domingo, 2 de março de 2014

Hidrovia 'seca' e transfere carga para caminhões


Falta de chuva reduz nível do Rio Tietê e já prejudica operações da hidrovia Tietê-Paraná

28 de fevereiro de 2014 | 2h 06

José Maria Tomazela - O Estado de S.Paulo
SOROCABA - A queda no nível do Rio Tietê em razão da falta de chuvas já reduziu em um terço a capacidade dos comboios que transportam cargas pela Hidrovia Tietê-Paraná, no Estado de São Paulo. O "apagão" ocorre num momento em que a safra de grãos no Centro-Oeste do País atinge o ponto máximo. Um grande volume de soja e milho foi transferido para a rodovia e representa mais 133 caminhões por dia chegando ao Porto de Santos, segundo o diretor do Departamento Hidroviário do Estado, Casemiro Tércio Carvalho. "Temos 20 comboios na via e estamos deixando de levar duas mil toneladas por comboio. Isso vai dar quatro mil viagens a mais de caminhão por mês."
O problema mais crítico ocorre entre as usinas de Três Irmãos, em Andradina, e Nova Avanhandava, em Buritama, no oeste do Estado. O nível do reservatório caiu de 46,35% no dia 1.º para 39,16% na quarta-feira. A cota do lago baixou para 325,05 metros do nível do mar e, se cair mais um pouco, a navegação terá de ser interrompida. O calado - parte do casco da embarcação que afunda na água com a carga - foi reduzido de 2,70 m para 2,25m.
Além da falta de chuvas, concorre para o agravamento nas condições da hidrovia o uso da água para geração de energia elétrica nas usinas de Três Irmãos e Ilha Solteira - os reservatórios são interligados. Para atender a um aumento recorde no consumo de energia, o Operador Nacional do Sistema (ONS) usa mais água na geração. "O governo federal não assume que tem problema de geração e a ferrovia paga o pato", disse Carvalho. Segundo ele, em 2001 houve um problema semelhante, mas o governo não aprendeu a lição. "Não houve planejamento para enfrentar a situação atual, em que se conjugaram fatores climáticos extremos e aumento no consumo." O ONS informou que o nível dos reservatórios é controlado pelas usinas de forma a garantir o mínimo necessário para a navegação.
Carvalho já admite o risco de parar a hidrovia por falta de água para navegar. Esse risco de paralisação ocorre num momento em que a hidrovia Tietê-Paraná vive um ritmo de crescimento de quase 11% ao ano, segundo ele. No ano passado, foram transportadas 5,9 milhões de toneladas - 40% desse total eram soja e milho.

Prejuízos do agronegócio com a seca e as chuvas já somam R$ 10 bilhões


Forte seca na região Centro-Sul e excesso de chuvas no Centro-Oeste afetaram agricultura, pecuária, provocam perdas e pressionam a inflação

01 de março de 2014 | 18h 05

Alexa Salomão e Márcia de Chiara - O Estado de S. Paulo
A forte seca que castiga o Centro-Sul e o excesso de chuvas no Centro-Oeste do País já tiraram cerca de R$ 10 bilhões de receita do agronegócio em 2014, segundo cálculos feitos por analistas. Soja, milho, café, cana, laranja, pecuária de corte e de leite registram queda na produtividade e alta nos preços – o que pode ter impacto na inflação.
A soja, que está em plena época de colheita, resume a grande confusão que o clima provocou no campo. No Centro-Sul, a lavoura penou com o sol escaldante, a falta de chuva e as altas temperaturas. Em Mato Grosso, o maior Estado produtor, é o excesso de chuvas que impede a colheita, afeta a qualidade do grão e agrava os problemas logísticos. O preço da soja voltou no mês passado ao patamar de US$ 14 por bushel na Bolsa de Chicago, revertendo as expectativas de queda que existiam por causa da entrada da supersafra brasileira no mercado.
No Paraná, o segundo maior produtor, já se sabe que com a seca houve queda média de 13% na produtividade. Dos 16,5 milhões de toneladas previstas, pouco mais de 2 milhões já se perderam. Pelas estimativas da Secretaria Estadual de Agricultura, haverá redução de R$ 2,2 bilhões na receita.
"Mais do que a estiagem em si, o grande problema foi o calor que prejudicou a formação das vagens", diz Francisco Carlos Simioni, chefe do Departamento de Economia Rural.
Chuva. Em Mato Grosso, a soja está pronta para a colheita, mas o excesso de umidade deixa o grão encharcado e a semente apodrece no pé, diz o diretor executivo da Federação da Agricultura de Mato Grosso, Seneri Paludo. Nos últimos dez dias choveu no município de Sinop, por exemplo, 225,9 milímetros, praticamente o dobro da média histórica para o período, aponta um levantamento do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).
Para reduzir a umidade é necessário mais tempo no secador e com isso se gasta mais energia. "Tudo é custo de produção e isso impacta na remuneração do produtor", diz Paludo. Diante desse quadro climático, ele diz que o produtor de soja de Mato Grosso não tem opção: ou perde a lavoura no campo ou tem um custo maior.
A estimativa inicial era de que Mato Grosso iria colher neste ano 26,9 milhões de toneladas, uma safra recorde. O levantamento do Imea mostra que, até a terceira semana de fevereiro, cerca de 500 mil hectares deixaram de ser colhidos no tempo ideal, o que pode representar perda de meio milhão de toneladas na produção e prejuízos diretos de R$ 400 milhões. "A preocupação maior é com as áreas atingidas pela seca do que pelas chuvas", diz o secretário executivo da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), Fabio Trigueirinho.
Dados do Boletim Oil World, publicação que é referência no setor, indicam quebra de 4,5 milhões de toneladas na safra brasileira de soja. Isso significa menos R$ 5,4 bilhões de receita.
A dobradinha "chuva no Centro-Oeste e calor no Centro-Sul" também afeta a produção de milho. Uma parte da colheita de milho no verão foi afetada. A perda não é homogênea e varia de região para região. No Paraná, o maior produtor de milho, cerca de um terço da colheita já foi concluída e a estimativa é que as perdas não sejam expressivas. Em Minas Gerais, cerca de 21% da produção está comprometida. A consultoria Safras & Mercado estima que ao todo 12 milhões de toneladas de milho vão se perder, o que subtrairia cerca de R$ 400 milhões da receita do agronegócio.
Mas o desarranjo climático ainda pode comprometer o plantio da chamada safrinha – safra de milho cultivada no inverno que, apesar do nome, corresponde à maior parcela do que o Brasil produz de milho anualmente – cerca de 60% do total colhido.
No Paraná e em São Paulo, a semente encontra um solo com baixa umidade. Se não chover, a planta não vai se desenvolver adequadamente. No Centro-Oeste, o excesso de chuva, quando alguns produtores ainda colhem soja, tende a atrapalhar a entrada das máquinas para o plantio do milho. "Esta semana será decisiva para o plantio da safrinha", diz Paulo Molinari, analista da Safras & Mercado.

Enxugando gelo


02 de março de 2014 | 2h 06

SUELY CALDAS - O Estado de S.Paulo
O aumento da taxa de juros Selic para o mesmo nível (10,75%) que vigorava em janeiro de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff tomou posse, causa a incômoda sensação de que o governo passou três anos enxugando gelo e a economia brasileira acabou recuando ao estágio em que Lula a deixou. Não é que a presidente tenha cruzado os braços, se acomodado. Pelo contrário, ela trabalhou muito, até demais, sua gestão foi marcada por intenso ativismo, cobranças aos ministros que respondem com pacotes e pacotes de medidas, muitas esquecidas hoje. Longe de ser uma tarefa enfadonha e modorrenta, o enxugar gelo de Dilma tem sido trabalhoso e seu significado está ligado justamente aos resultados desse ativismo - alguns nulos, não fizeram diferença; outros desastrosos, que só no último ano de governo ela tenta corrigir; e poucos positivos. A sensação é de perda de tempo.
Os resultados positivos vêm da área social: a baixa taxa de desemprego (5,4%), o crescimento da renda salarial e o reforço ao programa Bolsa Família se destacam. Mas o descuido com a saúde, com a qualidade da educação e com o saneamento foi um ponto negativo. Além disso, o governo não investiu em meios para fazer avançar o Bolsa Família e as falhas de gestão do Minha Casa, Minha Vida têm desperdiçado dinheiro público e ofuscado seu sucesso.
Lançado com a meta de ocupar o vazio de uma política industrial inexistente, o Plano Brasil Maior caiu no esquecimento. Os problemas da indústria não desapareceram e novos surgiram, a produtividade é sofrível, o comércio exterior se deteriora e o setor industrial perde força, espaço e influência na economia - nos últimos três anos caiu sua participação no Produto Interno Bruto (PIB). Excetuando a desoneração da folha salarial, o resultado da política industrial de Dilma é nulo.
Mas o pior vem da gestão da equipe econômica de Dilma, da ação para ativar a economia. Deu tudo errado. Dilma insistiu três anos nos erros e agora recua, tenta corrigi-los, mas lhe falta tempo para reconquistar a confiança. É no que a sensação de enxugar gelo, de perder tempo por nada, se faz mais presente. A lista é grande, vamos a alguns desses erros:
O preconceito ideológico contra a privatização levou Dilma a acordar tarde para o investimento em infraestrutura. Recuou no ano passado, mas fez licitações erradas, com interferências descabidas do governo, e afastou investidores. Corrigiu, mas o tempo que resta é curto para recuperar o atraso.
Escolheu empresas amigas para se tornarem campeãs com dinheiro do BNDES, o objetivo foi frustrado e levou junto alguns bilhões de reais do banco.
Recuou também nas isenções tarifárias para setores industriais eleitos, subtraindo receitas que fizeram falta ao resultado fiscal. Brincou três anos prometendo superávits primários que não entregou e recorreu a operações contábeis primárias para maquiar e fingir que cumpria a meta, piorando o descrédito de investidores. Agora tenta corrigir.
O malabarismo contábil chegou ao comércio exterior e a Petrobrás foi usada para "melhorar" o resultado da balança comercial, com adiamentos de importação de petróleo e registro de exportações de plataformas que nunca saíram do Brasil. Resultado: mais descrédito em sua gestão. Não está claro, neste caso, se haverá recuo.
Enviou ao Congresso projeto para mudar o indexador da dívida dos Estados e municípios para socorrer o prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad. Em seguida recuou ao perceber que seria desastroso para a ameaça de rebaixamento da classificação de risco do Brasil.
Castiga empresas estatais, sobretudo Petrobrás e Eletrobrás, usadas a torto e a direito para controlar a inflação. As duas têm acumulado graves prejuízos vendendo combustíveis e energia elétrica por tarifas abaixo do custo, o que tem reduzido faturamento, subtraído dinheiro para investimentos imprescindíveis ao País, derrete o preço de suas ações nas Bolsas e destrói seu valor patrimonial. O governo sabe que insistir nesse erro é desastroso para as duas estatais, mas não pretende recuar porque ganhar eleição é mais importante. E segue enxugando gelo.
É JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR