércio e da indústria. Isso garante, de vez, que o governo Dilma, na média, vai ter crescimento inferior a 2%. O número oficial do PIB só vai sair no final de fevereiro (a entrevista foi concedida uma semana antes do anúncio), mas deve ficar entre 2,2% e 2,4%, pelas nossas estimativas. Para 2014, a nossa estimativa na MB é que fique por volta de 1,6%. Mas gente muito competente tem números inferiores, por volta de 1,4% O próprio Focus (relatório de mercado do Banco Central) veio com um número inferior - 1,8%. O segundo evento envolve um conjunto de países emergentes. Crises políticas ou econômicas – em certos casos, a combinação de ambas, em maior o menor grau – levaram a um movimento de saída de capitais dos emergentes, que afetou o Brasil. Temos casos de países com crises eminentemente política. A Tailândia rachou no meio, mas tem uma economia arrumadinha. Na Ucrânia, a crise é essencialmente de natureza política. Mas há países como a Turquia, em que a crise é política e econômica. A Turquia tem muitas fragilidades – déficit em conta corrente, inflação, juros mais altos – e uma crise política detonada pela tentativa de fazer valer uma plataforma de islamização em um país que desde a sua fundação é orgulhoso de ser muçulmano, mas laico. Na América do Sul, os dois casos gravíssimos são Venezuela e Argentina. Em ambos, há uma crise política misturada com problemas na economia. Na minha avaliação, a Venezuela é um caso terminal. A escassez atingiu uma magnitude espantosa. Quase 70% do consumo é atendido por importações, o que praticamente garante a incapacidade da economia para suprir a demanda. A resposta tem sido política e meio destrambelhada. A Argentina não chega a tanto, mas está num caminho parecido, com políticas públicas heterodoxas e expansionistas, escassez de divisas, inflação em alta – o que reflete que a situação política tende a piorar. Nos dois casos, o Brasil paga o preço por uma aposta equivocada na política latino americana – se alinhar ao lado bolivariano que hoje, já não há como esconder, é mesmo o lado perdedor. Do ponto de vista econômico, estamos amarrados, entalados, nessa decisão. Esse segundo grupo de problemas ajuda a pressionar o real e leva até um certo movimento de liquidação de ativos no Brasil. Parte disso acontece – já vimos isso muitas outras vezes – porque o mercado brasileiro é mais líquido que o de outros emergentes. O Brasil não tem a fragilidade de uma Turquia, mas sofre junto. No mercado internacional, o grupo emergentes está numa categoria única, embora os países não sejam iguais entre si. O terceiro ponto foi o verão muito seco e muito quente, absolutamente fora do padrão. Na esfera pessoal, prejudicou o bem-estar das pessoas. É uma dureza pegar o metro às seis horas da tarde com um calor de 36 graus.
A seca está afetando a economia de diferentes maneira, não?
Afeta bastante. Na agricultura, não dá para ter uma avaliação definitiva, porque depende da chuva daqui para frente, mas é certo que vamos ter dificuldades. Temos o exemplo do feijão. A primeira safra foi muito boa e fez o preço cair. Mas a segunda será prejudicada. O preço já está subindo. No mercado internacional, a cotação do café explodiu porque a seca no Brasil criou problemas para safra deste e do outro ano. Aconteceu o mesmo com a cana-de-açúcar. Com a carne bovina, o problema foi a redução de pasto, que prejudicou a engorda. O preço da carne já está subindo no atacado. Os problemas foram um pouco menores na soja e no milho, porque os grãos estavam em processo de colheita. Mas a primeira estimativa da MB era de uma colheita de 196 milhões de toneladas para safra de 2013 a 2014. Ela pode cair a 188 milhões de toneladas. O outro aspecto ruim do calor sobre a economia foi a pressão sobre a infraestrutura. Estamos tendo déficit na oferta de água e sobrecarga no setor elétrica. A energia voltou com tudo ao debate. Nesse caso, há dois problemas. Um é a dificuldade de curto prazo – o sistema está operando no limite. O apagão foi o exemplo. A outra questão é uma de fragilidade estrutural. O risco de acidentes – ou incidentes, seja lá o nome que queiram dar para isso – aumenta quando é preciso transportar grandes massas de energia de uma região para outra. O preço da energia literalmente explodiu e isso não vai se alterar, uma vez que todas térmicas estão ligadas, inclusive porque é preciso poupar água nas hidrelétricas para a Copa. Ligaram até as térmicas, como diz o mercado, movidas a Channel Número 5, que usam combustível com preço de R$ 1,7 mil o MW. Isso terá implicação sobre as contas públicas. É difícil tomar a decisão de repassar esse custo para o consumidor, já que estamos em ano de eleição, mas alguma coisa precisa ser repassada ainda em 2014. Já está dado que uma das dificuldades fiscais do governo é o tamanho da conta do setor elétrico que precisa ser absorvida pelo Tesouro. A conta irá além daqueles R$ 9 bilhões já previstos no orçamento.
Como esse conjunto de problemas vai influenciar a agenda do próximo governo a partir de 2015?
Tudo indica que o crescimento deste ano será significativamente inferior ao do ano passado. Gente muito competente está prevendo valores baixos para o PIB. O que isso caracteriza é que estamos mesmo presos a uma armadilha de baixo crescimento – e que essa armadilha não pode ser atribuída a fatores internacionais. Outros países com a mesma conjuntura estão crescendo mais do que a gente. Quatro anos de baixo crescimento, com uma média inferior a 2%, não traduz uma coisa casual. Há um problema maior.
E por que o crescimento está sendo tão baixo?
Vamos começar do fim para o começo. Crescemos pouco, porque investimos pouco. E não adianta fica se enganando com os números. Se a gente pegasse as expectativas de crescimento de trilhões de investimentos que o BNDES solta, de tempos em tempos, estaríamos com uma taxa de investimento de 25%. Mas estamos com 19% feitos a duras penas. Não adianta pegar o vale da taxa de investimento, que, se não me engano, é de 2004, e fazer uma reta com a régua para dizer que cresce de 4% a 5% ao ano. Você precisa pegar os três anos anteriores, ajustar a régua, e vamos ver que estamos há muito tempo com uma taxa de investimento em torno de 18%. Não é verdade que temos um crescimento puxado por investimentos. O investimento no ano passado foi muito bom, bem-vindo, mas sofreu um bocado de influência daquele fenômeno dos caminhões e do excelente desempenho do setor agropecuário - que não vai se repetir neste ano. Nossa projeção para o crescimento da agricultura vai de 8%, no ano passado, para 3% neste ano – o que é muito bom. Então, antes de tudo, o investimento é pouco.
Por que isso ocorre?
Acredito que isso ocorre por dois fenômenos diferentes, mas que se somam. O primeiro, foi a frustração da expectativa, criada nos últimos anos, de que o setor público seria um poderoso elemento para impulsionar o investimento direto. Isso não se verificou. Os projetos estão atrasados, assistimos as desventuras do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) com as estradas, os portos não avançaram. Existiu muita boa vontade, mas a forma de fazer, infelizmente, não deu certo. Quero dizer que não tenho nada contra o investimento do Estado. Eu cresci e me formei no momento em que rodovias eram abertas pelo DNER (o extinto Departamento Nacional de Estradas e Rodagens). Não tenho nada contra. O problema é que – apesar de esse não ser o momento para discutir as causas – o Estado não fica de pé. Não faz. Não consegue concretizar. Os projetos não andam. Atrasam três, quatro, cinco anos. E pior –consomem cada vez mais recursos. É enorme a lista de grandes projetos com atraso superior a quatro anos. A Transnordestina. As refinarias da Petrobras. Hidrelétricas. Numa espécie de Sebastianismo (alusão ao milagre messiânico criado pelo rei português Sebastião), bem ao estilo do governo Ernesto Geisel, se imaginou que o Estado faria tudo. Do lado do investimento privado, os estímulos foram contrários ao que deveriam ter sido. Veio o controle de preço, a tentativa de controle da taxa de retorno de certos projetos, uma discussão sobre concessão ou privatização, sem falar nos problemas de regulação que chegaram a paralisar alguns setores. Exemplo: o novo código de mineração. O setor está parado há quatro anos esperando o código. É verdade que no final do ano passado foram feitas algumas coisas que melhoraram o ambiente, mas se pegarmos os últimos quatro anos, não aconteceu praticamente nada. E olhando para frente, se não fizermos coisas fundamentais, os avanços não ocorreram. O grande exemplo para mim é porto. Se olharmos o mundo, vamos ver que os portos estão se preparando para receber navios que possam cruzar o novo canal do Panamá. Todos estão gastando um monte de dinheiro com isso. Mas em Santos, o problema é o calado. Não conseguimos manter 15 metros de calado – já voltou a assorear. Vai começar a novela do assoreamento outra vez. O desassoreamento do canal de Santos consumiu 10 anos e voltamos a isso E ainda chamo a atenção para uma coisa importante que infelizmente foi se perdendo. Infraestrutura precisa de bons projetos. A pressa em fazer as coisas tornou normal a ausência de projetos mais detalhados. Sem eles, você descobre vários problemas durante a execução, problemas que somados a outras deficiências, como a demora para conseguir licenças ambientais, levam os empresários a investir muito menos. Boa parte dos incentivos apontam na direção errada. Um exemplo micro e pouco conhecido é a nova regulamentação da segurança do trabalho, a NR-12. Ela foi revisada em 2010 e traz equívocos de conceituação fundamentais. Não distingue, por exemplo, o estoque de máquinas com o fluxo de novas máquinas. Trata de tantas características que máquinas aprovadas na Alemanha não seriam liberadas no Brasil. Também há equívocos no pressuposto do financiamento de investimentos. Parte-se do princípio de que os recursos do Tesouro Nacional são infinitos e que o caixa das companhias são ilimitados. Voltemos a RN-12. Ela é o exemplo de como ideias generosas desincentivam o investimento. Ninguém é contra a segurança no trabalho. Mas essa regra, na prática, sucateia boa parte das máquinas em operação num momento em que as companhias, principalmente as de bens de capital, passam por dificuldades. Isso come o investimento. Só quem acompanha de perto entende. Não é à toa que a indústria está sofrendo.
O senhor define que temos um desarranjo generalizado e que o próximo desafio do governo é nos tirar dessa armadilha. Como se faz isso na prática e qual deve ser o modelo a partir de então?
Todo agenda, quando posta em prática, vai ficando complexa. Mas é preciso começar com ideias simples que possam traçar o norte. Você precisa perguntar: por que isso começou? E a partir de então, alterar as coisas. Exemplo. Na década passada, especialmente quando a China cresceu como um foguete, houve a formalização de muitas empresas no Brasil, houve o aumento do consumo interno, a arrecadação cresceu expressivamente e – a despesa pública correu atrás. Não se percebeu na época que muita coisa era insustentável no tempo. Não é possível que uma taxa de desemprego caia e o gasto com seguro desemprego suba constantemente. Tem algo errado nisso. Não se percebeu que uma taxa de crescimento da arrecadação duas vezes superior a taxa de crescimento do PIB não é uma coisa sustentável. E foi o que sei viu. A arrecadação cresce hoje uma taxa muito próxima a do PIB. No entanto, a estrutura de muitos projetos, a concepção de vários serviços, a universalização de tantas coisas, pressupôs que o Tesouro teria uma fonte infinita de recursos. Essa fonte acabou. Essa é uma mudança essencial e o País precisa se adequar a ela. Outro problema de concepção: boa parte da política traz a ideia de que a empresa privada precisa ser totalmente regulada para não fazer bobagem. Não é razoável. Muitas vezes, quando você olha no detalhe, descobre que é a regulação que leva a empresa a conviver com bobagens. Não dá, por exemplo, para elevar o salário a um múltiplo acima da produtividade. Por mais generoso que seja o argumento, isso é insustentável em qualquer idioma, em qualquer lugar, em qualquer época. E estamos nessa situação. Os custos associados ao trabalho não param de crescer. Por causa desse ambiente, não temos mais investimento privado, num cenário em que o investimento público também é baixo. A poupança do governo não existe. E não usamos a poupança do setor privado. Esse é o primeiro nó que precisamos desatar para fazer com que as coisas andem. Há ai uma questão de visão de mundo. Volto a dizer: o Estado sempre teve um papel importante. Como investidor diretor, como indutor do investimento privado, o indutor da expansão do conhecido. Falar em coisas como defesa do Estado mínimo, radicalismo neoliberal é fora de propósito nos dias de hoje. Não existe isso em lugar nenhum do mundo. Mas certamente não é da história do Brasil querer controlar todas as empresas, todas as decisões, porque vai dar em bobagem se o Estado não regular. Isso é uma bobagem que gera impasses - impasses parecidos com o da Argentina. Não quero entrar nesse discussão agora – não estou dizendo que o que o Brasil vai virar uma Argentina. Mas se você olhar de perto percebe que há um pouco da mesma convicção – que se o Estado não regular tudo, não vai dar certo. Para mim, isso não funciona. Nesse sentido, a forma de começar qualquer mudança é mais simples. Começa com poucas ideias. Qualquer projeto estratégico de uma empresa, de um país, começa com três, quatro ideias básicas. Mas se você errar na partida, segue errando. Existe uma massa de empresas, empresários e recursos que estão doidos para trabalhar. Se acionados devidamente, eles vão trabalhar na melhor direção. Já vivi o suficiente para saber o quanto é difícil de fazer. Mas tenho convicção que uma alternativa para nos tirar dessa armadilha é mobilizar o investimento privado – mas também acho que isso só vai acontecer com a reconquista da confiança, com a estabilidade das regras, com projetos bem feitos a priori. Eu sou do tempo que era inconcebível fazer uma licitação sem um projeto detalhado de engenharia. O sistema elétrico nasceu dessa forma. Com estudos hidrológicos muito detalhados, tanto que sempre foi um sucesso. O Brasil tinha uma experiência na construção de barragens reconhecida no mundo. Depois, isso foi sendo perdido e só agora retomado. Não dá para soltar uma estrada sem projeto. Não tem exemplo mais bem acabado que disso que o finado trem bala, que nem traçado tinha.
Como se administra essa transição a partir de 2015 para sair do modelo de controle da iniciativa privada e de pressuposto que o cofre público não tem limite?
Essa é difícil. Serão necessários alguns elementos. Primeiro, resgatar a confiança. Inclusive da contabilidade pública, que se pereceu nos últimos tempos. Vamos ter de fazer um ajuste. e100% das pessoas sabem disso. Evidentemente, há ajustes e ajustes, mas algum deverá ser feito. Não é preciso uma recessão imediata. O Brasil avançou, o que facilita as coisas. Exemplo: convergir para a meta em três anos numa política que de fato inspire confiança, é perfeitamente factível. Dizer que vai convergir para meta quando uma boa parte dos analistas acha que as autoridades estão satisfeita com o topo, é diferente. O ajuste é uma coisa que precisa ser construído politicamente. Não da para fazer uma discussão sobre previdência. Por outro lado, o espaço da política macro depende de uma concepção que seja bem aceita pelos diversos agentes, que tenha um nível de base técnicas, números críveis. Como não temos mais hiperinflação, não acho razoável – é uma opinião estritamente pessoal – um pacotão que leve a recessão num primeiro momento. Não deveria acontecer. Mas precisa ter consistência. Ao mesmo tempo, é preciso deixar claro que os benefícios sociais vão ser preservados. Esse é um avanço a ser mantido. O que precisamos reforçar é a questão dos investimentos. Quanto mais rápido os investidores, os empresários, os trabalhadores e o País acreditarem no conjunto de regras, fica mais fácil fazer as coisas.
Qual deve ser o próximo motor de crescimento. A China ajudou no passado e daqui para frente?
O grande mote é o mercado interno do Brasil. Ele não só é muito grande, como vai continuar a crescer e, mais importante, vai continuar se sofisticando. Todas as pesquisas mostram claramente que há uma avenida nas aspirações da população para ser percorrida. Mas o problema não está do lado da demanda. Está do lado da oferta. Se não aumentar mais rapidamente a produtividade, não há como sustentar isso. Seria preciso importar todo o adicional, o que não é sustentável, nem desejável. O motor de crescimento precisa ser o investimento que eleve a produtividade do setor produtor. Mas, nesse caso, é preciso, antes de tudo, estabelecer uma nova visão de mundo, ter algo importante em mente – não é o crescimento do próximo ano que está em jogo, é um horizonte de quatro anos. Todo mundo. Que seja consumidor, trabalhador no campo e da cidade, está disposto a fazer sua parte se vir a melhora no horizonte. E como asfalto na frente de casa. A obra é um enorme aborrecimento no curto prazo. Tem barro. Não dá para passar com o carro. Mas se obra segue um ritmo adequado, todo mundo aprova porque sabe que vai ter um benefício. Isso vale para os agentes econômicos. O crescimento da produtividade precisa valer mais do que ir a Brasília para conseguir um caramelo tributário. Os caramelos tributários até podem ser gostosos no curto prazo, mas são destrutivos no longo prazo. Não vai ter mais balinha, porque o Tesouro está em dificuldade. O governo e as pessoas precisam colocar na cabeça que o passado não vai se repetir. A China não vai crescer mais que 7,5%. A Arrecadação não vai ser um múltiplo do PIB. O Tesouro terá dificuldades reais para mobilizar recursos. A demanda interna não vai crescer a taxas chinesas, porque boa parte do efeito inclusão sobre as vendas, sobre o crédito, sobre os formalizados acabou. Agora é hora do investimento com produtividade, sobre bases reais e não só com o jogo de transferências – que são válidas – mas não duram para sempre. Aos meus clientes, eu aviso: é preciso rever o modelo de negócio. Quem tem modelo que depende só de viagem a Brasília, está aconselhado a repensar seus negócios. Eu não vejo problema especificamente nisso, porque a tendência do ser humano é buscar o mais fácil. Mas a empresa agora precisa voltar a crescer com pé no chão. Tudo isso é construído. Não tem regra. O mais importante é ter um norte e fazer o jogo da construção.
Há algo que possa ser feito no curto prazo para elevar a produtividade. Fala-as muito em educação, mas ela surte efeito no longo prazo. Há algo pontual a ser feito?
Há coisas no nível micro. Muitas empresas investem em equipamentos para determinadas áreas da fábrica para combater o que se chama de pescoços - gargalos na produção. Isso eleva significativamente a produtividade, não apenas do trabalho, mas da fábrica como um todo. Inclusiva, já usam robôs. Essas máquinas custam cada vez mais barato. Empresas médias utilizam robôs em áreas mais sensíveis para a saúde e a segurança do trabalho, como soldagem. O mais importante, que deve vir do governo, é deixar de onerar o custo do capital e do trabalho. Isso precisa ser uma meta. Daremos um passo extraordinário. O câmbio desvalorizado ajuda nisso. Veja bem: a combinação de câmbio mais desvalorizado, um pouco de eficiência na infraestrutura – que reduz custos – e um pouco menos de peso no custo do investimento dentro das plantas pode gerar um resultado fortemente ganhador. Eu acho também que é preciso modernizar uma questão conceitual. Estou falando de uma mudança de postura. O conceito de agricultura, indústria e comércio é ultrapassado. Não existe mais. A agricultura funciona integrada com a industria. Essa integração precisa ser mais estimulada como forma de aumentar a produtividade do conjunto da economia e criar empregos. O mais importante – que já ocorre no mundo, mas aqui precisa avançar – é a integração entre indústria e serviços. Boa parte das indústrias de têxteis, calçados e vestuário, que foi tão prejudicada pelas importações, utilizou uma composição dessa natureza. Estou falando de indústria que expandiram a atividade comercial por terceirização, franquia ou abertura de lojas próprias. Em boa parte do mundo, é esse tipo de integração que está gerando mais valor para as industrias. A industria não vende mais apenas máquinas. Ela precisa vender soluções. E as soluções podem levar junto serviços. Para aperfeiçoar essas integrações é fundamental que o governo crie regulação e tributação adequadas. Hoje, infelizmente, o nosso imposto de valor adicionado e a própria legislação trabalhista não permitem essas interações de forma mais flexível. O segundo motor, que não é do mesmo tamanho, mas é importante, é a exportação. É preciso resgatar a ideia, o orgulho, de um Brasil global trader. Aposentar a visão antiga, perdedora, que temos em relação ao Mercosul e a América Latina. Até porque quem está crescendo é o Estados Unidos. O mundo é um pouco diferente.
O que fazer em relação à política externa?
O Mercosul caminha para o naufrágio e isso nos causa enormes problemas. Aproveito para fazer um parênteses que já alimentou observações de líderes empresariais – o Brasil está fora das cadeias globais de valor, principalmente por causa do Mercosul. Por que? Porque as cadeias globais sempre nasceram com uma característica geográfica, onde uma economia líder se expande, se integra, em regiões próximas. Na América do Norte, foram os Estados Unidos. A europa oriental foi puxada pela Alemanha. E a China e o Japão integrando o sudeste da Ásia. O nosso espaço era menor, mas tinha tudo haver com o projeto original do Mercosul - que transformar num verdadeiro mercado, coisa que ele não é sob nenhum hipótese, e, ai sim, nós poderíamos ter um mercado de verdade. O primeiro setor a se beneficiar teria sido a indústria automotiva, pela sua escala, pela sua tecnologia. O Brasil era visto como um competente produtor de carros pequenos. Perdemos isso. A qualidade dos nossos carros pequenos está muito atras da feita em outros lugares. Por isso sou tão crítico em relação ao Mercosul - pela oportunidade que nós perdemos. Ao invés de se transformar em um mercado comum, foi reduzido a uma política de compreensão com o desvio de nossos irmãos, como o recorrente protecionismo argentino. Hoje a crise Argentina nos afeta diretamente por causa da balança comercial. O Brasil exportou no ano passado, mais de 500 mil carros para a Argentina. E agora, como é que fica? A probabilidade de vender ficou menor e, se vender, vai ficar mais difícil receber. O que mostra mais uma vez a imperiosa necessidade de o Brasil reformular suas relações externas para dar mais ênfase à condição de global trader. O relacionamento efetivo do Brasil com o mundo já foi bem maior. A própria indústria automotiva é um indicador disso. Se consultarmos o destino das exportações de carro em 2000, veremos que as vendas eram para o mundo. E hoje, 80% das nossas exportações de carros vão para Argentina.
Para onde vai a eleição deste ano?
Eu gostaria muito de poder prever. A única coisa que dá pra dizer, a partir de conversa com analistas e consultores políticos, é que, até pouco meses, a hipótese era um único caminho - a reeleição. Agora, por todas as mudanças que conversamos aqui, surge a percepção de que a disputa vai ser bem mais competitiva.
A economia terá um papel importante na disputa deste ano, então?
Com certeza. E dá para dizer isso por causa da mudança nas expectativas. Nos três últimos anos, o ano abriu mais otimista do que realmente foi depois. Basta abrir os relatórios Focus do Banco Central para ver isso. Os economistas ouvidos começavam otimista. Neste ano está diferente, por exemplo, em relação ao crescimento do PIB. Se você tem uma expectativa ruim no começo do ano, em termos de PIB, é difícil mudar. O PIB é um grande navio. Não vira de uma hora para outra. O cenário do ano é nebuloso. O que vai, por exemplo, ocorrer na Copa? Vai ter ou não vai ter passeata? Assim, o cenário eleitoral ficou mais